Democracia é um sistema anti-ladrão
11 de maio de 2022 § 10 Comentários

Roubar o próximo sempre que possível, desde que isso não lhe custe a vida, é uma força da natureza da qual não escapa animal algum, o homem inclusive e principalmente. Todo mundo que já assistiu um único desses filmes de vida selvagem que ocupam boa parte da programação das TVs 24/7 sabe disso.
A democracia é a primeira forma de organização das sociedades humanas a compreender que este componente básico do instinto de sobrevivência é um impulso que não pode ser extinto à força, como tentaram fazer todas as revoluções fracassadas dos últimos 500 anos, pode apenas ser redirecionado.
A base da democracia.3, nascida nos Estados Unidos em 1787 para corrigir os erros das tentativas anteriores grega e romana, é a garantia do direito de propriedade, inclusive e principalmente a do proletário, aquele que não tem de seu senão sua força de trabalho, sobre tudo que conseguir conquistar com ela para deixar de ser proletário.

Tudo começou com o headright system que, pela primeira e única vez na história da humanidade reverteu o processo de concentração da propriedade de TODOS os meios de produção, que até àquela época era basicamente a terra, nas mãos do rei dos ladrões de cada pedaço do mundo e nas dos barões por ele cooptados para ajudar a defender o que declarasse ser “seu”.
O povo inglês, isolado em sua ilha, foi o primeiro a entender sem poesia, apenas following the money, que foi para esta finalidade que se estruturou o Estado Monárquico e que, mais do que despachar almas para o outro, era no poder de condenar corpos à miséria neste mundo mesmo que estava a base mais concreta do poder dos reis. E em vez de decapitar o seu da hora para entregar-se a outro igual numa sucessão interminável de tragédias como insistiam e insistem ainda em fazer os europeus continentais e seus prolongamentos de ultramar, tratou de manter seus reis sempre pobres e dependentes de autorização do Parlamento eleito pelo povo para ter dinheiro extra para perseguir suas glórias vãs. E barganharam cada uma delas no presente pela garantia de um direitozinho adicional contra essa volúpia no futuro.
Foi assim que migraram, passo a passo, do poder concentrado num homem só para o poder diluído entre todos.

Sem dinheiro para colonizar a América que herdaram da tentativa fracassada de invasão pelos reis católicos Fernanda e Isabel de Espanha, os reis ingleses tiveram de recorrer a companhias colonizadoras privadas que, para atrair colonos, ofereciam 5 acres de terra a cada membro da família de cada aventureiro que se dispusesse a tentar a sorte no novo continente o que, pela primeira vez na história do mundo, criou uma sociedade de proprietários. Foi esta a condição que inadvertidamente propiciou o resto do “milagre” costurado pela elite do Iluminismo fugida da opressão multimilenar do feudalismo na Europa.
O sistema desenhado por eles é o único do mundo onde não existe a figura do confisco da propriedade privada pelo Estado e onde nem mesmo os impostos são tão impositivos assim, pois passou a ser obrigatório ter a anuência de quem vai pagá-los expressa no voto direto e secreto para cada alteração na criação ou na forma de cobrança deles depois da vitória na Guerra de Independência que começou sob o mote No taxation without representation.
Até aí o Brasil também foi em sonho, com Tiradentes. Daí pra frente é que degringolou…

A constituição americana diferencia engenhosamente “direitos negativos”, aqueles que o Estado, sob qualquer pretexto, está proibido de violar, de “direitos positivos”, aqueles que, para serem desfrutados por um indivíduo, requerem que o Estado obrigue outros indivíduos a contribuir. São “negativos” os direitos à vida, à propriedade privada amealhada com trabalho, à liberdade de crença e à expressão dessa crença, além de outros correlatos. E só estes estão inscritos na constituição federal. Os “direitos positivos” ficam reservados para as estaduais e municipais que são condicionadas à federal, e só podem ser instituídos se as pessoas que vão pagar por eles derem a sua anuência expressa em votações caso a caso.
Até mesmo os programas de distribuição da renda, quando se fizeram necessários por lá, excluíam a participação direta do Estado. Na legislação antitruste que vigorou plenamente apenas durante a maior parte do século 20, essa distribuição era feita forçando a concorrência entre mais empreendedores privados em cada pedaço do território nacional e não com o Estado tomando a propriedade de quem trabalhou para acumula-la a pretexto de “redistribuí-la” primeiro entre “os seus” e o restante “aos necessitados” em troca de votos como acontece hoje.

Pagando o pesado preço em corrupção e misérias por ter posto freios no poder político sem ter feito o mesmo com o poder econômico, a democracia americana, na virada do século 19 para o 20, inventou o único meio conhecido de domesticar o viés natural socialmente destrutivo da competição sem limites dos tempos da lei da selva e convertê-lo no sistema em que, obrigando-os a níveis mínimos de concorrência, deixou como única saída para os empreendedores disputar trabalhadores aumentando ininterruptamente os salários e competir pelos consumidores reduzindo ilimitadamente os preços, mediante o artifício simples de proibir a ocupação de mais de 30% de qualquer mercado por uma única empresa. Quem ultrapassasse o limite era obrigado a vender o excedente a outro empreendedor para concorrer consigo.
Só então a democracia se tornou plena e efetiva. E a humanidade progrediu mais enquanto ela o foi, que desde o início dos tempos até então.

A vitória “aliada” na Segunda Guerra Mundial proporcionou a instalação de cópias mais ou menos fiéis dos aspectos meramente formais da democracia pelo mundo afora. Mas a conversão à revelia dos seus establishments desses estados milenariamente baseados no poder de distribuir privilégios – antes o dos reis, hoje o dos ditadores ou o dos juízes – não domou nem jamais pretendeu domar aquela força da natureza que a democracia verdadeira tratou de redirecionar com a legislação antitruste.
Por isso é tão lógico e natural que os mais reacionários entre os banqueiros e os donos dos demais monopólios e oligopólios brasileiros constituídos à sombra do Estado alinhem-se ao PT quanto os oligarcas russos alinharem-se ao Putin ou os “capitalistas de estado” chineses a Xi Jinping, e todos eles se voltarem, juntos, contra Elon Musk e seu sonho de liberdade de expressão na “rede do tamanho do mundo”. As diferenças são só de grau.
Para reconstituir o velho sistema de sempre é preciso, primeiro, banir a participação do povo na constituição do poder de Estado, o antídoto por excelência contra a privilegiatura. Destruir o jornalismo democrático, cuja função é mostrar a quem ainda não conseguiu como foi que quem conseguiu chegou lá, é o primeiro passo.

Voltar ao “partido único” dos bons tempos do absolutismo monárquico também pode ser feito por etapas. Pode-se começar com um monte de partidos falsos criados pelo Estado e não pelo povo, “disputando” entre si um sistema de poder que exclui o povo “de facto” embora não “de jure”, até que este, no desespero com a mesmice, pegue alergia à mera expressão da palavra “partido” e passe a sonhar com a quimera da solução pela força bruta.
Em paralelo, é preciso ralar aos poucos o Poder Legislativo com um congresso formalmente “eleito” mas blindado contra o recall, a iniciativa e o referendo de leis que, nas democracias verdadeiras, os afasta da corrupção e põe a serviço do povo ou, quando a ocasião se apresentar, substituir esse congresso por “movimentos sociais” escolhidos pelo governo e tribunais de araque plantados por ele para ditar leis em seu nome.
Pois é… Esses caminhos complicados, feitos para barrar a entrada a argumentos claros e diretos na discussão, são a especialidade das culturas moldadas pela educação jesuíta. Por isso, para qualquer evolução entre essas etapas é imprescindível tapar o furo no dique multimilenar da censura proporcionado pela internet, a ferramenta que permite, agora em escala planetária, a comparação que esclarece as coisas.

Manter tudo na sombra da confusão, soterrado numa infindável avalanche de leis e preceitos constitucionais contraditórios entre si, é essencial. Por isso o PT cassou a palavra a Lula, que não tem mais idade nem paciência para deixar de afirmar o Xi Jinping que sempre sonhou ser em alto e bom som, e fez dele um mau leitor dos discursos “conciliadores” escritos pelos vendedores de gato por lebre contratados pelo partido e passar a afirmar na cara-de-pau o impropério de que política econômica, a que define os verdadeiros direitos que o povo tem ou deixa de ter sobre o que constrói com seu próprio suor, é algo com que um candidato não se deve comprometer para convencer eleitores, mas sim para o chefe eleito pela mentira executar como lhe der na telha depois de ter chegado “lá”.
A tudo isso, o nosso finamente educado establishment chama meros “equívocos”. Mas você já tem idade e informação suficientes para se lembrar da realidade quando outubro chegar.

Porque a esquerda ama Joe Biden
11 de maio de 2021 § 26 Comentários

Diz Joe Biden que seus três pacotes de chuva de dinheiro que, se aprovados todos conforme a encomenda chegarão a astronômicos US$ 6 trilhões, têm por objetivo animar “reformas de caráter progressista” para “criar emprego, distribuir renda, melhorar o valor do salário mínimo e ampliar a educação e a saúde públicas fazendo disso um direito e não um privilégio”.
Mas pelos volumes definidos tem tudo para viciar a democracia americana num tipo de droga nossa velha conhecida da qual dificilmente há cura possível. Afinal, US$ 6 trilhões, é mais que o PIB inteiro do Japão, o 3º maior do mundo, com US$ 5 tri, e mais que quatro vezes o PIB do Brasil de US$ 1,45 tri. E vão ser aplicados em doses cavalares. Um salário mensal de US$ 1.400 dólares (R$ 7.840) por pessoa, mais ajuda a pequenas empresas afetadas pela pandemia é o trecho já aprovado no valor de US$ 1,9 trilhão. Mas há outra “ajuda às famílias”, agora também classificadas como “infraestrutura social”, de entre US$ 3 e US$ 3,6 mil por filho (R$ 20.160) a título de financiamento de escola “gratuita”, assim como um valor não definido para extensão de saude “grátis” para todos, num segundo pacote de US$ 1,8 tri. E US$ 2,2 tri num terceiro pacote de incentivos para financiamento de uma infraestrutura física focada na promessa de emissão zero de carbono até 2035. Não é coisa, convenhamos, que se possa experimentar e depois voltar atras sem dor num sistema em que os políticos são eleitos pelo voto de quem está prestes a receber tudo isso deles para não trabalhar.
Quem nunca comeu melado…

Para sustentar tudo isso Joe Biden pretende não só aumentar os impostos sobre as empresas que Donald Trump tinha rebaixado para 21%, de volta para 28%, como aumentar o imposto de renda para 40% e criar novas taxas de transmissão de heranças. O componente ambiental de sua proposta inclui, também, um forte aumento regulatório com o objetivo de substituir completamente, em apenas 14 anos, a matriz energética da economia americana baseada no petróleo, começando por banir a extração de petróleo de xisto pela tecnologia de fracking, aquela que, ao longo do período Trump, levou os EUA de maior importador a maior exportador de energia do mundo, com o gás industrial mais barato do planeta.
A China agradece penhorada…
O primeiro efeito da chuva de dinheiro de Joe Biden não será uma inflação apenas doméstica mas uma onda planetária de carestia que já está rolando, com todos os metais e insumos de construção, entre outras commodities, alcançando cotações recorde (o minério de ferro pela primeira vez ultrapassou a barreira dos US$ 200 a tonelada). O segundo efeito, que ele próprio espera, embora negue, será a fuga de empresas e empregos dos Estados Unidos. A prova de que conta com ela é a ordem dada à sua secretária do Tesouro, Janet Yellen, para promover, nos fóruns internacionais, um aumento de impostos sobre a produção coordenado globalmente para evitar a “arbitragem” que hoje fazem todos os empreendedores do mundo, a começar pelos americanos, para ir produzir onde os governos sangram menos os produtores.
São esses os odores que, desde já, estão bombando para a estratosfera o valor das moedas que se escondem dos governos do mundo na tecnologia de blockchain…

Como resultado da “Bidenomics” os analistas especializados “esperam” aquilo que já está aí: a instalação de “uma economia dual” nos Estados Unidos com um setor muito forte de alta tecnologia que gera pouco emprego e muita renda, cada vez mais concentrada em monopólios que controlam, além de literalmente tudo o mais, também e principalmente a circulação do discurso político, ficando “criar empregos, distribuir renda, melhorar o valor do salário mínimo e ampliar a educação e a saúde públicas” a cargo do Estado, no estilo Frankenstein – aquele da criatura que sempre acaba por destruir seu criador – na base de subsídios e intervenções pontuais, endividamento crescente e impostos cada vez mais altos.
Não entra no cenário deles a carga pesada de corrupção que vem junto com as economias onde o Estado decide quem ganha quanto, na qual o Brasil é phd, summa cum laude. Também esta já mostrou sua cara lá atras, quando os americanos fizeram a sua primeira grande incursão formal nesse território com os quantitative easy oferecidos pelo Federal Reserve na crise de 2008 que os bancos privados embolsaram inteiros sem que nenhuma parcela daquela primeira grande chuva de dinheiro descesse ao setor produtivo na forma de empréstimos que criassem empregos. Serviu para enriquecer os ricos e empobrecer os pobres.
Joe Biden não me parece pessoalmente, aos 78 anos, mais um desses candidatos ao poder eterno que, depois de passar a vida cuspindo nos Estados Unidos, hoje reservam a ele todos os seus mais entusiasmados aplausos. É apenas mais um desses tipos muito abaixo da qualificação para a posição para a qual o destino o empurrou, que foram às alturas através do deserto de lideranças do mundo de hoje pelo escorregador criado por Donald Trump e pela pandemia, e veio a calhar para a esquerda jurássica do Partido Democrata , esta que não tem qualquer proposta concreta que extrapole os temas de raça, gênero, sexo, drogas e rock & roll, e não tinha com que preencher a vaga aberta à sua frente.

A ironia de tudo isso está no fato de que Joe Biden só está em condição de fazer chover US$ 6 trilhões porque os Estados Unidos foram o único país do mundo que jamais entrou na ratoeira onde ele agora os está metendo. No primeiro confronto com a concentração extrema da riqueza nacional nas mãos dos donos de uns poucos monopólios de sua história, na virada do século 19 para o 20, Theodore Roosevelt e os reformadores da Progressive Era, com os horrores do Estado absolutista ainda frescos na memória e a ameaça socialista rugindo na Europa à frente, trataram humildemente apenas de tornar seguro e higiênico o parto natural da produção e da distribuição de riquezas, reorientando a democracia americana para um forte viés antitruste e dando ao povo condições objetivas de controlar seus políticos com o recall, a iniciativa e o referendo de leis.
Proibiram a ocupação de mercado por uma mesma empresa além de um limite porque tornou-se claro que a “condição ambiental” essencial para a realização do ideal democrático não era só inscrever direitos numa constituição mas sim preservar um nível de competição tal que garantisse a valorização continuada do trabalho mediante a disputa de trabalhadores por um grande numero de patrões pelo aumento dos salários e a desses mesmos trabalhadores, enquanto consumidores, por um grande número de fornecedores mediante a redução de preços.

Foi essa arrumação simples e inteligente que, pela primeira vez na história da humanidade, fez do trabalhador americano alguém que melhorava diariamente de vida sem ter de pedir favores a ninguém e dos Estados Unidos e da civilização ocidental, que eles carregaram nas costas, o que ainda hoje eles são.
Ao aceitar a briga com os monopólios do “capitalismo de estado” chinês nos termos impostos por eles e “achinezar” as relações de trabalho, revertendo a orientação antitruste e admitindo o retrocesso para o capitalismo selvagem dos monopólios dos amigos do rei em vez de constrange-los a domesticar o deles para ter acesso aos seus mercados, o Ocidente condenou à morte a democracia, síntese dos valores da sua obra civilizatória que, por definição, não pode conviver, nem com patrões, nem com partidos únicos.
A única saída possível, cada vez mais distante no horizonte, está em reverter esse mau passo.

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