Horário eleitoral é o “x” do problema

6 de janeiro de 2012 § 4 Comentários

Na coluna de hoje para o Estadão, O Silêncio dos Coniventes (aqui), Dora Kramer, registra que nenhum governador, da situação ou da oposição, reclamou do ministro Fernando Bezerra, da Integração Nacional, por ter destinado 90% da verba de prevenção de enchentes para Pernambuco, Estado cujo governo ele se prepara para disputar, “ainda que fosse apenas para denotar interesse na defesa dos direitos dos seus governados“.

O tucanato em geral e o senador Aécio Neves em particular pegou leve, com críticas protocolares” ao ministro Fernando Pimentel e suas consultorias milionárias porque “ele foi e ainda é um potencial aliado do PSDB em Minas Gerais“, comportamento que se repete agora em relação ao ministro Bezerra porque ele “é a aposta eleitoral do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, sonho de consumo do PSDB“.

Posto assim o cenário“, conclui, “o PSDB não tem moral para dizer que o PT atua com foco exclusivo na disputa eleitoral (…) Aposta na articulação de bastidor em detrimento da relação com a sociedade“.

Ela tem razão.

Mas isso é o de menos. O que há de realmente importante nessa situação é que, dada a atual regra do jogo, não podia ser diferente.

A questão que interessa é:

Por que o PSDB e todos os partidos que o precederam, inclusive o PT que com toda a sua militância e profissionalismo só conseguiu chegar ao poder depois que entendeu isso, “apostam na articulação de bastidor em detrimento da relação com a sociedade“?

Porque, sobretudo neste país de 85% de analfabetos funcionais (mas não somente nele), o que decide a eleição é a televisão.

Os primeiros a entender isso com toda a clareza que só os cínicos costumam ter foram – ora vejam! – o eterno senador e ex-presidente José Sarney e o seu Ministro das Comunicações da época, Antônio Carlos Magalhães.

Ao lotear nacionalmente as redes de televisão, no alvorecer da Nova Republica, entre os velhos coronéis que, de Getúlio Vargas até o general João Figueiredo, nunca tinham deixado de mandar no Brasil, os dois antigos esbirros do regime militar guindados ao poder pela má sorte que levou deste mundo às vésperas da posse o presidente que o país preferiria ter tido garantiram que assim continuasse sendo até hoje, realidade à qual, diga-se de passagem, amoldaram-se docilmente todos os democratas de fachada que hoje os abraçam e homiziam e que, na época, só tinham contra a ditadura o fato de não serem eles a encarná-la.

Isto selou o destino político do Brasil.

De que tratam essas “articulações de bastidor” senão de decidir qual grupo terá mais tempo no horário gratuito das televisões, essa operação de lavagem cerebral que, sai ministro entra ministro faxinado, martela incessantemente em cada um dos intervalos do Jornal Nacional – e antes e depois dele durante toda a parcela de cada dia e de cada noite em que a massa dos eleitores brasileiros está de olhos e ouvidos abertos – que o ladrão do dia, exposto em seus “malfeitos” em uma única matéria de dois ou três minutos a cada edição, é na verdade um santo?

Que a organização profissional para a qual ele rouba é, na verdade, uma agremiação de heróis altruístas que, “historicamente”, têm lutado pelos interesses dos desvalidos contra as forças ocultas que querem explorá-los e privá-los dos seus direitos especiais, adquiridos com a ajuda de tais santos?

Quanto tempo levará até que a massa que não lê e mal ouve comece a enxergar a relação de causa e efeito entre a matéria do hospital pocilga e a matéria do ladrão do dia se os manuais de jornalismo afirmam que “objetividade” é deixar exclusivamente para a fonte (oficial, ou seja, o próprio ladrão) o direito de afirmá-lo, enquanto os manuais de política ensinam os candidatos a pouco se importarem com a realidade que tem dois minutos de matéria por dia já que a versão do seu partido para ela terá mais de 30?

A doença política brasileira não acaba antes que seja extinto o foco da infecção que é a férrea censura que os políticos exercem sobre os meios eletrônicos de comunicação, eufemisticamente chamada de “horário eleitoral gratuito“.

Devia estar na Constituição (já que ela aceita tudo, que venha uma a favor da Nação!) a regra estipulando que nenhum político ou candidato tem direito de se dirigir ao público sem contraditório.

E no entanto, como já registrei tantas vezes aqui, nem mesmo as entidades de defesa da liberdade de imprensa brasileiras mencionam essa forma de censura.

Por trás dessa cortina de silêncio está outro fato simples. Poucos órgãos da imprensa escrita, a única que desfruta de liberdade completa no país, pertencem a grupos que não têm na televisão a sua principal base de sustentação econômica. Cada jornalista, por sua vez, sabe que, mais dia menos dia, terá de bater à porta de um deles para pedir emprego.

Acontece que os donos das televisões são os coronéis eletrônicos criados pela dupla Sarney/ACM que, não por acaso, estão hoje refestelados no Senado da Republica e no Congresso Nacional – com ficha já suja ou ainda limpa, pouco importa – ditando as regras para as eleições e para o uso e a propriedade dos rádios e televisões.

É assim que o círculo se fecha.

Enquanto a regra for essa, quem quiser até pode tentar estabelecer “uma relação com a sociedade” à margem do rolo compressor do horário eleitoral gratuito. Mas estará cantando a canção do infinito numa capoeira. Não chegará jamais a disputar seriamente o poder, jogo que ganha-se ou perde-se antes das eleições comprando e vendendo tempo na TV a troco de pedaços do país e nacos do futuro dos seus cidadãos.

O resto é água mole em pedra dura. Ou o cara sai da política, ou vende a alma ao diabo porque a regra estabelecida é que só se chega ao fim desse jogo transformando-se num agente dele.

É por isso que, para o jornalismo sério, que só faz sentido como instrumento de reformas, este deve ser o alvo. O resto é barulho inconsequente.

Deseducando o país

3 de janeiro de 2012 § 1 comentário

Metade do Jornal Nacional desta noite foi sobre as enchentes e deslizamentos de Natal e Ano Novo em Minas Gerais e no Norte do Rio.

Literalmente todas as cenas de desabamentos mostradas eram em morros pelados de onde todo vestígio de matas foi arrancado. Os rios, como se pode facilmente deduzir das cenas mostradas, também estão cada vez mais assoreados e entupidos, agravando as enchentes.

E no entanto o jornalismo da Globo não fez nenhuma menção a este pequeno pormenor, o que é uma inestimável contribuição para que a população brasileira continue não estabelecendo nenhuma relação de causa e efeito entre as enchentes e desabamentos e o modo selvagem como ela própria trata os nossos recursos naturais.

Assim não vai!

Essas chuvas anormais e os desastres que as águas provocam ao longo do caminho são desmatamento e represamentos gigantes que se espalham sem nenhum controle pelo país afora, desde a Amazônia, onde elas começam, até Minas e o Rio, onde elas deságuam. Um processo sem precedentes de subversão da geografia.

Dando por dito o não dito

12 de setembro de 2011 § Deixe um comentário

Retomo, com as de hoje, minhas anotações da leitura dos jornais da semana passada. Estão todas relacionadas umas às outras.

De meados da semana, no Valor, matéria detalhada mostrando como os Estados do Sudeste (mas não só eles) aumentaram os seus superavits fiscais … cortando investimentos.

As arrecadações subiram. Umas 5% outras mais de 7%. As despesas correntes aumentaram em porcentagens variadas, mas sempre acima de 15%. E os investimentos foram cortados sempre em mais de 50% em relação ao ano anterior. Ha casos em que a redução chega a mais de 70%!

E qual a explicação?

Bem, este é o primeiro ano do mandato dos novos governadores. No ultimo do dos seus antecessores (e muitos foram reeleitos) os gastos explodiram. É assim que funciona: no ano em que eles precisam investir em si mesmos, na própria reeleição ou na eleição dos “seus” candidatos, o povo dá um passinho à frente; nos outros três, dá marcha à ré.

A média do que os governos estaduais do Brasil investem em relação ao que arrecadam fica entre 1% e 2% do total.

Na União as proporções não são muito diferentes.

É assim que se consegue deixar pobre um país rico como o Brasil: 40% do PIB em impostos e só 1% ou 2% disso investidos em educação, saúde, segurança , infraestrutura…

O resto é do ladrão.

Tem crise no horizonte? A saúde publica está um caos? Vamos criar mais um impostozinho porque pedir mais 1% do que entregamos a Brasília aos senhores juízes e deputados, nem pensar!

Você já está vendo a descida da ladeira mas eles ainda estão longe de onde querem chegar. Quebrando tetos salariais a força de golpes judiciais.

 

E uma reformazinha dos códigos de processo para tornar um pouco menos obscena a pletora de recursos que torna todo processo infindável? Esses “recursos” que garantem que menos de 1% dos criminosos que chegam aos tribunais de fato paguem alguma pena?

De jeito nenhum! Advogados, unidos, jamais serão vencidos! Se processo tiver prazo para acabar de que é que eles vão viver?

Não é atoa que, com o gás injetado em nossa economia pela China, este país se parece cada vez mais com um corpo “bombado” e cheio de músculos, mas com um sistema circulatório e portas de saída atrofiados.

Somos um Frankenstein mal costurado. A produção é do Brasil real; a infraestrutura, do país oficial.  Empresas de bilhões, com tecnologia de ponta, mas com insumos e produtos viajando de carroça.

Cadê as estradas? Os portos? Os aeroportos? A saúde? A educação? A segurança que nós pagamos tão caro?

Roubaram!

Mas fala baixo porque se atirar isso na cara dos ladrões eles travam o governo, arrebentam os orçamentos públicos, derrubam o presidente, param o país…

Estamos todos, como os cariocas dos morros, nos esgueirando entre bandidos travestidos de policiais e policiais travestidos de bandidos: pagamos e não chiamos que senão a conta ainda aumenta ou nos acontece coisa pior. Somos os que vivemos no fogo cruzado; os que viramos as costas às câmeras das TVs: “Não senhor; nada a declarar. Borrem a imagem do meu rosto, pelo amor de deus…

Hoje tem mais nos jornais.

O fosso entre a educação publica e a privada está maior do que nunca. Não ha um Estado em que as escolas do governo tenham classificado mais que 7% de sua rede na nota mínima admissível. Cada exame do Enem é  mais uma razão para você desistir de remar contra a maré, esquecer as ilusões do esforço e do mérito e pensar em entrar para o crime, como todo o mundo.

O apartheid social é a maior industria deste país. Semeia-se analfabetismo para colher votos baratos.

E, no entanto, quem lê os jornais precisa ter imaginação pra se indignar. Eles conseguem tornar tudo isso doentiamente confortável. Foi preciso um “programa cômico” que assume o deboche como linguagem – o CQC – para que o povo tivesse uma chance de saber que tipo de antro de fato é o Congresso Nacional e que grau de mixórdia pauta os pensamentos, palavras e obras dos atores disso que a imprensa corporate  recobre de verniz e insiste em descrever como a “normalidade política”.

Indignação não é de bom tom. Na grande imprensa e na TV todas essas histórias são vazadas em termos muito comportados e “profissionais”. A “normalidade” é dada pelos bandidos que, afinal, são a maioria.

Desde as escolas; desde a mais tenra infância treina-se o brasileiro para aceitar o inaceitável, a tomar o dito por não dito. O Jornal Nacional é “isento” e “profissional” na sua cotidiana exibição da sessão roubalheira seguida da sessão morte no chão do hospital, sem nunca estabelecer a relação de causa e efeito entre as duas.

A novela que entra em seguida, ou aqueles professores das escolas abaixo de 7% que vivem cercando o Palácio dos Bandeirantes é que, granmscianamente, traduzem o que ele mostra e dizem ao Brasil o que é certo e o que é errado; quem é o bandido e quem é o mocinho…

Onde estou?

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