Porque o PSDB está morrendo
29 de novembro de 2012 § 4 Comentários
Terminava assim o artigo “Renovação (com Sólida Memória) ou Irrelevância”, de Sergio Fausto (aqui), hoje no Estadão:
“O País clama por uma oposição à altura dos desafios e oportunidades que o quadro político apresenta. Ou o PSDB se ergue ou se condena à irrelevância. É agora ou jamais”.
Temo que seja jamais, tanto pelo que está ausente do artigo dele, que é o Diretor Executivo do Instituto FHC, quanto pelo que não aborda o artigo que ele nos convoca a ler, o interrogativo Um Futuro para o PSDB?, de Jose Augusto Guilhon de Albuquerque e Elizabeth Balbachevsky (aqui) publicado no mesmo jornal dias atrás.
Os dois últimos concentram-se nos sintomas do “esgarçamento das bandeiras”, do “caciquismo” e da “crise de identidade” da doença que afeta o partido. Já Fausto atem-se às memórias de um passado que reconhece “distante” e aos “estigmas” que os espertos marqueteiros petistas pespegaram no PSDB, outro modo de enumerar os mesmos componentes do diagnóstico anterior, excluída a ênfase no caciquismo.
Mas a chave da charada parece-me estar escondida por tras desta sua outra constatação:
“Os governos de Lula e Dilma têm méritos. O maior deles é o terem aproveitado e, em alguns casos, aprimorado e expandido instituições e programas criados nos governos anteriores (…)”
O que isto quer dizer?
Por que o mero debate em torno dos “direitos autorais” sobre a mesma obra a que se têm resumido as campanhas eleitorais não consegue mobilizar uma aliança entre os 30% de paulistanos que votaram em Serra e os 33% que preferiram não votar nem nele, nem no PT, assim como o resto dos milhões de brasileiros que se manifestaram de forma exatamente semelhante na última eleição municipal?
Porque o PSDB é o PT civilizado. Ou, se preferirem, o PT é o PSDB tosco. Não há diferenças conceituais essenciais entre eles.
Falo, naturalmente, do PT que vai sobreviver ao Mensalão e não das pontas bandidas que, de qualquer maneira, o STF condenou ao desaparecimento. A questão é que entre esse PT e o PSDB, como admite Fausto citando Lula e Dilma, não há diferenças senão de estilo e dosagem no que diz respeito ao essencial que é a forma de relacionamento entre o Estado e a sociedade civil.
E, sendo assim, prevalece, com a ajuda da sorte, o que o outro tem a mais que ele em matéria de empatia emocional com o arquétipo brasileiro.
“O PSDB nasceu (…) antagônico à tradição patrimonialista e clientelista (…) venceu a hiperinflação (…) rompeu os monopólios estatais (…criou) regimes de competição regulada”, melhoramentos que o PT reverteu, coisa que é preciso denunciar apontando “a infestação do aparelho do Estado por gentes sem qualificação técnica e sem independência profissional para resguardar o interesse público”, diz Fausto.
É aí que está o ponto.
No sistema que temos e que nenhum dos dois propõe mudar na sua essência, não ha nem pode haver segurança institucional.
Infestar o Estado por gente sem qualificação; aparelhar a máquina pública para colocá-la a serviço de um projeto de poder não pode continuar sendo uma opção ao alcance do governante de plantão. Respeitar instituições, preservar as conquistas macro-econômicas, investir em educação e infraestrutura de qualidade, manter a responsabilidade fiscal não pode ser uma escolha entre muitas; têm de ser uma imposição para todo e qualquer governante tão incisiva quanto a imposição de probidade no trato da coisa pública que o STF começa a exigir.
Só que esta não é uma questão que o Judiciário possa resolver. Esses movimentos de fluxo e refluxo em que vivemos atolados desde o início da República continuam sendo possíveis porque todas as melhorias apontadas por Fausto dizem respeito apenas às relações do Estado com o Estado, aos arranjos dele consigo mesmo, e não às relações do Estado com a sociedade que é o que de fato precisa ser reformado.
Essas nunca foram alteradas. “Eles” continuam “lá” e nós “aqui”, uns fora do alcance dos outros. Passado o momento da eleição e até a próxima eleição somos totalmente impotentes; tudo que temos direito de fazer é “torcer” pelo melhor.
Alterar essa relação, rearranjar o equilíbrio de forças entre representantes e representados é a única coisa que fará diferença do ponto a que já chegamos em diante. E isso só se consegue dando aos principais interessados na preservação dessas conquistas as armas necessárias para efetivamente guardá-las.
Como?
Quebrando a capilaridade das máfias que traficam “governabilidade” pela despartidarização das eleições municipais; tornando transparente o sistema de representação com o voto distrital; restringindo o poder de nomear estritamente às funções políticas; acabando com a incondicionalidade da estabilidade no emprego do funcionalismo; tornando eletivos os cargos públicos nas áreas com relação mais direta com a população tais como educação, segurança e saúde públicas; armando o eleitor com o poder de deseleger rápida e facilmente quem se mostrar indigno da delegação recebida; fortalecendo a figura da lei de iniciativa popular para que os legislativos não possam mais desfigurar o que os eleitores ordenarem diretamente que façam como tem ocorrido; tornando obrigatório o referendo das questões mais importantes como a cobrança de novos impostos…
Transferindo, enfim, poderes reais e concretos do Estado para a sociedade civil.
A fórmula é conhecida, testada e aprovada. Trata-se de reduzir o espaço para a ladroagem e a exploração do outro que são características do bicho homem.
Nós estamos muito longe dela?
Menos, talvez, do que possa parecer à primeira vista. Porque aquilo que só parece mas não é, o povo já sabe identificar. Não o comove mais.
E por as decisões essenciais sobre o futuro de seus filhos nas mãos de pais e mães “ignorantes”; seria tal sistema mais perigoso que deixá-las nas de quem tem feito de nós gato e sapato ha 512 anos?
Engula essa truta se ela ainda passar pela sua goela…
É hora de começar a tratar do essencial!
Quem tiver a coragem de erguer as novas bandeiras primeiro, emergirá como uma luz brilhante das trevas da irrelevância geral.
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