As ditaduras “laranjizadas” e a matemática da democracia

11 de maio de 2012 § Deixe um comentário

Artigo de Thomas Friedman para o New York Times traduzido pelo Diário do Comércio na terça-feira passada sugeriu-me pensamentos interessantes.

Dizia ele:

Viajando pelo mundo árabe pós ‘Primavera’ tenho ficado impressionado como poucos líderes surgiram daquela erupção vulcânica política (…)

(…) meu próprio país – para não mencionar a Europa – tem um problema parecido. Há um vácuo de liderança global.

(…)

Cada um desses países que estão despertando precisa fazer a transição de Sadam para Jefferson, sem ficar preso em Khomeini.

(…)

Uma ditadura não é coisa que se deseje mas pelo menos as ditaduras do Leste da Ásia, como as da Coréia do Sul e de Taiwan, usaram a sua autoridade de cima para baixo para erguer economias dinâmicas direcionadas à exportação e para educar todo o seu povo – homens e mulheres.

No processo, eles criaram uma gigantesca classe média cujos novos líderes fizeram o parto da transição do regime autoritário para a democracia.

As ditaduras árabes não fizeram isso. Elas usaram sua autoridade para enriquecer uma pequena classe e para distrair as massas com ‘objetos brilhantes’ – chamados Israel, Irã e nasserismo para citar apenas alguns“.

Bateu na veia!

As ditaduras latino-americanas fizeram a mesmíssima coisa. E as brasileiras não foram muito diferentes, variando os “objetos brilhantes” de uso local para o “império”, os “ianques” e a “zelite”, papo furado que sempre cola em quem está com a barriga vazia independentemente do fato de que cada ditadura foi quem fabricou a “zelite” seguinte pelos métodos que, pela enésima vez, a CPMI do Cachoeira investiga neste momento.

Por aqui ainda se acredita que democracia é poder votar nos titulares do Poder Executivo, ainda que seja só nos caras que aceitam as condições que os ditadores ditam para admiti-los nos seus partidos/máfias,  único canal por meio do qual um cidadão está autorizado a pedir votos ao povo.

Mas a “votação” que realmente interessa é a que é negociada a portas fechadas e da qual participa sempre o mesmo grupinho que escolhe quem pode e quem não pode oferecer-se ao voto do povo que, assim, fica limitado a escolher entre os previamente escolhidos.

Os “laranjas” se sucedem mas os verdadeiros ditadores, que são os donos dos partidos, não mudam nunca.

Nós temos vivido, portanto, sob ditaduras “laranjizadas”.

E com quase 60 anos de “janela”, posso testemunhar que a principal diferença entre elas é que na dos milicos só se admitia dois partidos/máfias e se tornava inelegível quem era pego roubando e quem desafiava o regime e, nas seguintes, o numero de partidos/máfias a agitar “objetos brilhantes” para disputar o seu voto é livre, permanecendo inelegíveis apenas os cidadãos que se recusam a aderir às máfias e insistem em permanecer honestos.

Mesmo assim, em todas essas ditaduras, especialmente na dos milicos e nesta última agora, sempre que o mundo empurrou a favor a classe média se expandiu.

Ficou faltando a revolução na educação mesmo não havendo por aqui os obstáculos religiosos que os árabes enfrentam para sonhar com a possibilidade de uma educação moderna. Aqui recusa-se educação ao povo por soberana deliberação laica mesmo.

Mas, que não haja engano!

A educação não ensina democracia. Isso não se aprende na escola. Educação ensina coisa muito mais sólida: ensina a ganhar a vida sem precisar de esmola.

O resto é consequência.

O império da lei, que é ao que se resume em última instância a democracia, só interessa a quem tem algo a perder. Falo do aspecto material mesmo.

A democracia moderna materializou-se nos Estados Unidos porque aquele foi o único país do mundo onde, desde a fundação, todo mundo era proprietário. Enquanto o Brasil era fatiado em 13 capitanias hereditárias distribuídas entre os amigos do rei, cada indivíduo que emigrava para lá, desde os 1600 e nada, recebia, pelo sistema de headcount de incentivo à imigração, 50 acres de terra.

Hoje, 28 “barões do BNDES”, pesando 2,8 trilhões de reais ou 2/3 do PIB, sentam-se ao redor da sucessora hereditária do nosso “rei” naquele “Conselho Nacional de Gestão”. Velhos hábitos são duros de matar…

Acontece que a lei surge, natural e historicamente, pela necessidade de se proteger a propriedade. Para tirar as sociedades humanas daquela vida infernal que o brasileiro conhece bem onde ninguém pode dormir em paz porque vale tudo para tomar do outro o que ele conseguiu para si fazendo força, da comida caçada em diante.

Logo, em sociedades miseráveis, onde os poucos que têm algo de seu em geral não o conquistaram por esforço próprio e a multidão não tem nada, não ha santo que faça colar a idéia de se viver sob o império da lei. Violar as leis é que passa a ser o “ato cidadão”, simplesmente porque não é justo proteger esse tipo de propriedade.

Mas se, como nas ditaduras asiáticas mencionadas, conseguir-se que todos passem a ter alguma coisa e, por cima disso, aparelha-los com a educação com que conseguir ir tendo cada vez mais pelo seu próprio esforço, aí sim, cria-se aquela “gigantesca classe média” de que fala Friedman, com verdadeiras características e interesses de classe.

Quando se atinge o ponto de haver mais gente que tem alguma coisa conquistada por seus próprios meios e aparelhada para conquistar mais sem precisar de esmolas, do que gente que não tem nada, o resto acontece sozinho.

Horário eleitoral é o “x” do problema

6 de janeiro de 2012 § 4 Comentários

Na coluna de hoje para o Estadão, O Silêncio dos Coniventes (aqui), Dora Kramer, registra que nenhum governador, da situação ou da oposição, reclamou do ministro Fernando Bezerra, da Integração Nacional, por ter destinado 90% da verba de prevenção de enchentes para Pernambuco, Estado cujo governo ele se prepara para disputar, “ainda que fosse apenas para denotar interesse na defesa dos direitos dos seus governados“.

O tucanato em geral e o senador Aécio Neves em particular pegou leve, com críticas protocolares” ao ministro Fernando Pimentel e suas consultorias milionárias porque “ele foi e ainda é um potencial aliado do PSDB em Minas Gerais“, comportamento que se repete agora em relação ao ministro Bezerra porque ele “é a aposta eleitoral do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, sonho de consumo do PSDB“.

Posto assim o cenário“, conclui, “o PSDB não tem moral para dizer que o PT atua com foco exclusivo na disputa eleitoral (…) Aposta na articulação de bastidor em detrimento da relação com a sociedade“.

Ela tem razão.

Mas isso é o de menos. O que há de realmente importante nessa situação é que, dada a atual regra do jogo, não podia ser diferente.

A questão que interessa é:

Por que o PSDB e todos os partidos que o precederam, inclusive o PT que com toda a sua militância e profissionalismo só conseguiu chegar ao poder depois que entendeu isso, “apostam na articulação de bastidor em detrimento da relação com a sociedade“?

Porque, sobretudo neste país de 85% de analfabetos funcionais (mas não somente nele), o que decide a eleição é a televisão.

Os primeiros a entender isso com toda a clareza que só os cínicos costumam ter foram – ora vejam! – o eterno senador e ex-presidente José Sarney e o seu Ministro das Comunicações da época, Antônio Carlos Magalhães.

Ao lotear nacionalmente as redes de televisão, no alvorecer da Nova Republica, entre os velhos coronéis que, de Getúlio Vargas até o general João Figueiredo, nunca tinham deixado de mandar no Brasil, os dois antigos esbirros do regime militar guindados ao poder pela má sorte que levou deste mundo às vésperas da posse o presidente que o país preferiria ter tido garantiram que assim continuasse sendo até hoje, realidade à qual, diga-se de passagem, amoldaram-se docilmente todos os democratas de fachada que hoje os abraçam e homiziam e que, na época, só tinham contra a ditadura o fato de não serem eles a encarná-la.

Isto selou o destino político do Brasil.

De que tratam essas “articulações de bastidor” senão de decidir qual grupo terá mais tempo no horário gratuito das televisões, essa operação de lavagem cerebral que, sai ministro entra ministro faxinado, martela incessantemente em cada um dos intervalos do Jornal Nacional – e antes e depois dele durante toda a parcela de cada dia e de cada noite em que a massa dos eleitores brasileiros está de olhos e ouvidos abertos – que o ladrão do dia, exposto em seus “malfeitos” em uma única matéria de dois ou três minutos a cada edição, é na verdade um santo?

Que a organização profissional para a qual ele rouba é, na verdade, uma agremiação de heróis altruístas que, “historicamente”, têm lutado pelos interesses dos desvalidos contra as forças ocultas que querem explorá-los e privá-los dos seus direitos especiais, adquiridos com a ajuda de tais santos?

Quanto tempo levará até que a massa que não lê e mal ouve comece a enxergar a relação de causa e efeito entre a matéria do hospital pocilga e a matéria do ladrão do dia se os manuais de jornalismo afirmam que “objetividade” é deixar exclusivamente para a fonte (oficial, ou seja, o próprio ladrão) o direito de afirmá-lo, enquanto os manuais de política ensinam os candidatos a pouco se importarem com a realidade que tem dois minutos de matéria por dia já que a versão do seu partido para ela terá mais de 30?

A doença política brasileira não acaba antes que seja extinto o foco da infecção que é a férrea censura que os políticos exercem sobre os meios eletrônicos de comunicação, eufemisticamente chamada de “horário eleitoral gratuito“.

Devia estar na Constituição (já que ela aceita tudo, que venha uma a favor da Nação!) a regra estipulando que nenhum político ou candidato tem direito de se dirigir ao público sem contraditório.

E no entanto, como já registrei tantas vezes aqui, nem mesmo as entidades de defesa da liberdade de imprensa brasileiras mencionam essa forma de censura.

Por trás dessa cortina de silêncio está outro fato simples. Poucos órgãos da imprensa escrita, a única que desfruta de liberdade completa no país, pertencem a grupos que não têm na televisão a sua principal base de sustentação econômica. Cada jornalista, por sua vez, sabe que, mais dia menos dia, terá de bater à porta de um deles para pedir emprego.

Acontece que os donos das televisões são os coronéis eletrônicos criados pela dupla Sarney/ACM que, não por acaso, estão hoje refestelados no Senado da Republica e no Congresso Nacional – com ficha já suja ou ainda limpa, pouco importa – ditando as regras para as eleições e para o uso e a propriedade dos rádios e televisões.

É assim que o círculo se fecha.

Enquanto a regra for essa, quem quiser até pode tentar estabelecer “uma relação com a sociedade” à margem do rolo compressor do horário eleitoral gratuito. Mas estará cantando a canção do infinito numa capoeira. Não chegará jamais a disputar seriamente o poder, jogo que ganha-se ou perde-se antes das eleições comprando e vendendo tempo na TV a troco de pedaços do país e nacos do futuro dos seus cidadãos.

O resto é água mole em pedra dura. Ou o cara sai da política, ou vende a alma ao diabo porque a regra estabelecida é que só se chega ao fim desse jogo transformando-se num agente dele.

É por isso que, para o jornalismo sério, que só faz sentido como instrumento de reformas, este deve ser o alvo. O resto é barulho inconsequente.

Onde estou?

Você está navegando em publicações marcadas com ditadura militar em VESPEIRO.