Como funciona a democracia suíça – 2

22 de julho de 2022 § 4 Comentários

Num resumo esquelético, este é o esquema do poder instituído na Suíça:

EXECUTIVO:

Conselho Federal com 7 conselheiros eleitos por 4 anos pelas duas câmaras da Assembléia Federal, cada um ocupando um “ministério” (Assuntos domésticos, Relações exteriores, Economia, Educação e pesquisa, Meio-ambiente, transportes, energia e comunicações) e um deles assumindo as funções de representação do presidente da República por um ano. Suas decisões são sempre “coletivas”, vedada a divulgação das dissensões internas.

Governo cantonal (estadual) com 5 a 7 membros eleitos pelo povo para mandatos de 4 ou 5 anos, respeitada a regra de proporcionalidade.

Conselho comunal (das cidades), eleito pelo povo com 5 a 7 membros.

Em nenhuma das instâncias elege-se um executivo unipersonal.

LEGISLATIVO:

Assembleia Federal, elege o Conselho Federal, o chanceler federal (principal funcionário administrativo), os juizes da Corte suprema e o comandante supremo das Forças Armadas em caso de guerra e está dividida em:

Conselho Nacional com 200 membros eleitos pelo povo com as cadeiras atribuídas aos cantões segundo sua população com um mínimo de uma cadeira para os menores. Os dois conselhos têm os mesmos poderes e as eleições de juizes e membros de outros órgãos de governo dão-se em seções conjuntas.

Conselho dos estados com 46 membros, dois eleitos por cada cantão. Tem os mesmos poderes do Conselho Nacional, pesa 25% nas decisões conjuntas que requerem maioria simples das duas casas.

Parlamento cantonal, eleito diretamente pelo povo segundo regras proporcionais de cada cantão. Todos têm uma só câmara.

Assembléia ou Parlamento comunal, participação de todos os cidadãos adultos nas comunidades menores, em geral duas vezes por ano em praça pública, ou assembléias eleitas pelo povo, em geral nas comunas maiores e nas de língua francesa.

JUDICIÁRIO:

Tribunal Federal 38 juizes supremos full e 19 part-time eleitos pela Assembléia Geral para mandatos de 6 anos.

Corte cantonal, com juízes eleitos pelo governo cantonal, pelo parlamento cantonal ou diretamente pelo povo.

Cortes distritais, com juízes eleitos pelo povo às vezes de mais de uma cidade formando um distrito judicial ou nomeados pela autoridade cantonal em alguns casos.

O suíço é cidadão, primeiro da comuna (a cidade), segundo do cantão (o estado) e terceiro da federação suíça. É assim que ele se vê e se afirma; é assim que a lei, que é ele quem escreve, institui. 

O princípio de subsidiariedade, inserido na constituição em 1999 mas praticado desde muito antes, é levado radicalmente à sério. Ele afirma que o Estado só pode ser acionado para os assuntos que outras organizações sociais menores não conseguirem resolver e que a autoridade mais alta só pode ser encarregada das tarefas que não puderem ser executadas pelas mais baixas. As soluções devem ser descentralizadas sempre que possível.

A nacionalização de um estrangeiro como suíço é um exemplo de como isso funciona. O candidato tem de ter vivido numa determinada comuna por um certo número de anos (que varia em cada comuna); um comitê de cidadãos locais tem de atestar que ele fala a língua, está integrado e conhece os costumes e as instituições suíças. Nas comunas menores, todos os cidadãos votarão pela aceitação ou não daquele estrangeiro como cidadão suíço.

As comunas, que eram 2200 em 2020, vão da maior delas, Zurique, com cerca de 400 mil habitantes, a comunidades de menos de 500. Cada uma decide se quer ou não fundir-se com outras para efeitos administrativos. Todas têm liberdade de inventar o seu próprio sistema administrativo. Tendencialmente, as de língua alemã e protestantes são mais radicais na adoção de esquemas de democracia direta enquanto as de língua francesa e italiana e majoritariamente católicas fazem mais concessões a esquemas representativos. O que influencia mais decisivamente quanto a essa divisória, no entanto, é o tamanho. As maiores recorrem mais e as menores menos a esquemas representativos.

Cada uma decide o seu próprio esquema de impostos. Os impostos municipais (comunais) pesam mais de 30% de tudo que se arrecada na Suíça. O objeto da taxação municipal, ao contrário dos Estados Unidos, é menos o imposto territorial e mais o imposto sobre a renda.

Outro princípio que permeia todas as instituições suíças é o da proporcionalidade. No parlamento, nos comitês do parlamento, no governo, nas cortes, ha um compromisso não formalizado mas o mais rigorosamente possível acatado, com a divisão proporcional dos cargos por partidos (4 principais), por línguas faladas (4 oficiais) e por gênero. Isso conduz a um sistema que é de compartilhamento do poder mais que de competição entre governo e oposição em que “o vencedor leva tudo” por um período como em outras democracias menos perfeitas. Tudo é sempre negociado.

Os cantões (estados) são obrigados a fornecer o que a constituição garante: direitos civis básicos, igualdade perante a lei, o devido processo legal, etc. É o povo quem tem o direito de acionar a Suprema Corte (Tribunal Federal) para cobrar o cumprimento disso. 

Essa Suprema Corte tem 38 juízes dedicados full-time e 19 part-time, espalhados regionalmente, eleitos por 6 anos pelas duas câmaras da Assembleia Federal, levada em consideração a regra da proporcionalidade. Ela é a corte final de apelação para assuntos envolvendo leis federais. Resolve conflitos de cantões com a federação ou entre cantões e garante os direitos individuais reclamados pelos cidadãos. Não tem o poder de decidir sobre a constitucionalidade das leis federais porque todas elas ou são propostas e aprovadas ou são referendadas diretamente pelos cidadãos, de quem “emana todo o poder”.

Para entender como, quando e porque os Estados Unidos copiaram o modelo suíço e o adaptaram para países do tamanho do Brasil, providência que proporcionou que se tornassem a potência que são hoje, clique NESTE LINK

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§ 4 Respostas para Como funciona a democracia suíça – 2

  • O que diz do Judiciário ser eleito pelo Legislativo? Arrisco responder que vai depender de quem se elege pra esse último…
    O que fica mais patente pra mim é a efetiva participação popular em tudo!

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    • Fernão disse:

      Não é “o judiciário”, são só os juízes da corte federal ou suprema. E para mandatos de 6 anos e sem o poder de anular decisões do povo sob nenhum pretexto.

      Os demais, nos níveis estadual e municipal, são eleitos diretamente, salvo exceções onde as exceções foram decididas no voto e podem ser “des-decididas” a qualquer momento, pelo povo.

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  • cadu43 disse:

    Fantástico! Imagina uma proposta perto disso aqui no Brasil..? alguem vai preso! O pior de tudo eh que se a população que vota ENTENDESSE a questao apoiaria algo pelo menos próximo. Porque eh lógico, faz sentido. Alias, com toda essa tecnologia de hj, cada brasileiro com 1 celular na mao (isso eh fato).. incrível como ninguem se debruçou na questao de como informar melhor esse povo. “By-passando” as rádios e jornais controlados pelos nossos políticos… quem conseguir tal feito, muda o Brasil.. pro bem ou pro mal..

    Abs Fernao!!

    >

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  • Marcos andrade moraes disse:

    Muito bom! Replicando.

    MAM

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