Tudo começa por acabar com a mentira

15 de agosto de 2017 § 51 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 15/8/2017

“Eleitor”, ao lado de “Brasil”, é a palavra que menos se ouve no reality show teratológico de Brasília com suas câmeras abertas e seus gravadores ocultos porque o eleitorado brasileiro está preso num cercadinho. Não precisa ser capturado.

Voto distrital puro mata de uma só vez e para sempre a proliferação de falsos partidos, barateia a eleição a ponto de dispensar JBS’s, não requer o uso de mídias de alcance nacional e amarra cada representante eleito ao seu representado. Eleições primárias diretas e “recall” fazem dos eleitores os únicos “caciques” que precisam ser temidos. Iniciativa e referendo garantem que o jogo será jogado de ponta a ponta a favor da plateia.

Mas como partimos sempre da premissa de que o povo é o problema e o estado é que é a solução, o avesso da democracia, colocamo-nos mais longe dela a cada vez que, em geral sob altas doses de indignação, o mais potente anestésico da racionalidade, engolimos mais uma das “jabuticabas” que nos atiram com a promessa de que, esta sim, vai impedir a manifestação dos efeitos obrigatórios das velhas distorções que nos recusamos a eliminar.

Para “anular o poder econômico” perdoamos os joesleys e entregamos ao estado, que não é senão os próprios indivíduos que se pretende controlar, a prerrogativa de nos dizer quanto querem gastar do nosso dinheiro e com quem para embalar suas mentiras na TV, e deixamos que mandato ganho com elas torne-se propriedade particular do mentiroso. Trocamos a decisão soberana de contribuir ou não com partidos se e quando quisermos pelo “fundo partidário” mais as “cláusulas de barreira” enquanto sonhamos com parlamentarismo ou com sofisticações germânicas. Aceitamos que os políticos decidam candidaturas só entre eles enquanto fechamos o financiamento privado, e ficamos com a “escolha” entre a cruz do “distritão” e a caldeirinha do voto em lista. Trocamos o “oligopólio da mídia” (em plena era da internet!) pela censura que, nortecoreanamente, dita que só os candidatos “deles” podem falar de si mesmos sendo o povo obrigado a ouvi-los sem contraditório.

Recusamo-nos, enfim, ao uso do mais essencial dos desinfetantes da farmacopeia democrática – “Poder para o Povo” – e por isso vivemos no limiar da septicemia política e institucional. Mas não desistimos nunca de pedir “soluções” a quem deveríamos estar impondo as nossas próprias.

É isso que garante que não haverá nada de novo em que votar em 2018, uma eleição que, para o bem ou para o mal, será a última de uma era pois, neste mundo vaso-comunicante não ha mais como fechar fronteiras nacionais e resolver tudo com emissão de moeda falsa e inflação e isso mata o modelo populista. Nem para o funcionalismo de verdade sobra mais. O estado não cabe mais na nação e ou ela se impõe a ele instituindo a igualdade de direitos e deveres e podando radicalmente a gordura mórbida ou ele se imporá a ela pela violência. Não fazer nada ou tapear com meias-medidas é quanto basta para que os serviços essenciais, já pra lá de periclitantes, entrem definitivamente em colapso e o caos transforme o Brasil num imenso Rio de Janeiro a caminho da Venezuela.

A clara consciência de que assim é, no mundinho fechado de Brasilia, é que explica a virulência da “campanha de 2018” que vimos assistindo ha mais de três anos. O país ficou pequeno demais para abrigar a “privilegiatura” e a democracia ao mesmo tempo. Um dos dois terá de morrer e eles são os primeiros a saber disso.

Sair dessa rota de desastre vai exigir romper o pacto da mentira que sustenta o modelo brasileiro. Tudo que se tem passado, dos atos às “narrativas” da guerra de imundices a que temos assistido, respeitadas as exceções que fazem a regra, está referido à disputa para ver quem se vai apropriar de quanto do que é nosso sem fazer força. E isso precisa passar a ser dito e repetido diariamente e com todas as letras.

O Brasil já sabe de tudo. Só falta quem se disponha a fazer-se seguir por ele. Mas não se vai tirar o povo da apatia com que expressa seu repúdio à continuação da tapeação com eufemismos. É preciso apontar onde e com quem está o que falta na conta. A roubalheira por fora da lei aqui é a maior do mundo mas é um nada. Os ésleys e odebrechts não merecem qualquer migalha de perdão mas o que pesam é troco. O que arrebenta este país é a roubalheira por dentro da lei. A roubalheira automatizada pela lei.

O fundo partidário foi triplicado de 2014 para 2015. Está em R$ 819 milhões. Agora querem R$ 3,6 bi. Seriam 12 vezes o valor de 2014! Merreca se considerado que o que se compra com ele é o poder de ditar, pelos próximos quatro anos, quem fica com quanto do que mais se arrancar de nós, e que cada um desses novos “direitos adquiridos” é um caminho sem volta.

Não dá mais!

Os jatos, os carros, as casas, os empregados, os seguros-saude, as assessorias, os salários turbinados, os “auxílios” de arrombar teto, os “reajustes” leoninos sem inflação, as aposentadorias integrais na flor da idade, tudo isso tem não só de acabar mas de regredir ao limite do sustentável. Um único marajá-mirim, de apenas R$ 50 mil, aposentado por 40 anos ou 480 meses custa R$ 24 milhões a valor presente. Quantos empresários de sucesso conseguem fazer isso sustentando empregos uma vida inteira? Uma aposentadoria média do INSS, de R$ 1600, levaria 15 mil meses (1250 anos) para acumular esse valor.

Nunca tão poucos deveram tanto a tantos. Não ha que reinventar a roda. Só existe uma cura para isso. O povo elegendo e, principalmente, deselegendo, escolhendo suas leis, contratando e demitindo, definindo quem ganha quanto e até quando, livre para mudar e mudar de novo quantas vezes for preciso e na hora que for preciso até acertar. Não ha Exército que conserte o que está aí, sobretudo se mantida nossa justiça a mais cara e a mais leniente com o crime do mundo. Este país só se salva enriquecendo. E só começará a deixar de empobrecer se e quando trocar o privilégio pelo mérito também “lá dentro”, exatamente como já é aqui fora.

A agonia do Brasil

19 de agosto de 2016 § 20 Comentários

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Artigo para O Estado de S. Paulo de 19/8/2016

Sim, a festa está linda mas não é do Brasil, é só no Brasil. Quando acabar estaremos de volta àquele Rio de Janeiro de sempre com R$ 3 bi a menos de segurança pública por quinzena onde errar o caminho é morte certa.

Aquela abertura foi, sim, uma síntese, mas do nosso velho drama roteirizado. A mais moderna tecnologia emprestando cintilância à mais retrógrada e opaca das mensagens assinada, proverbialmente, pelos noveleiros da Globo ultra especializados nesse tipo de embalagem. Um gostinho para o mundo da anti-utopia que, desde os idos de 1936 é entoada diariamente como um mantra sagrado em todas as escolas e “meios de difusão de cultura da burguesia”: a quase centenária “recriação” stalinista das supostas “raízes” de um Brasil sem empreendedores, só com usurpadores de um lado e escravos do outro, que repudia a superação, sonha apenas com a “hegemonia” da favela.

Esse “Brasil” dos “intérpretes”, complacente com a derrota como provaram que não são cada um dos atletas verde-e-amarelos nas Olimpíadas disputadas na Vila construída pelos empreendedores “que não há”, é o único representado em Brasília. O que suava nas quadras e pistas em busca de glória e remissão pelo esforço individual não tem quem fale por ele na capital mundial do horror ao mérito que as Olimpíadas honram porque meritocracia pressupõe a morte do “Sistema” que vive da distribuição e venda de privilégios.

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No Brasil Real onde a casta dos funcionários públicos vence sempre sem ter de competir e é contra a lei evitar o suicídio orçamentário haja o que houver, ha sangue na água e os predadores se assanham. Com a inflação comendo por baixo 9% do valor do trabalho ao fim de 8 trimestres consecutivos de queda da produção e mais de 100 mil brasileiros da 2a Classe se juntando à legião dos desempregados a cada 30 dias, os bancos comem soltos. O volume de crédito concedido caiu 4,4% mas a “receita com clientes” subiu 4,2%. A cada “renegociação” das dívidas de empreendedores a quem a única garantia dada pelo “governo de salvação nacional” é a de que nada na equação entre contribuintes e “contribuídos” vai mudar senão para pior, aumenta forte o “spread” entre juros pagos e juros cobrados. Os quatro maiores bancos “lucraram” R$ 31,7 bilhões no segundo trimestre, volume de drenagem que se vem somar aos R$ 67 bi recem chupados pela União para garantir que os seus funcionários permaneçam fora da crise que criaram e aos outros R$ 50 bi que vão custar a renegociação sem contrapartidas das dívidas dos estados. Na fila os governos municipais, só 42 dos quais, em quase 6 mil, têm folhas de pagamento menores que a própria arrecadação apesar do frenesi de multas com que caçam o povo pelas ruas e estradas de todo o país. Jogue-se por cima disso a tempestade de “ações trabalhistas” que o desemprego em massa precipita, montando, este ano, a algo em torno de R$ 70-80 bi e tem-se um retrato parcial do estupro coletivo que o país que trabalha vem sofrendo.

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Bolsa subindo, dólar caindo? No mundo da “arbitragem de instituições” é assim: “Tá caro produzir aqui? A lei não garante? Empregar é expor-se à chantagem? Bora produzir em outro lugar”! E na contra-mão: “Tá fácil ganhar dinheiro no mole? É o juro mais alto do mundo? Vamos lá, enquanto durar!” Não tem nada a ver com a economia real. O Brasil que produz e cria empregos está sendo morto a chutes.

Nunca tantos foram tão estraçalhados por tão poucos. Como foi que isto se tornou possível?

O Sistema” produz exatamente o resultado para o qual foi desenhado. Partindo da falsificação constitucionalmente imposta da base de toda a estrutura de representação da sociedade civil a partir dos sindicatos que dispensam simpatizantes porque são sustentados por impostos, o esquema criado por Getulio Vargas foi clonado, a partir de 1988, pelos partidos políticos. E isto fez da nossa tão propalada “democracia” uma farsa em que os “representantes” se podem dar impunemente o luxo de dispensar o endosso dos “representados” aos seus atos. Fechado em si mesmo, “O Sistema” tem la os seus mecanismos de processamento de lutas intestinas mas o respeito à hierarquia interna, uma vez estabelecida, é sagrado sob pena de “morte”, por condenação aberta quando possível, por chantagem e “assassinato de personagem” quando necessário. Desse momento em diante garantir “o seu” e o “dos seus” às custas dos “de fora”, tão certo quanto que o sol nascerá amanhã, é o que os unirá a todos, para além do falatório, nos momentos de decisão. O conjunto é absolutamente blindado contra qualquer interferência externa, sobretudo dos eleitores, tanto antes, no processo de seleção dos candidatos aos futuros “hubs” de distribuição de acesso a privilégios que são os cargos eletivos, prerrogativa exclusiva dos grandes caciques segundo critérios inconfessáveis porém explícitos, quanto depois do momento fugaz da eleição.

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Esperar que o próprio “Sistema” atue contra si mesmo é, portanto, uma ilusão de noiva. Enquanto a imprensa ou pelo menos uma parte dela resistiu denunciando os avanços da casta que parasita a Nação e amplificando a voz dos que pagam a conta sobreviveram, ainda que aos trancos e barrancos, elementos de democracia nas instituições brasileiras. Depois que a ética corporativa substituiu a ética jornalística e a função institucional da imprensa, ultimo bastião dos desvalidos, cedeu lugar a uma conta de chegar na ordem das prioridades das empresas de comunicação, o caminho ficou livre.

Se a imprensa continuar a reboque da guerra de “acessos” aos dossiês com que as partes em disputa pelo controle do “Sistema” se alvejam umas às outras e seguir tratando a corrupção como causa e não como efeito da sujeição do país à ditadura de uma casta com direitos e deveres totalmente diferenciados dos do resto do povo, que ela, imprensa, esta dispensada de expor como o que de fato é, as atenções e as energias da Nação abusada seguirão dispersas e erráticas como estão hoje e não haverá meio de por um fim à opressão.

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