Pontius Bergoglius
22 de setembro de 2015 § 51 Comentários
Os cães de Pavlov
24 de fevereiro de 2014 § 2 Comentários
Se já não é mole para ninguém, mesmo com todo o equipamento de leitura da realidade exterior em ordem, entender o mundo globalizado e lidar com a necessidade de regorganizar política e socialmente uma humanidade que sequer fala a mesma língua para enfrentar um desafio que doravante só tem solução pelo todo, para os brasileiros, que vivem por traz de uma lente de distorção da realidade implantada em cada cabeça desde antes dela ter consciência da sua própria existência que determina quase que organicamente a formação dos circuitos de processamento do que os seus olhos haverão de enxergar lá fora é praticamente impossível.
Porque, para além da carga que se nos despeja do nascimento até à idade em que o cérebro humano ganha autonomia, vemos essa distorção ser reforçada a cada passo pelo vasto aparato de controle do que hoje se chama brandamente de “correção política” montado para reconfirmá-la e preservar o sistema de poder que nele se apoia.
Um sistema de poder que, se já não imola fisicamente os dissidentes em fogueiras acesas em praça pública, lincha-os moralmente, confisca-lhes o direito ao trabalho e à sobrevivência econômica (se for um político ou um operário intelectual) e se os degreda da mídia, o que equivale a uma espécie de condenação à não existência.
O “retrato” tirado do país nas manifestações de junho de 2013 – em que a multidão gritava 500 “nãos” mas não era capaz de esboçar um único “sim” neste país onde ha 32 partidos políticos, todos “de esquerda”, refletindo fielmente a “demanda” pautada pela tal lente distorsiva – é um exemplo eloquente da força desse mecanismo repressor do pensamento e da completa inadequação entre o repertório conceitual que nos é incutido e a realidade que tentamos inutilmente decifrar com ele.
Se para os filhos de outras culturas mais dóceis à evidência dos fatos, lidar com esse desafio é um longo aprendizado para o qual parte-se do zero, para nós, os filhos do dogma e do pressuposto, o aprendizado da realidade existente só pode começar para os que forem, antes, capazes de revogar a realidade suposta que lhes foi incutida a vida inteira como a única verdadeira.
São dois trabalhos. Logo, se a verdade sem adjetivos maiores que a consciência da precariedade de qualquer verdade está em 100, há quem possa partir para a busca dela do zero e ha quem tenha de partir de menos 100. Considerando-se que no primeiro terço dessa trajetória a inteligência humana não está pronta para um vôo autônomo, é fácil entender porque tão poucos logram conseguí-lo: a vida normalmente não dura o suficiente para percurso tão longo nos dois terços restantes.
Não estamos sozinhos nessa arapuca. É nesse mesmo labirinto que anda perdida toda a latinidade, aí incluída, pelas razões expostas acima, a maior parte da parcela alfabetizada dela. Sendo, aliás, a escola e a universidade os principais centros de reforço e elaboração dessa construção distorcida, é mais comum, entre nós, encontrar quem enxergue as coisas como elas são entre os que continuam virgens dessas duas experiências do que entre os letrados e, sobretudo, entre os semi-letrados que constituem a grande força de sustentação do “Sistema”.
Vem de muito longe essa bifurcação dos caminhos da humanidade. O momento decisivo se dá no século 12 quando a primeira universidade da Europa – a de Bolonha – passa do controle dos sábios para o controle dos príncipes (com os sábios incluídos no pacote) num momento de vácuo de poder com o esvaziamento do da Igreja que mantinha todo o Continente até certo ponto “amarradinho”.
Ali ressuscita-se e põe-se para caminhar sobre a Terra a versão frankenstein de um “direito romano” torcido para parir e sustentar o absolutismo monárquico pelo expediente da constante fabricação de leis de ocasião sob a égide do lema Princeps legibus solutus est (“o príncipe” – que as baixava – “está desobrigado de todas as leis“).
É o regime sob o qual você, brasileiro, vive até hoje, 9 séculos depois, e que o ministro Joaquim Barbosa tenta solitariamente abalar nesses últimos meses.
A Inglaterra mantem o sistema da Lei Comum (Common Law) baseada na tradição, patrimônio comum a toda a humanidade até uma certa altura, portugueses incluídos com o seu “direito foraleiro” e, no mesmo século 12, faz do costume instituição, aparelha-o de um método de processo com a sistematização dos precedentes e sacramenta o juri como garantia da prevalência da procura da verdade pela interrogação dos fatos sobre o arbítrio do juiz ou as verdades reveladas.
Daí por diante nunca mais houve remédio para quem enveredou pelo desvio de Bolonha. Uma olhada neste mapa é quanto basta para confirma-lo.
Os marcos seguintes do percurso são mistos de intenção e oportunidade.
No século 16 a libido de Henrique VIII leva ao rompimento final com a Igreja Católica e à abertura da Inglaterra a todos os perseguidos do mundo, o que proporciona a uma humanidade até então sempre obrigada, debaixo de bota, a afirmar a fé do soberano, a primeira experiência de livre convivência com a diferença de crenças, de um lado, o que suscita dos reis católicos do Continente a reação pelo Terror contra a novidade que ameaçava suas prerrogativas, do outro.
A França tenta embarcar na abertura (com a revolução da Fronda) mas perde. E é lá, na Universidade de Paris, que um rico estudante basco, exigindo de cada um dos seus seguidores o juramento solene de que “Eu sustentarei até à morte que é negro o branco que meus olhos vêm se assim determinar sua santidade o papa”, funda a Companhia de Jesus, os padres soldados da Contra Reforma que, até bem perto de nós, teriam o monopólio da educação, entre outros menos longevos, nos reinos de Portugal e Espanha.
O resto são decorrências.
Porque a utopia inglesa é a da liberdade enquanto a francesa é a da igualdade de que não existe um único exemplo na Natureza?
Viver a diversidade de crenças levou os pensadores ingleses, para segurar o terreno conquistado, a erigir a tolerância em fundamento inegociável de todas as relações humanas; a tirar o pressuposto da frente do fato e o dogma da frente da experimentação. Alguém se perguntou se não haveria algo mais a fazer as maçãs despencarem do galho que a vontade de deus, a Terra saiu do centro do Universo e o homem saiu do centro da Terra.
Nasceu a ciência moderna e nasceu a democracia, cujo fundamento último é, justamente, a ausência de certezas.
E os filhos da Contra Reforma, em que estavam pensando nessa hora?
Não existe igualdade na Natureza? Sem problemas. Tratamos de imaginar uma Natureza “anterior” a esta que se vê onde a igualdade “estava presente” e, ao lado dela, um demônio que, por pura maldade, desorganiza essa santa paz. O nome desse demônio varia segundo a conveniência do momento: a “propriedade privada”, a “sociedade” … “os americanos”; essas desconcertantes manifestações concretas da própria desigualdade, enfim.
Conclusão:
Quem já nasceu sabendo; quem teve o privilégio de conversar com deus ou trocar segredinhos sobre o futuro com “a História” e vive atormentado pela renitente rebeldia dos fatos contra a ordem em que deveriam se conformar em ter permanecido, trata de “disciplina-los” punindo quem os vê como são e assim contribui para impedir a igualdade “perdida” de retomar o seu devido lugar na ordem das coisas.
Já quem se pergunta humildemente porque diabos as coisas são como são, logo aprende que as respostas têm estado muito mais frequentemente erradas do que certas e que há grande chance de haver erro nas suas próprias convicções do momento e verdade nas alheias, e que portanto, a liberdade – de pensar, de dizer e de agir para lá e para cá ao sabor dos acontecimentos – tem de ser inegociável, ou não haverá segurança possível para ninguém.
Opção preferencial pelo quê mesmo?
20 de julho de 2013 § 3 Comentários
Ao escolher o franciscanismo como inspiração e o Brasil para a sua primeira peregrinação, afirmam os saudosistas da “Teologia da Libertação”, o papa retoma a opção preferencial pelos pobres para tentar recuperar os fiéis … que têm fugido em massa para as igrejas que fizeram a opção preferencial pela riqueza.
Até o PT já entendeu que essa “ética da prosperidade” que lota templos-gigantes é que dá voto e traz popularidade. O partido do “país rico” e “sem pobreza” só errou quando passou a dar prioridade ao enriquecimento dos seus próceres sobre o enriquecimento do povo.
Algo esta errado na leitura da Igreja sobre por onde vazam suas ovelhas? Ou o papa Francisco está atento para não repetir o erro da igreja pré-João Paulo II de, invertendo o desvio do petismo, confundir a opção preferencial pelos pobres com uma opção preferencial pela pobreza?
Os vendilhões estão de volta ao templo!
18 de maio de 2012 § 3 Comentários
Ontem fui a uma missa de 7º dia na igreja Nossa Senhora do Brasil (SP) e logo na entrada, no primeiro nicho à direita, ali junto à porta onde antes havia um altar em que tinha sempre alguem rezando ou acendendo uma vela, deparo-me com uma “lojinha” de fazer lembrar a estação rodoviária, atulhada de imagens de santos e outros badulaques, com uma mulherzinha sentada, revista no colo, cara de saco cheio, olhando de lado pro bolso das pessoas que rezavam enquanto lá na frente, o padre tentava convencer “aos que a certeza da morte entristece que a promessa da ressurreição consola”…
Eu não sou de religião de igreja. Quando tenho de me entender com deus não aceito intermediários. E, a esta altura do campeonato, achava que nada mais seria capaz de me chocar.
Mas enfiar os vendilhões de volta pra dentro do templo é demais até pro país do Cachoeira!
É caso pra chamar o bispo, de chicote em punho, e por pra fora a ponta-pés esses fariseus.
(Ou será – medo!! – que sua eminência reverendíssima tambem tá levando uma comissão?)
Mateus 21:12-13
E entrou Jesus no templo de Deus, e expulsou todos os que vendiam e compravam no templo, e derribou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas.
E disse-lhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração; mas vós a tendes convertido em covil de ladrões.
O “racismo invisível”, o PT e a mulher do próximo
24 de novembro de 2011 § 1 comentário
Vinha agora ha pouco no carro ouvindo a deputada Erika Kokay vociferando na Voz do Brasil contra o “racismo invisível” e pedindo providências legais contra este mal que – não adianta esconder – assola este Brasil cujo povo, de certo, só é miscigenado como é para disfarçar o que realmente pensa.
Esse “racismo invisível” é a versão moderna do “Não desejaras a mulher do próximo”.
Não bastam os fatos.
Os fatos são passíveis de prova. Confirmam ou desmentem irretorquivelmente uma acusação. Encerram a discussão. Põem as decisões a salvo do arbítrio da autoridade constituída.
Aceito o fato como prova a autoridade constituída se torna menor que ele. Tem de se submeter à evidência.
Mas, na multimilenar tradição católica, a autoridade constituída não se submete a nada. Zela, acima de tudo, pela sua onipotência.
É preciso que o súdito não tenha segurança nunca. A certeza não pode jamais entrar no seu horizonte de possibilidades. Nem o fato pode ser um refúgio seguro contra o arbítrio.
Isso o levaria a começar a ter idéias perigosas.
A fragilidade do súdito e a sua insegurança precisam ser absolutas.
A Igreja de Roma viveu quase 2 mil anos desse engôdo, submetendo todos ao terror sem abrigo seguro possivel.
Assim como ter ou não ter jamais tocado a mulher do próximo pouco importa, não livra ninguém do “pecado mortal” e da condenação ao Inferno, o fato de você jamais ter erguido um dedo ou dirigido qualquer palavra ácida a alguém diferente de você não é prova suficiente e satisfatória de ausência de preconceito e nem mesmo da sua tolerância e do seu respeito pelo próximo.
A eles interessa o que você possa ter eventualmente pensado, um dia, exatamente porque isso não poderá ser conclusivamente demonstrado jamais.
É por essa brecha que entram em cena a Inquisição, a tortura e, em última instância, a condenação à fogueira física ou moral.
Agora é a vez do PT. O “racismo invisível” não deixará de existir nem que andemos, os de todas as raças, a nos beijarmos e abraçarmos constantemente nas ruas. Ao PT só interessa o que tivermos eventualmente pensado sobre isso alguma vez. E, a respeito do que nós pensamos ou deixamos de pensar, há muito tempo que o PT já formou o seu pré-conceito, que independe completamente de confirmação pelos fatos.
O subproduto desse modo pervertido de “mandar” continua sendo o mesmo de sempre: a justificação moral da mentira e da dissimulação como imperativos de sobrevivência. A corrupção por atacado do caráter de um povo.
Já a mim, que sou muito menos exigente que o PT e a deputada Kokay (e tenho certeza de que comigo 99,9% do Brasil), bastam-me os fatos. Dar-me-ia por completamente satisfeito se, por exemplo, os correligionários da deputada e a horda faminta dos “apoiadores” do governo do seu partido secretamente desejassem o dia inteiro nos roubar mas se refreassem de jamais tocar em um tostão que fosse do dinheiro público. Ou mesmo – sejamos comedidos mesmo para sonhar – se torcessem furiosamente a favor deles, na intimidade dos seus pensamentos mas, na hora de agir, trancafiassem inapelavelmente na cadeia os ladrões flagrados roubando dinheiro público e jogassem a chave da cela fora.
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