Jornalismo, censura e democracia
28 de abril de 2022 § 1 comentário
Esta entrevista foi dada a Rodrigo Romero, da TV Câmara de Jacareí, SP, em meados de março e liberada para republicação no Vespeiro esta semana.
1a Parte
2a Parte
3a Parte
Passado, presente, futuro
22 de abril de 2014 § 4 Comentários
Escaneio os jornais na volta do feriado e minha cabeça vai estabelecendo as relações entre os fatos registrados.
Passado, presente e futuro.
Leio que Cristina Kirshner – o fetiche masoquista de dona Dilma que quanto mais apanha dela mais “gama” – colheu em três meses com o seu programa de controle de preços nos grandes supermercados do país, o aumento de 10% da inflação que prometia para o ano inteiro.
E qual foi a reação daquela sensata dama?
Saiu gritando “Vitória!” e anunciou que vai estender o programa “Precios Cuidados” também para os pequenos supermercados e ampliar de 192 para 304 o número de itens com preços congelados.
Vai também, é claro, redobrar a campanha publicitária permanente em torno desse “esforço patriótico” e mandar mais e mais “brigadas kirshneristas” para as portas dos supermercados para responsabilizar os comerciantes (e os próprios consumidores) pela inflação e afixar cartazes “denunciando” os fornecedores dos produtos que desaparecem do mercado em função do congelamento de preços no espaço em que eles costumavam ser expostos nas prateleiras.
Vai reforçar, também, o “serviço de recepção de denuncias” do povo contra os fabricantes desses produtos ausentes, denuncias estas que serão avaliadas – se justas ou não para as devidas punições – por judiciosos funcionários da Secretaria de Comércio do governo ultraespecializados, como soi acontecer com todo funcionário público selecionado para este fim pelo partido, na arte de produzir bens com eficiência e a preço justo.
Medidas contra o déficit fiscal de 4% do PIB que esta na raiz da inflação argentina, evidentemente nenhumas.
No primeiro momento minha cabeça viajou lá para 1986 quando o hoje sócio e principal avalista do “sucesso” do PT nas armações em que ele necessita do concurso do Congresso Nacional, o grande patriarca José Sarney, inventou o seu Plano Cruzado – igualmente limitado a um congelamento de preços sem que nenhuma providência contra a orgia de gastos públicos que estava na raiz da inflação galopante que nos consumia fosse tomada.
Enquanto os marqueteiros dele convocavam os “Fiscais do Sarney” a patrulhar os nossos supermercados, o Jornal da Tarde publicava memoráveis capas convocando o povo a “Fiscalizar o Sarney” e seus gastos estravagantes. Com a redemocratização ainda fresca, não havia, na época, o clima que, mais tarde, permitiu a bolivarianos de todas as latitudes acabar com a imprensa independente.
Mas o PT, que mais adiante, faria tudo para sabotar o Plano Real, aquele que finalmente matou a inflação que Sarney fez chegar aos 80% ao mês e lhe rendeu a herança bendita de 10 anos de bonança apesar dos desatinos do lulopetismo, já estava na linha de frente desses “fiscais” do congelamento de preços, apesar de todo o cheiro de farda que ainda exalava forte do terno (de albene branco) do estadista maranhense…
Dessa notícia meus olhos saltam para outra: “o IBGE fará a segunda revisão do cálculo do PIB em menos de um ano”, o que poderá “aumentar” o pibinho dilmo-manteguiano de 2013 e jogar o “crescimento” de 2014 para mais perto de onde o PT decretou que ele deve estar neste ano eleitoral.
Tudo isso da-se na sequência destes dois anos de “contabilidade criativa” nas contas públicas, que puseram o Cristo que ia decolando em desembestado vôo para baixo, e bem no meio do barulho da última maquiagem imposta ao IBGE no cálculo de desemprego da pesquisa “PNAD Contínua” apresentada nas vésperas da Semana Santa…
Ou seja: se as consequências não são as que queremos, vamos tratar de disciplinar os fatos, em vez de tratar de alterar as causas.
Por aqui são só trovões e nuvens carregadas, ainda. Mas na Argentina já chove a cântaros e zune o vento e na Venezuela sem papel higiênico urra o furacão enquanto os motoqueiros mascarados de Nicolás Maduro, embriagados de “excesso de democracia” como os quer o nosso Lula da Silva, perseguem pelas ruas manifestantes antibolivarianos para abatê-los a tiros na cabeça.
E que deus ilumine os eleitores brasileiros a conduzir este país para a próxima saída — que pode ser a última — porque todos esses são só trechos mais e menos distantes da mesma estrada em que viajamos os três.
Haverá sempre moicanos
22 de maio de 2013 § 48 Comentários
Nada na vida do “dr. Ruy” foi fácil.
Até aí, nada de mais. Nada na vida de ninguém é fácil.
A diferença estava no modo como ele lidava com essa circunstância.
Seja porque tenha tido de se haver com a dor física mais cedo do que esse aprendizado se impõe à maioria dos mortais, seja porque já nasceu navegando longe da costa, exposto aos ventos e às tempestades do mar sem fim da História sem nunca ter posto os pés em terra muito firme, o fato é que jamais se manifestaram nele nem o medo da instabilidade nem a ânsia das vitórias pequenas que atormentam os que acreditam ter sempre algo de muito importante a perder.
O “eu” nunca foi sua referência.
“Dr. Ruy” foi abençoado com aquilo que a ninguém é dado escolher. Não enxergava o que era (moralmente) pequeno. Não olhava para a vida de dentro de si mesmo; olhava para si mesmo de dentro do vasto todo que é a vida e com a serenidade de quem tem a consciência exata da proporção relativa das coisas.
Seu território era o dos grandes coletivos: “O Mundo”, “A Humanidade”, “O Brasil”.
Dava aos outros mais do que tinha para si. O altruísmo – rebelião anti-determinista contra a lei da selva, construção artificial da inteligência, renuncia à força física, pressuposto da civilização e da ética – nele era natural, quase inconsciente.
O lado mais próximo é que lhe era estranho.
Quando instado a fazer por si, então sim perdia a naturalidade, mostrava-se troncho, desajeitado e, sobretudo, aborrecido por ver-se arrastado a obrigação tão desinteressante.
Tinha o gosto pelas lutas que não se pode vencer mas não era assim que se via. Cantava a canção do infinito lá na sua capoeira porque não conhecia outra.
Pouco lhe interessava se fosse num bote ou num navio, o importante era estar no mar enfrentando as ondas, cheirando o vento, imaginando o que é que nadava lá embaixo. Navegando. Levando a bandeira adiante.
Só se voltava para dentro de si transportado.
O gesto de gallantry real ou imaginado, um verso, um personagem, a estrofe de um samba. Os abandonos românticos da boemia, sua segunda natureza. Eram essas as frestas para dentro que se permitia entreabrir … para seduzir, para comover, para encantar.
Enterrava na força as suas fraquezas sem premeditação nem heroísmo; naturalmente, porque foi nessa ordem que a vida lhe ensinou as coisas: primeiro a enfrentar a dor, depois a organizar o pensamento.
Amou seus pais. Amou sua mulher. Amou seus filhos e seus netos.
Amou o Brasil e amou sua profissão.
Foi amado por todos eles. Não perdeu a ternura jamais.
Agora, na partida, volto-me para o poente para reeditar Chingachcook:
Oh Grande Espírito! Oh Grande Criador da Vida!
Um guerreiro está indo para os seus braços rápido e direto como uma flecha atirada em direção ao sol.
Ele é Ruy, meu pai, meu amigo.
Dê-lhe as boas vindas e conduza-o até o lugar que lhe está reservado no conselho dos grandes homens.
Tranquiliza-o!
Sem ele torna-se muito mais árida a solidão desta travessia. Mas nós seguimos demandando o mar. A bandeira será sempre levada adiante, qualquer que seja o barco.
O “jt” sai de cena
31 de outubro de 2012 § 2 Comentários
A derrota na Copa da Espanha
O jornal da tarde sai de cena hoje para entrar para a história do jornalismo brasileiro na muito rarefeita categoria das utopias realizadas.
Foi fruto de uma conjunção de fatores tão improvável quanto a emergência da primeira onda planetária de contestação a mobilizar toda uma geração semi-conectada e que se materializava justamente na revolução da linguagem das comunicações, de um raro hiato na sucessão costumeira de crises que criou um ambiente econômico excepcionalmente favorável ao Brasil e à indústria do jornalismo impresso então no seu apogeu histórico, e do feliz casamento entre a vontade de inovar de uma empresa solidamente consciente do valor da função institucional sem a qual o jornalismo não faz sentido e a capacidade de uma geração que fez história no jornalismo brasileiro de executar esse desafio com o mais alto grau de talento e qualidade.
Foi este o pano de fundo por cima do qual intenção, acaso e necessidade, nas suas imprevisíveis tramoias dialéticas, acabaram por proporcionar senão a suspensão, ao menos um inédito afrouxamento da contradição essencial entre o meio e a mensagem; entre o ritmo do pensamento e os imperativos da indústria e da logística que delimitavam as fronteiras da qualidade possível no jornalismo impresso.
Sempre ele…
Foi a última vez em que a mensagem prevaleceu sobre as imposições do meio.
O mais importante insumo da revolução estética, de comunicação e jornalística que foi o jornal da tarde foi o tempo de processamento, luxo que pouquíssimos jornalistas da presente geração alguma vez puderam desfrutar no exercício da profissão.
Desenhado para chegar às bancas pelo meio da tarde a redação do jt pôde, na primeira metade de sua vida, funcionar na velocidade das ideias e concentrar-se com o necessário vagar no tratamento dos fatos, na avaliação do seu significado e na sua apresentação em imagens e palavras nunca antes tão cuidadosa e competentemente trabalhadas na história da imprensa brasileira.
Vontade de criar; liberdade para criar; condições para criar. Difícil saber o quê puxa o quê nos raros momentos em que esses três fatores entram em sincronia.
Sarney fabricava inflação e pedia que o povo fiscalizasse os preços…
Mas o efeito foi brilhante. Enquanto reformava o passado, o jt pôs também um pé no futuro ao reinterpretar a essência do jornalismo, que é a função de captar os pleitos difusos da sociedade, interpretá-los, dar-lhes forma legível e, assim, precipitar reformas, ao saltar da fronteira então estabelecida da mera crítica e da sugestão para o território ainda virgem da mobilização direta do público e da interferência física sobre o aparelho de decisão política nas suas memoráveis campanhas, antecipando o que será o jornalismo de amanhã.
No momento em que não só o jornalismo, ferramenta essencial da democracia (e com ele, ela) mas o pensamento escrito como um todo (e com ele, a trajetória da civilização e da cultura) se debatem novamente numa crise que, para além do corolário do desafio do modelo de negócios que até hoje sustentou a ambos é, essencialmente, uma crise universal de desajuste de velocidades, vale a pena nos determos mais uma vez nesse aspecto que, para o bem e para o mal (quando a vantagem do tempo de processamento lhe foi suprimida), definiu a história e a trajetória do jornal da tarde.
A inteligência humana e a civilização só puderam se desenvolver quando o sucessor do macaco se organizou o bastante para não ter mais de dedicar 100% do seu tempo a correr atrás de comida ou fugir dos predadores.
Era este o mundo que lhe tinha sido dado.
A derrota das Diretas Já
Passados 200 mil nos de luta, vamos, de certa forma, recriando, agora voluntariamente, aquela mesma situação. E as modernas ferramentas de comunicação estão no centro desse estranho processo de regressão.
A submissão acrítica ao fascínio da velocidade sem rumo devolve a humanidade a uma crescente incapacidade de pensar e vai reduzindo a vida a uma sucessão de reações automatizadas de sobrevivência onde somos nós que, em bando, servimos às máquinas e não elas que nos acrescentam à individualidade, à segurança e ao conforto material ou espiritual.
Superar a barbárie e dar a cada homem as rédeas do seu próprio destino é o objetivo da democracia. O jornalismo está a serviço dela e esta, ha 137 anos, tem sido a casa do jornalismo.
É nossa responsabilidade, agora discutindo também o papel central que nós próprios temos tido na construção dessa nova Babel, contribuir para deter essa voragem e devolver aos homens o grau possível de controle sobre suas vidas.
O jt faz parte desta obra e imortalizou-se ao abrir novos caminhos. Cabe-nos continuar a percorrê-los.
A morte de Tom
(Texto publicado originalmente como editorial de O Estado de S. Paulo de 31/10/2012)
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