Fifão x petrolão : ligando os pontos

9 de junho de 2015 § 3 Comentários

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Artigo para O Estado de S. Paulo de 9/6/2015

Sepp Blatter é a Dilma com vergonha na cara? Nada disso. É que aquele país onde ladrão não tem blindagem logo fe-lo saber que sabe sobre ele muito mais do que ele pensava que sabia. E nem assim está garantido que ele ainda não vá ter de “dar” só porque se apressou a “descer“.

Já o incofundível DNA brasileiro desse “padrão FIFA de corrupção“, esse ninguém tasca.

Dizia uma fonte do NY Times, com uma ponta de admiração, que “mr.Blatter jogou um jogo muito esperto“. Uma ova! Os jogos desse tipo nunca enganaram ninguém. São patéticos de tão óbvios. O que falta, onde chegam a fincar raízes, é polícia. Na ausência desta chega-se, eventuamente, até às profundidades abissais que só se atinge ao fim de séculos nadando impunemente para o fundo em que nos movemos, onde quadrilhas de todos conhecidas roubam “de um tudo“, mas bem mais de quem está mais indefeso, como hospital de criança pobre doente, na certeza de que do outro lado estarão vítimas inermes atiradas às feras por um “Judiciário” que desfaz até o que a polícia faz.

fifa18Não é “esperto“. É só nojento.

Como se chega a isso? No “fifão” e no “petrolão” o método foi idêntico. Ligue os pontos:

João Havelange, que mandou na FIFA 25 anos, é quem concebe a idéia de substituir a representação do futebol que existe por outra “mais democrática“, baseada na “geografia dos excluídos do futebol“. O resultado é idêntico ao modelo do Congresso Nacional que o inspirou onde há mais representantes de paisagens que de brasileiros. Do suborno, pelo suborno e para o suborno, foi plantado e colhido um “baixo clero” para expropriar de seus atores o futebol que a FIFA vende, incorporando ao colégio de federações nacionais que elege seus diretores um monte de paises e ilhas remotas onde nunca se ouviu falar em bola, pelo expediente de proporcionar a tipos sinistros necessitados de circo para esconder falta de pão e sobra de brutalidade, a criação de “ONGs/escolas de futebol” regadas a dinheiro público, campos e estádios maiores que as populações locais e o mais que conhecemos.

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João Havelange é, portanto, o “pai de todos“.

Desse caldo emoliente ele pesca, ao fim de 1/4 de século, a sua criatura. Ao portentoso “gerentão“, Sepp Blatter, caberá dar a um sistema até então apoiado apenas na falta de escrúpulo, a coesão imposta pelas “melhores práticas de gestão corporativa“, esse anabolizante de resultados de sistemas bons ou ruins, pouco importa.

É ele o “faxineiro só que não“, da obra do próprio difusor de lixo que o criou. Sobe ao palco em 1998 falando grosso no meio de um escândalo de entrega de malas de dólares a delegados africanos em hoteis de Paris do qual é o principal protagonista: “Daqui por diante a FIFA vai ser exemplar em todos os aspectos. Qualquer desvio ético, por menor que seja, será severamente punido“.

No mundo real, sua primeira providência é criar as oito vice-presidencias regionais, equivalentes aos nossos grandes “partidos-arca” que irão constituir o “núcleo político” do sistema. É da lista desses “grandes caciques” que sai um bom número dos arrastados na primeira fornada de prisões feitas naquele hotel fino e chique de Zurique, a sede do “núcleo financeiro“.

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Abaixo desse nível monsieur Blattér põe em andamento a estruturação do “núcleo administrativo” do “fifão“, equivalente ao que aqui vive enquistado dentro da Petrobras e do resto do aparato estatal e para-estatal, sem exceções, por enquanto com 12 “Comitês Executivos” e crescendo, nomeados pelo “baixo clero” das “federações” de representantes de paisagens. Valem-se dos cargos recebidos para tramar vendas a bom preço, com que pagam os atores do show, e revendas a preços muito melhores, com que se locupletam, de direitos de transmissão dos jogos de seus campeonatos com “companhias de marketing esportivo” de cartas marcadas que fazem parte do “clube“, ou seja, o “núcleo econômico” que, embolsado o seu quinhão, entrega a diferença ao “núcleo político” que organiza e mantém toda a falcatrua, com os préstimos do “núcleo financeiro“. O trança-trança de jogadores por seleções a cargo de doublés de técnicos e corretores de gente que fizeram do futebol essa beleza que ele virou onde não se reagiu à infecção, é um dos bonus do sistema. Mas o grosso vem da venda de mundiais a quem pagar mais e, na sequência, do assalto conjunto da FIFA e seu mais recente sócio contra a população condenada a hospedar a Copa.

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A particularidade do “fifão” é que, não sendo a autoridade financeira de uma das pontas lesadas uma parte integrante do esquema, como é aqui, na Suiça e alhures, foi de lá que vieram as investigações e as denúncias que acabaram por agarrar por um tornozelo a brasileiríssima Traffic, de US$ 500 milhões por ano, que detona o efeito dominó. É ela o equivalente à maior das empreiteiras do “clube” do “petrolão” de que se confessa “garoto de recados” o nosso “pai de todos” e que, graças a isso é a única que, nem entra em delações premiadas, nem vai presa quando denunciada numa, embora não haja quem não saiba que é quem mais merece jaula neste país.

Por trás de todo grande esquema de corrupção o que há, portanto, é só um bando de covardes de alma negra sugando o sangue de quem menos pode se defender para sustentar um esquema de poder de pai para filho por toda a eternidade se possível. Pilhados, dirão sempre, primeiro que “não sabiam de nada” e, in extremis, que são vítimas do “racismo” e do “preconceito” do “grande satã” inimigo dos pobres e das belas tradições do mundo, com o aplauso dos putins, das kirshners e das velhas marafonas curtidas por gerações na prática do lenocínio financeiro das suiças da vida, como foi regra geral em todo o planeta por milênios até o advento da revolução chamada democracia, aquela do “nenhum poder e nenhum dinheiro que não seja fruto do mérito” que nunca chegou por aqui.

Esta, ao fazer todos iguais perante a lei e armar a mão do povo com poder de polícia, põe logo o John Wayne em campo, quando ouve essa lenga-lenga, para, com um par de petelecos, acabar com a palhaçada.

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Chama o John Wayne!

28 de maio de 2015 § 20 Comentários

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Duas histórias que indiretamente são conexas chamaram minha atenção nos jornais de hoje.

Uma, do Valor Econômico, dava conta da saga dos fabricantes de sapatos brasileiros que, ha cerca de 20 anos, massacrados pela burocracia, pelo peso dos impostos, pela chantagem “trabalhista” e pelas manipulações do câmbio, desistiram do Brasil e foram fabricar sapatos em Dongguan, na China. É o mesmo pessoal do Vale dos Sinos, RGS, que esteve no centro de uma longa série de reportagens  do Jornal da Tarde dos meados dos anos 80 cujo mote eram “Os guerrilheiros da prosperidade nacional”, micro e pequenos empresários que, contra tudo e contra todos, ainda conseguiam produzir no país em níveis de excelência.

Eram ainda os tempos em que os jornais perscrutavam o Brasil real, sentiam suas dificuldades e faziam-se porta-vozes de soluções para os seus problemas, em vez de se limitar a amplificar as mentiras e mesquinharias das “fontes oficiais” como é norma nas redações de hoje. Com isso obrigavam o país oficial a olhar para os problemas dos brasileiros reais e estudar soluções para eles.

Essa série de reportagens, apesar da circulação restrita a São Paulo do JT, pautou o resto da imprensa e pôs em marcha dois movimentos que entraram definitivamente para a pauta nacional – uma campanha pela desburocratização dos trâmites para a criação e operação de micro e pequenas empresas e a criação de um regime tributário especial para elas, além de iluminar o drama generalizado que era e continua sendo produzir no Brasil.

De lá para cá a internet entrou em cena, as fronteiras nacionais se dissolveram e os pequenos alívios no garrote vil que eventualmente se conseguia arrancar a fórceps da máfia que desde sempre explora os brasileiros deixaram de fazer diferença para a competição aberta contra produtores ao redor do mundo cujos governos são seus aliados e não seus inimigos, quando não seus assaltantes. Hoje, com o estado e a pequena casta dos seus “proprietários” desfrutando do “direito adquirido” à metade da renda nacional declarados constitucionalmente intocáveis, seja qual for a dificuldade vivida pelo resto do país, e o Brasil que produz reduzido a pele e osso, as esperanças se foram.

Mas não completamente. Lá estão, em Dongguan, os mesmos empreendedores formados pelo Serviço Nacional da Indústria – o Senai, símbolo de uma época em que os empreendedores brasileiros ainda acreditavam neste país e investiam na formação de seus próprios sucessores – que puderam migrar para o outro lado do mundo para realizar a sua vocação e dar vazão à sua força empreendedora.

São esses brasileiros da China que dominam hoje a indústria mundial de sapatos , com empresas que chegam a tomar até 18 mil trabalhadores terceirizados – o tipo de atitividade que nossos “excelentes” representantes no Legislativo e no Executivo tratam, neste momento, de proibir em todo o território nacional. São eles que proporcionaram à China, partindo do zero, chegar a 1,8 bilhão de pares de sapatos exportados por ano para os EUA, 2/3 de tudo que aquele país consome, movimentando 17,5 bilhões de dolares. Mão de obra formada no Brasil com investimento brasileiro, mas impedida de trabalhar no Brasil, que até 2008 também importava desses seus filhos expatriados 33,6 milhões de pares de sapatos, até que lhes antepusessem barreiras alfandegarias, em 2009, para que os sapateiros remanescentes nesta nossa pátria da “justiça trabalhista” não fossem banidos de vez do mercado mundial, à custa, como sempre, de obrigar os brasileiros do Brasil a pagar o sobrepreço dos seus governos também para não acabar andando descalços.

É uma história triste mas que tem um lado positivo posto que abre na nossa desesperança a possibilidade de nos realizarmos como cidadãos do mundo que a corja que tomou este país de assalto não conseguirá manter indefinidamente subjugados. Haverá sempre uma China para onde fugir quem queira trabalhar…

Acena com esse mesmo tipo de esperança a prisão, ontem, a pedido da justiça norte-americana, daqueles velhos ladravazes da Fifa que o mundo inteiro sabe o que são e o que sempre foram, desde os tempos em que a Fifa ainda estava nas mãos gosmentas do clã Havelange.

A velha e doentíssima Europa (latina), em matéria de corrupção, não é mais que uma América Latina com um pouco mais de verniz e mesuras, o que proporcionou aos membros da quadrilha cujos rostos patibulares estavam estampados nas primeiras páginas de todos os jornais do mundo hoje, esfregar por gerações a fio a sua subversiva impunidade na cara das esperanças de todos quantos vivem de trabalho honesto neste planeta, até que o velho esporte bretão caísse finalmente no gosto dos americanos.

Não demorou muito para o vitríolo moral distilado pela Fifa e associados corroer a sua extensão americana e, a partir daí, finalmente despertar o interesse da polícia de um país com polícia. E lá estavam, ontem, ninguém menos que a secretária de Justiça dos Estados Unidos da América, Loretta Lynn, em pessoa, ao lado dos diretores do FBI e da Receita para que não fiquem dúvidas sobre o peso da mão que está descendo sobre a podridão de que o mundo jamais esperava se ver livre nesta encarnação, para dar o “cartão vermelho” que esperamos que seja final e definitivo a “uma cultura de corrupção desenfreada, sistêmica e profundamente enraizada” que domina ha décadas o futebol mundial, da qual o velho bandalho que já foi até governador de São Paulo é um dos principais protagonistas e da qual com certeza locupletou-se gente muito mais grauda que ele nas tramóias tidas e havidas para trazer uma Copa do Mundo para o meio deste nosso tiroteio.

O efeito foi fulminante. Como todos sabem que com americano quando a coisa pega é pra valer, da Europa às Américas Central e do Sul, todos os que passaram a vida dando tapinhas nas costas dos corruptos e bebendo champagne com eles correram a “afasta-los” das bocas dos cofres de que se têm servido impunemente há décadas, a pedir investigações, CPIs e o mais que sempre se recusaram a fazer nos últimos 50 anos apesar de todas as provas disponíveis .

Vamos torcer para que, certos de sua impunidade como todos sempre estiveram, os grandes tubarões da Copa do Brasil tenham cometido a mesma imprudência dos peixes menores já trancafiados na Suíça tentando lavar o produto do que nos têm roubado no sistema financeiro dos Estados Unidos.

Os “petrolões”, pelo menos, nós sabemos que já têm um perna agarrada por lá. Se o STF dos notórios amigos do PT melar tudo por aqui, temos o consolo de saber que terão de pagar ao menos o que roubaram dos acionistas americanos da Petrobras.

É outra ponta da globalização que, neste nosso deserto moral, serve de consolo: na aldeia global sem lei e sem ordem, é sempre possível que o xerife que é de fato xerife entre, um dia, pela porta para trazer um gostinho de lei e de ordem a esta selva. E esse dia tende a tardar cada vez menos até porque os lugares interessantes que restam para se guardar e gastar o produto das roubalheiras que rolam pelo mundo são aqueles nos quais xerifes como esses atuam pra valer. Ladrão impune sabe melhor que ninguém o perigo que é viver numa terra sem lei e quer segurança depois que fica rico. E, ademais, de nada serve roubar até destruir um país, como estão fazendo com o nosso e com tantos outros, para depois ficar condenado a viver na terra arrasada deixada para tras do saque.

Que o braço do xerife seja cada vez mais longo!

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