Comparando masoquismos

5 de janeiro de 2012 § 1 comentário

Acho o masoquismo dos argentinos muito mais intrigante que o dos norte-coreanos.

Afinal, na Coreia do Norte ha três gerações já que a intensidade do choro que o cidadão exibe diante do desaparecimento de algum dos membros da dinastia Kim pode significar a diferença entre vir a ser um candidato a ministrar ou se tornar um candidato ser paciente de tiros na nuca enquanto na Argentina o mesmo tipo de demonstração é inteiramente espontâneo.

O puxa-saco brasileiro leva vantagem sobre ambos: não precisa prender-se a qualquer tipo de formalismo. O máximo a que pode almejar o peronista exemplar é o emprego sem trabalho, coisa que o brasileiro também consegue sem precisar, necessariamente, filiar-se a este ou àquele partido. Basta aderir a quem quer que esteja no poder. Tudo que ele conseguir agarrar a partir daí o Judiciário garante que será seu e dos seus, mesmo que haja revoluções que mudem não só os ocupantes temporários do poder mas até a natureza do regime.

É muito mais democrático e republicano.

Mas não é apenas isso que aproxima norte-coreanos de argentinos e nos distancia de ambos.

Eles valorizam muito a questão da hereditariedade. Os coreanos são literais quanto a esse ponto. Assim como os caribenhos, exigem laços de sangue no momento da sucessão enquanto os argentinos se permitam alguma flexibilidade.

Respeitados os limites da ideologia – todos têm de ser peronistas acima de tudo – nossos românticos vizinhos do Sul colocam o amor acima de todas as outras coisas.

Dessa dificuldade adicional  resulta que os Kim apenas iniciam a terceira rodada e os Castro a segunda, enquanto os argentinos já vão na quinta, considerados os dois presidentes da dinastia peronista e suas três esposas e amásias.

No Brasil, ha uma única exigência: o mais testado e comprovado desprezo pela ética. Tudo o mais, arruma-se. Fica, desse modo, plenamente assegurada a mobilidade social: qualquer um, independentemente de raça, gênero ou posses, pode acanalhar-se o suficiente para ser aceito nos círculos do poder desde que se empenhe.

A mumificação de presidentes mortos é outro traço comum a coreanos e argentinos além de comunistas em geral e egípcios do passado remoto. A particularidade que distingue nossos vizinhos é que egípcios, comunistas e coreanos respeitam a integridade física das suas múmias enquanto os argentinos são dados a arroubos com as deles que chegam, por vezes, aos extremos da perversão sexual e da mutilação.

Já no Brasil, morreu, morreu. Fica só a herança maldita.

Agora, em matéria de títulos honoríficos, nós que nos consideramos tão criativos perdemos longe. É da nossa natureza preferir o drible à marcação homem a homem. Continuamos até hoje com os herdados de Portugal – “excelência“, “meritíssimo“, “ilustríssimo senhor“… – que têm a vantagem de ser intercambiáveis, enquanto os coreanos vão de exclusivíssimos “Estrela Brilhante“, “Ilustre Comandante Nascido no Céu“, “Eterno Presidente“, “Pai“, “Grande Sucessor” e outras variações igualmente hiperbólicas que a perspectiva do tiro na nuca justifica plenamente.

Os argentinos estão divididos quanto a esse particular o que, bem em consonância com a crise mundial da identidade de gênero, pode ser um prenúncio do fim do arquétipo do amante latino. Dos diminutivos de outrora, que traduziam tão fielmente o seu inimitável mix de política com alcova, ensaiam agora um tom mais épico e imperialista, com este “Sol de America del Sur” que começam a aplicar à Cristinita.

É bom a gente ficar de olho porque cautela e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém.

Esta democracia é pequena demais para nós tres

16 de setembro de 2011 § 2 Comentários

Viva o povo brasileiro, viva o PMDB, viva o Brasil”?!!

Alto lá, dona Dilma!

Esta democracia é pequena demais para nós três! Somos mutuamente excludentes: ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil!

Fica aí, registrada, a minha primeira reação ao discurso da presidente no fórum organizado pelo maior partido da “base aliada” para traçar estratégias para as eleições municipais de 2012 (argh!) que, no dia seguinte à demissão daquele velhinho bandalho do motel do Ministério do Turismo, tisnou para sempre a biografia de Dilma Vana Rousseff com a mancha de uma ovação recebida ao vivo daquela “corte de homens de cabelos pintados ou transplantados em que consiste a fina flor do PMDB”, segundo a descrição precisa de Roberto Pompeu de Toledo.

Mas, controladas as erupções cutâneas e aplacado o estomago que, à minha revelia, sempre reagem com violência indômita a qualquer “ato político” dessa organização, fui voltando lentamente à ambiguidade dos meus sentimentos em relação à Dilma.

O quarto representante da herança maldita em menos de nove meses atirado de volta para o aterro sanitário do Congresso Nacional, que ainda é o máximo que se consegue fazer contra os ratos e as baratas que infestam a política brasileira está aí para provar a autenticidade dos sentimentos da presidente com relação ao “vício brasileiro”.

A sua recusa em aceitar fichas-sujas para substituí-lo – e tentaram impingir-lhe um acusado de assassinato (!!) e, em seguida, mais um porcalhão do Dnit – também corrobora essa impressão.

Mas no fim das contas trocamos um Sarney por outro Sarney, ficando como saldo positivo os sinais de que está se esgotando o estoque de ladrões do Sarney.

O estomago e a epiderme ameaçaram se rebelar de novo mas eu encurtei-lhes as rédeas.

O mundo está derretendo, a inflação está mostrando os dentes, o crescimento já meteu o pé no breque…

Vai ser preciso agir, e agir com rapidez e agilidade para enfrentar o que vem vindo aí. E quanto mais o país precisar de decisões, mais aumentará o poder de chantagem do aterro sanitário.

Melhor pensar duas vezes…

Viva o povo brasileiro, viva o PMDB, viva o Brasil”.

Nessa ordem.

É o que temos. E, além do mais, pensei, na outra ponta está a turma que grita “Dirceu, guerreiro, do povo brasileiro!” e que, como a Dilma também lembrou na mesma reunião do PMDB, “prefere um partido único, modelo rejeitado em nosso país”.

E da irritação fez-se a comiseração.

Não ha que se exigir de Dilma mais do que Dilma pode dar. Para adiante do que já fomos, só mesmo com o engajamento da sociedade. Este que se ensaiou timidamente no 7 de Setembro elevado à enésima potência.

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