A charada da educação

16 de julho de 2014 § 2 Comentários

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A grande charada desta geração é a seguinte:

A única saída para o problema brasileiro é a educação; mas enquanto a educação no Brasil continuar sendo o que o PT fez dela, quanto mais gente pusermos nas escolas maior ficará o problema“.

A própria Dilma, que jamais vai admití-lo nem sob tortura, é a primeira a saber disso. Tanto que sua única e maior iniciativa no campo educacional foi criar o maior programa de bolsas para brasileiros estudarem fora do Brasil que já houve na história deste país.

Dona Dilma, como filha de professores que é, alem de petista e revolucionária, sabe melhor que ninguém que aparelhar gramscianamente o sistema educacional de um país e perverte-lo numa máquina de conversão de verdades em mentiras, “sins” em “nãos” e vice-versa até o ponto em que esse circuito subversivo se implante tão solidamente na mente das vítimas que passe a se reproduzir sozinho, é o caminho mais barato e seguro para solapar o poder constituído e tomá-lo quando cair de podre no chão.

É o que previa o italiano Antonio Gramsci, idealizador dessa técnica de conquista da “hegemonia cultural” em uma sociedade que nunca chegou a se implantar tão profunda e amplamente quanto no Brasil, onde o PT, pouco menos de 70 anos depois de sua morte, provou que ele tinha toda a razão.

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Não é preciso demonstração mais conclusiva da amplitude dessa contaminação, aliás, que o fenômeno a que nós estamos acostumados mas que assombra todo mundo que, vindo de fora, chega a falar português suficiente para entender o que se discute por aqui em matéria de política, especialmente nas nossas universidades: o discurso politico brasileiro está tão solidamente ancorado no jargão e nos conceitos que, no resto do mundo, começaram a morrer nos anos 50 do ultimo século do milênio passado, que nos transformou numa espécie de parque jurássico de ideias extintas, só identificáveis, fora de Cuba e da Coréia do Norte, por um punhado de eruditos bolivarianos posto que não deixaram traço nas sociedades politicamente vivas do Terceiro Milênio.

O fato de todos os 30 partidos políticos brasileiros se dizerem orgulhosamente “socialistas” e serem votados por isso num mundo pautado pelo Vale do Silício apesar desses partidos estarem recheados de conhecidos meliantes com extensas fichas na polícia e notórios analfabetos funcionais que repetem mecanicamente o que dizem diante das câmeras dos programas eleitorais com olhares envezgados para os teleprompters sem ter rigorosamente nenhuma noção do real significado do que estão dizendo e ninguém sequer estranhar que assim seja é a prova material de que chegamos de fato, nesta nossa ilha cercada de língua portuguesa por todos os lados, àquele estágio de reprodução automatica de uma lógica invertida que passa despercebida como tal a quem a professa com que sonhou o conspirador italiano morto em 1937, ainda que em plena época da comunicação total e do Google.

O problema dessas técnicas de solapamento do poder constituído pela destruição do conhecimento é que é só isso que elas são: sistemas “neutros” de demolição que, uma vez postos em pé, ganham vida própria e seguem destruindo conhecimento depois que o novo poder que a ele recorreu se estabelece e seu problema passa a ser o do anterior, qual seja, como continuar desenvolvendo o país num ambiente onde as escolas dos competidores continuam produzindo e as nossas continuam destruindo conhecimento.

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Sendo a aquisição de conhecimento o instrumento por excelência de mobilidade social dentro das meritocracias, a primeira providência de quem quer aparelhar gramscianamente um sistema nacional de educação é esvaziá-lo de quem detenha conhecimento real ou queira pô-lo adiante da nova função estratégica da escola aparelhada que é destruir o conhecimento existente.

Assim, é das escolas e universidades que primeiro é banido o sistema de mérito na seleção de “quadros”, substituido pela fidelidade do candidato ao programa de aparelhamento ideológico. Os professores selecionados por esse critério passam, então, a não admitir que se meça o resultado do seu trabalho pela qualidade do conhecimento que detêm e são capazes de transmitir, do que decorre obrigatoriamente que não se permita mais medir também o desempenho dos alunos nesse campo.

Para instalar tão notória agressão ao espírito universitário, sinônimo de liberdade de pesquisa, justamente dentro dos templos erguidos para cultuá-lo, é necessário criar “erzats” de sovietes capazes de impo-la pela força. É o que por aqui se batiza de “autonomia universitária”, onde os destruidores de conhecimento elegem-se uns aos outros por um sistema de seleção negativa e os alunos passam de ano por “tempo de serviço” e ganham, também o poder de expulsar pelo voto de maioria qualquer sombra de qualidade que venha a ameaçar a hegemonia da negação do conhecimento no seu “território autônomo“.

E aí? Como é que se sai disso?

Não sei o que Dilma diz a esse respeito. Mas pelo que ela faz, ela acredita que não tem saída. Para o momento recorre às escolas do exterior porque das daqui sabe que não pode esperar nada.

Concordo com ela. O Brasil só se vai dar conta do que lhe ocorreu, quando um número maior de brasileiros que os que hoje não falam aprender a falar ingles suficiente para ver, pela janela da internet, a que distância isso nos pôs do mundo que ruge lá fora. Até lá será remar contra a corrente.

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Brasil e Oriente Médio: desgraças paralelas

10 de julho de 2014 § Deixe um comentário

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Nesta terça-feira, 8, dia do “Mineiratzen” pelo que pouca gente deve te-lo lido, O Estado de S. Paulo publicou um artigo de Mathieu Atkins, que cobriu para o New York Times a luta entre as inumeras “facções do islamismo” que compõem os grupos armados do “Estado Islâmico no Iraque e no Levante” (o tal “Isil) e os que lutaram contra ele na cidade de Alepo que foi tomada por esses partidários da ressurreição de um “califado islâmico” modelo Século 7 e, em seguida, retomada por outros grupos armados não necessariamente ligados ao governo desafiado pelos primeiros.

A matéria — “A promessa dos radicais de Alepo” neste link — é uma confusão não porque seja defeituosa do ponto de vista jornalístico mas porque descreve, com a fidelidade possível, uma realidade que é uma tremenda confusão na qual, da Al Qaeda para cima – ela também dividida em diferentes “facções” e “correntes” – o confronto inclui de tudo e mais alguma coisa daquilo que, do Século 7 em diante, quer ser chamado de “variação do islamismo“.

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Tentar entender as nuances que separam esses grupos e essas supostas “variações” usando o racional e os padrões de definição política, ideológica ou religiosa das democracias do Ocidente só pode conduzir – seja o jornalista, seja o funcionário do Departamento de Estado, seja o presidente dos Estados Unidos – de erro em erro, a catástrofes que acabam sempre do mesmo jeito: à derrubada de cada tirania estabilizada sucede uma tirania instável que passa a matar muito mais que a anterior para se estabilizar, pois que é, sempre, de medição de forças entre “chefões” e não de qualquer outra coisa mais substancial ou sutil que se trata.

A cada banho de sangue que se procura deter em nome de critérios humanitários, portanto, segue-se em geral um banho de sangue ainda pior. E a dificuldade está em que “to disengage” e deixar isso correr, como Obama anunciou que faria, joga tanta lenha nessa fogueira de vaidades e ambições que, dado o poder das armas de hoje, põe a continuação da humanidade em risco.

Se correr o bicho pega, se parar o bicho come…

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Para um brasileiro acostumado a viver no meio de uma guerra que mata mais que qualquer uma das declaradas do Oriente Médio sem sequer se dar conta de que assim é porque aqui a mortandade não está assumidamente relacionada à luta política (embora esteja de fato), não é difícil entender porque as sucessões são como são no Oriente Médio.

Desde que a “hegemonia cultural” socialista morena se instalou nas nossas escolas, igrejas e meios de comunicação no nível requerido para que passasse a se reproduzir sozinha “educando” as classes dominadas a tomar como natural e conveniente a sua submissão à classe no poder, a nossa disputa política passou a ser semelhante às das “variantes do islamismo” em que se fragmenta o Oriente Médio: só ha diferenças de grau de radicalismo em torno da mesma única “verdade” geral admitida, nas madraças lá, nas escolas aqui, “verdade” esta cujo principal objetivo é tornar impossível àquele país e àquela população dominada fugir para a modernidade.

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As verdades capazes de conduzir a ela são proibidas sob pena de apedrejamento físico, lá, e de apedrejamento moral, aqui, e de forma tão implacável e eficiente que, depois de algum tempo acabam sendo esquecidas e nem chegam mais a existir no horizonte das possibilidades.

A representação política de toda a rica diversidade humana e mais a da variedade das ambições em disputa — que continuam insistindo em ser ricamente diversa, uma, e variada, a outra, seja como for que se as cerque — fica, portanto, obrigada a se acomodar nesse estreitíssimo espaço que sobra.

Assim torna-se tão difícil diferenciar uma “corrente” do islamismo da outra entre as que estão, por exemplo, em luta pelos pedaços do Iraque neste momento, quanto é estabelecer as diferenças existentes entre os 30 e tantos partidos políticos que disputam os pedaços do Brasil agarrados a alguma “corrente” ou variação do “socialismo“.

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Quem, tentando compreender tudo isso de fora, for suficientemente realista para sair de dentro do seu próprio sapato e calçar o de quem está dentro dessas realidades falsificadas haverá, entretanto, de concordar com o que diz na matéria referida um chefe de um dos bandos em luta, um certo Abu Bilal da “Brigada Tawhid”.

Os comandantes dos supostos grupos seculares do Exército Sírio Livre vinculados ao governo sírio no exílio que os governos ocidentais vêm apoiando“, diz ele, “são como as ONGs: sabem como dizer o que o doador quer ouvir. Mas na realidade são só contrabandistas de diesel que controlam uma parte da fronteira. Não empreendem nenhum combate sério”.

Quem assiste os nossos “Programas Eleitorais Gratuitos” sabe exatamente o que ele está querendo dizer.

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La como cá, uma vez no poder, esses grupelhos que não representam mais que as ambições pessoais do seu chefe tanto quanto qualquer “cappo” dono de quarteirão disputando um pedaço de uma cidade dos velhos filmes da Máfia, mostram-se todos iguais: os sobreviventes compõem-se entre si e instalam uma mistura de roubalheira com violência institucional na dose que for necessária para não perder o pivilégio de ser ele a comandar o saque da população do território conquistado de que, no fim das contas, todos eles participarão em algum grau para permitir uns aos outros que o saque prossiga, de forma organizada, pelo maior tempo possível.

Não faz diferença nenhuma as alegadas nuanças da fase de disputa pelo poder, assim como não faz grande diferença que uns segurem o território conquistado com kalashnikovs e os outros com dinheiro. O certo é que tudo isso não tem nada a ver, nem com islamismo, nem com socialismo, que é coisa que nunca existiu no universo da realidade, nem, muito menos, com democracia, além de ser sempre muito difícil chegar a uma conclusão sobre qual dessas duas formas de se sustentar no poder mata mais.

Lá como cá, estancar a sangueira e fugir para a modernidade depende estritamente de se encontrar os meios de colocar as “religiões” e os dogmas nos seus devidos lugares e tratar de por as relações entre os homens e as deles com o Estado dentro dos limites estritos das leis e das instituições as mais impessoais, objetivas e invioláveis possíveis, de modo a permitir que, respeitados esses limites, cada um estabeleça a sua relação com deus e busque a própria felicidade da maneira que melhor lhe der na telha.

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