A eleição americana vista de Babel

18 de novembro de 2016 § 7 Comentários

bab3

Artigo para O Estado de S. Paulo de 18/11/2016

De repente, não mais que de repente, o mundo ficou na iminência de acabar! Depois que passou a votar republicano, o eleitorado cativo dos democratas dos ultimos 60 anos transformou-se subitamente numa ameaça para o futuro da humanidade…

Nunca será demais repisar: o pior erro da imprensa americana não foi não prever a vitória de Donald Trump, foi contribuir decisivamente para ela com os milhões de votos de repúdio que mobilizou com o fervor religioso com que, dependendo sempre das conveniências do momento, pisa nas pessoas e nos fatos para absolve-las ou condena-las à danação eterna segundo os dogmas do multiculturalismo e das ideologias de gênero e raça desde que se assumiu como a polícia dessa ditadura da “correção política” que se pretende universal.

bab4

A candidatura Trump, é fato medido, nasceu e se alimentou da exasperação que isso causa. E no entanto, com o eco das suas denuncias de ontem ressoando ainda, lá está ela atirando gasolina sobre as brasas, negando o veredito das urnas, assumindo o “discurso do medo” e abusando da adjetivação preconceituosa, racista e intolerante contra quem votou contra as suas “verdades” que apontava como os pecados mais ameaçadores do “trumpismo”.

Não é um fenômeno novo nem isolado. A reação figadal da fatia crescente do eleitorado americano que habita o lado escuro da globalização e não indentifica no mundo em que vive o que a midia “estabelecida” quer lhe impor como “a realidade” não será de todo estranha às massas aqui do nosso favelão continental de 60 mil assassinatos por ano a quem os “novaiorquinos” da midia “bempensante” brazuca pretendem fazer crer que nada é a loucura dessa nossa combinação sinistra de supersalários na côrte (que eles acobertam ha anos com um escandaloso silêncio) com miséria e impunidade nas ruas, tudo vai da “minoria” à qual pertence o assassinado da hora (ou do minuto).

bab4

Está em toda a parte essa deliberação de não ver e de proibir que se veja engendrando uma exasperação às vezes ainda mais cega do que ela; extremismo engendrando extremismo na marcha batida da insensatez.

Tudo isso é decorrência de uma longa e intrincada cadeia de mentiras ancoradas todas no ponto mais fraco da condição humana que é a incapacidade de admitir os próprios erros. Essa suposta “luta de gêneros” com que tudo quer explicar a esquerda século 21 é a reencenação como farsa da “luta de classes” com que tudo queria explicar a esquerda século 20. Foi a saída que restou da sinuca conceitual em que a colocou o fato da classe operária sindicalizada, produto exclusivo do capitalismo democrático e eleitora cativa dos “liberal” americanos que agora votou em massa em Donald Trump, ter sido empurrada para o mais escuro beco sem saída da globalização justamente pelo único produto real do socialismo que até ontem eles receitavam como remédio que é esse novo proletariado global sem direitos nem sindicatos que trabalha por qualquer troco. “Branca” e portanto dispensada das atenções que só “as minorias” merecem, lá ficou ela esquecida pelos donos do poder ha 8 anos absortos em trocar amabilidades uns com os outros até o bilionário espertalhão se dar conta de que ela existia e poderia render fartos dividendos.

bab4

O segundo maior achado de Donald Trump, que nunca se destacou por entregar exatamente aquilo que vende – depois de Hillary Clinton, é claro – foi afirmar que o que deixou de funcionar não foi o “sonho americano” mas sim a relação dos Estados Unidos com o mundo e que a solução para isso não está em disseminar a cultura do direito mas sim em fechar os Estados Unidos ao mundo. Mentira, ele sabe melhor que ninguém, pois se simplesmente fechar-se ao mundo resolvesse alguma coisa Obama mesmo já o teria feito pois decisões como essa não são função de ideologia, o que as determina ou não “It’s the economy, stupid!”.

Eles precisam do mundo tanto quanto o mundo precisa deles e a crise do capitalismo democrático, vulgo “sonho americano”, isto é, do sistema que pela primeira e única vez na história da humanidade instituiu a única igualdade possível que é aquela perante a lei, criminalizou o privilégio, estabeleceu o trabalho e a inovação como as unicas formas de legitimar a desigualdade e apartou o Estado do Capital armando a mão do primeiro para coibir a constituição de monopólios, os piores inimigos da liberdade individual e da dignidade do trabalho, pelo segundo, é muito mais profunda do que isso.

bab4

Ela decorre justamente da impossibilidade de impor a ordem democrática à natural selvageria da luta economica fora das fronteiras nacionais e, depois da globalização do mercado de trabalho aviltado pelo capitalismo de Estado que evoluiu do socialismo, mesmo dentro dos Estados Unidos da América pois, ao contrário do que se quer fazer crer, o presidente da Republica é a peça mais fraca da democracia americana. Está nela como uma excreção tolerada e o poder discricionário dele é 100% nulo dos Estados Unidos para dentro e quase nulo dos Estados Unidos para fora como comprova o fato de ser o que eles presidem, e não o sistema de exploração de todo o sempre contra o qual a revolução americana se insurgiu, que está ameaçado de desaparecer.

No dia mesmo da eleição, Harry Belafonte, o velho cantor negro cujo tempo de vida coincidiu com o apogeu do verdadeiro sonho americano, escreveu no New York Times que “os Estados Unidos são, antes de mais nada, um sonho, uma esperança, uma aspiração (de vitória do esforço e do merecimento sobre o privilégio) que pode não vir nunca a se realizar completamente, mas que nos anima a sermos sempre melhores e maiores” e que, por isso, o importante é não por o sonho a perder.

Nem Donald Trump, nem Hillary Clinton nem, muito menos, essa polícia da ditadura da “correção política” para a qual não basta enquadrar as palavras e os atos, ha de se sujeitar também todos os pensamentos a uma ordem unida, têm qualquer coisa a ver com ele.

bab4

What’s up with the USA?

7 de novembro de 2016 § 2 Comentários

tr1

Publicado em português no Vespeiro e no Estado de S. Paulo de 6/6/2016

The “Protestant ethic” usually takes the spotlight, but the most revolutionary “American exceptionalism” is that the country was born as the only nation of landowners there had ever been.

While Brazil, like the rest of the “New World”, had its vast territory divided up and distributed to 13 good friends of the king, the Virginia Company of London, along with other private companies to whom undercapitalized King James I, of England, handed the colonization of “his” America, offered, since 1618, a 50-acre property-title to anyone who was willing to make a living there.

The opening of a window like the “headright system” into Europe’s brutal medieval world where the only certainty was to die in the exact same social position you were born into (be it landowner or otherwise), was an unprecedented miracle in human History.

tr4

What made the construction of a political order based on free consent, property rights and equality under the law in the United States’ birth as a nation possible is that these were conditions that already existed in that part of the world at that time. The goal of the institutions built around this historical miracle by the Enlightenment’s elite was not to create it, but to “shield” it from returning to the former standards because of man’s natural impulse to “prevail” over their neighbor, and preserve the freedom that permitted them to undertake such challenge.

Their solution was to put effort and merit in the place once occupied by “divine right” as the only acceptable mean to legitimize the accumulation of power or wealth; that is, to legitimize social inequality. That was already a lot, but not enough. Even under the rule of merit, property, little by little, tended to concentrate again into fewer hands. Turning the 19th to the 20th century, with american democracy wraking in corruption, the “Progressive Era’s reforms” step in the political stage to condition the right to accumulate property, even if attained through merit, to the preservation of competition to the consumer’s benefit. Along with new instruments to enforce the power of the many over the few imported from Switzerland like the “recall election”, the right of legislative “initiative” and “referendum” for laws enacted by representatives, antitrust legislation, a genuine (an decisive) american inovation, attained to put political and economic power more clearly on opposite sides and thus to renew the miracle.

tr4

There is a fundamental difference between American democracy and the others that, throughout the world, eventually evolved into meritocratic systems. While for the latter it is a question of purging and overcoming their own historical experiences so that they may stop being what they culturally remain being, the problem for the former is preventing the transformation into what it never was and solemnly swore to never become from its founding day. The absence of the “original sin” on its starting point deprived the United States of the rest of the world’s hatred of property and prosperity, which it constantly associates to privilege and would translate into the communist revolutions that drenched the 20th century in blood.

The result was the most spectacular soar of freedom and prosperity combined ever to be seen by any human society, until the internet and its blurring of sovereign national boarders came to stop the ascent.

In the new reality of exportable markets of goods and labor and the absolute impossibility to enforce national legislations to control them in a globalized context, the American model of individual rights prevaling over State and corporate “reasons” have been implacably diluted in the confront with “State Capitalism”, the multitudes reduced to extreme poverty working for minuscule wages to monopolistic enterprises sustained by national treasuries sustaining dumping wars against its democratic competitors.

tr4

40 years of successive records of company merges and acquisitions followed, in a wacky race to obtain scale and “productivity gains” at the expense of salaries and work conditions along with the ever-growing interference of the State bailling out those who got “to big to fail” in the process, with fear of unemployment closing everyone’s eyes to the corresponding corruption. All of such badly compensated by a technological revolution anchored in a computer science where intellectual property rights are indefensible.

This shift has been pulling americans out off the model they had the privilege to choose for themselves and to definitly empower in the beginning of the 20th century which they had been abble to profit from for almost 80 years. The only beneficiary of the telluric economic shift that followed has beem the financial sector which profits obscenely from the recurrent “restructuring” of the wracks off production and labor. It grown up from 8% to 48% of the national economy during this period.

tr4

Donald Trump “bogie style” and Bernie Sanders “Santa Claus-style” populisms and Hillary Clinton’s dangerous liaisons with both the people who fear them and with Wall Street’s sharks, along with what sounds to us as kind of “vintage” ideological jargon assumed by the american press, are all portraits of the perplexity of a Nation that up to now has had the luxury of living in a true meritocracy, away from the hoplessness of winning by individual worth that ends up in bitterness and social warfare, and reflections of the opportunistic aproach of the Democratic and Republican establishments, allways trying to profit off the consequences of democratic capitalism’s structural shift instead of choosing to discuss the roots of the problem (one of no visible solution in a globalized context).

This election confirms the United States’ contamination by the ancestral sickness of the rest of the world. The “American model” of a generation ago rests itself firmly upon laws that are no longer enforceable in a world that is borderless and unjust. A world that, from now on, will level up by the average, which for America means settling for less. Only after that, and if the model doesn’t get lost in the way, will the world achieve, now as a whole, an institutional aparatus to defend men from men as efective as the one History turned americans able to develop and live under before everyone else on this planet.

tr4

 (Translation, Fernão Mesquita)

Agora eu entendi a Hillary

4 de maio de 2012 § 1 comentário

Chen Guangcheng, 40 anos, cego desde 1 ano de idade, cujo nome de batismo significa “Luz da Honestidade”, é um desses milagres da natureza que fazem a gente acreditar que a humanidade é viável, apesar de tudo.

Ele nunca pregou a derrubada do Partido Comunista nem pediu reformas políticas profundas. Limitava-se a entrar nos tribunais da China representando pessoas miseráveis, doentes, deformadas; o lumpen do lumpen do interior do país, sem esperar grande coisa em pagamento, para pedir que o regime cumprisse suas próprias leis.

Guangcheng pôs os pés numa escola pela primeira vez aos 13 anos. Foi o primeiro de cinco irmãos muito pobres a ter educação universitária. Formou-se massagista e acupuntrista numa importante escola de medicina da China porque esta era uma das poucas profissões autorizadas para cegos.

Mas, escondido, frequentava aulas de advocacia e estudava leis, a sua verdadeira paixão. Pessoas de sua família liam os textos para ele. Formou-se e foi à luta.

Desde então é tido quase como um santo pelos miseráveis da China.

Sua desgraça começou em 2005 quando organizou uma ação coletiva contra o governo de sua província para deter as operações de aborto e as esterilizações forçadas que estavam sendo impostas às mulheres da região como parte da “política do filho único”  do partido.

A corte recusou sua ação. E quando ele apelou para a imprensa internacional, foi posto em prisão domiciliar e condenado a 3 anos e quatro meses na cadeia.

O advogado que se prestou a defende-lo no julgamento, em 2006, passou a ser espancado na rua. Sua família também foi posta em prisão domiciliar e submetida a espancamentos e humilhações públicas constantes. Sua filha, hoje com seis anos, então pouco mais que um bebê, teve todos os seus brinquedos apreendidos e, todos os dias, quando saia e quando voltava da escola para casa, tinha a sua mochila ostensiva e violentamente revistada.

Qualquer cidadão que tentasse visitá-lo também era espancado e ameaçado. Até Christian Bale, o ator hollywoodiano que tentou entrevistá-lo com uma equipe da CNN no ano passado foi escorraçado violentamente diante das câmeras.

Depois de 19 meses preso em casa nessas condições, ele fugiu espetacularmente na noite de 22 de abril enganando quase 100 guardas. No dia 26 diplomatas americanos em Pequim, onde chegou ao fim de uma imaginável epopeia, conseguiram abrigá-lo na embaixada.

Na quarta-feira passada, dois dias depois de sua chegada a esse pedacinho do “mundo livre”, porém, ele foi devolvido às autoridades chinesas pela Secretária de Estado Hillary Clinton em pessoa. Como é ano de eleição, deram um jeito, depois, de varrer para debaixo do tapete a porcaria feita tirando ele da China mas tomando todos os cuidados para não ofender essa boa gente que trata seu próprio povo como tem tratado Chen Guangcheng.

Agora eu entendo porque essa senhora disse que Dilma Roussef está estabelecendo “um novo padrão mundial de combate à corrupção“.

O dinheiro“, dizia o nosso Nelson Rodrigues, “compra até o amor verdadeiro“.

Na verdade compra bem mais do que isso.

Cala a boca, Magda!

19 de abril de 2012 § 2 Comentários

Qual é o “novo padrão global de tratamento da corrupção” dado por Dilma?

Esse do “vamos organizar a suruba”?!!!

Esse de dar a cada máfia o seu devido território privativo de caça com o recado “agarre o que puder enquanto não for flagrado“, ficando combinado que em caso de flagrante substitui-se o jogador por outro do mesmo time?

Gringo por gringo, fico com Theodore Roosevelt, aquele que dizia que “O problema não é haver corrupção, o que é inerente à espécie humana. O problema é o corrupto poder exibir o seu sucesso, o que é subversivo“.

Se eu fosse o FBI metia um olho nessa Hillary porque dizer um impropério desse calibre com a maior cara de séria só mesmo pra quem tá com o rabo preso e querendo o mesmo tratamento pros ladrões de lá que a Dilma dá pros ladrões de cá.

Onde estou?

Você está navegando em publicações marcadas com Hillary Clinton em VESPEIRO.

%d blogueiros gostam disto: