Eleições democráticas x eleições brasileiras – 1

23 de junho de 2022 § 13 Comentários

1212 candidatos à presidência da república dos Estados Unidos inscreveram-se na Comissão Federal de Eleições (FEC) para a disputa de 2020. 323 candidataram-se pelo Partido Democrata (D), 164 pelo Republicano (R), 65 pelo Partido Libertário (L), 23 pelo Partido Verde (V) e os demais por algum dos 420 partidos políticos registrados no país ou como “independentes”.

Para ser candidato a presidente dos Estados Unidos não é preciso pedir ordem a ninguém, salvo os eleitores/contribuintes das campanhas. Tudo que é exigido é que seja alguém nascido no país, com mais de 35 anos e nele residente ha pelo menos 14. O candidato pode declarar-se como tal quando quiser mas depois que tiver recebido US$ 5 mil em contribuições ou gasto um valor acima desse montante em sua campanha fica obrigado a registrar-se na FEC no prazo de 15 dias. 

Só a sociedade civil, por seus indivíduos ou instituições, pode financiar esses partidos e/ou campanhas. Os candidatos são obrigados a prestar contas minuciosas do quanto receberam de quem ANTES das votações decisivas, seja das primárias cuja etapa final para a eleição de novembro esta ocorrendo agora, seja das eleições finais. É esta a principal e quase única função da FEC, constituída por cinco gatos pingados. Cabe ao eleitor decidir quais doações comprometem quais candidatos e votar de acordo com sua conclusão.

Os passos seguintes variam de estado para estado e de partido para partido, com diferenças até, dentro do mesmo partido, de estado para estado. Cada um estabelece suas nuances no modo de pedir ou exigir dos eleitores o endosso a cada candidato nas sucessivas etapas das eleições primárias, com alterações que têm, como objetivo precípuo, eliminar a interferência dos “donos” dos partidos e concentrar a escolha cada vez mais diretamente nos eleitores.

No final do processo, quatro candidatos se tinham qualificado para disputar a maioria acima de 270 votos do colégio eleitoral: Donald Trump (R), Joe Biden (D), Howie Hawkins (V) e Jo Jorgensen (L). Sete outros cumpriram os requisitos para ter seu nome impresso nas cédulas de cinco estados ou mais. Nas cédulas de Vermont e Colorado estavam impressos os nomes de 21 candidatos a presidente cada. Arkansas e Louisiana vinham em segundo lugar com 13 candidatos nas cédulas. 12 estados tinham só três candidatos inscritos no quesito “Presidente da Republica”.

Além dos demais membros do Executivo e do Legislativo, os americanos elegem diretamente (e, dos estados para baixo, têm o poder de “deseleger” a qualquer momento por recall) também todos os funcionários públicos com funções específicas de fiscalização do governo, prestação de justiça e responsáveis pela educação pública tais como promotores, juizes, chefes de polícia, fiscais de contas públicas, membros dos conselhos de pais que mandam nas escolas públicas e outros, sempre seguindo essa mesma orientação geral de “derrubar as porteiras” de entrada e deixar para os eleitores – e não para os partidos e nem muito menos para os “nomeadores” – a decisão final de quem vai chegar à reta final com direito a pedir um voto decisivo ao conjunto dos eleitores. 

A lista dos funcionários a serem diretamente eleitos ou que podem ser nomeados, seja por alguém, seja por bancas também eleitas especificamente criadas para esse fim, muda constantemente ao sabor de leis de iniciativa popular que os eleitores refazem livremente a cada eleição. Cada cidade decide a sua.

Acompanha esse poder de propor leis que os legislativos são obrigados a tragar exatamente como lhes chegarem dos eleitores a menos que violem algum dos direitos fundamentais que constam da constituição federal, alem do poder de retomar a qualquer momento os mandatos de todos eles por qualquer razão que lhes der na telha, também o de rejeitar, pela convocação de um referendo, qualquer lei que os legislativos atirem sobre suas cabeças. São eles que têm a palavra final SEMPRE e EM TUDO, exceto nas leis e nos cargos federais cujo alcance é estritamente limitado a uns poucos assuntos.

Todos esses mecanismos os americanos copiaram da democracia suíça, a mais antiga do mundo moderno, vigendo desde 1290. Cometeram o erro de não estender esses poderes dos eleitores também à esfera federal, como têm os suíços, que podem propor alterações até na própria constituição a serem submetidas ao resto do eleitorado colhendo umas poucas assinaturas. Esse direito os americanos têm somente quanto às constituições estaduais e municipais, onde está inscrito tudo que extrapola os poucos direitos “imexíveis” enumerados na constituição federal. 

Os suíços, o único povo que jamais teve um rei em toda a sua história, convencidos pela longa experiência comum a todos nós de que a vaidade é o pecado preferido do diabo, aboliram até mesmo a figura do presidente da república. Elegem um board de cinco membros para fazer as funções que fora de lá ficam nas mãos de um único homem, deixando o resto da população refém do seu ego. Os americanos, por enquanto, só aboliram os prefeitos, trocando por boards à la Suíça os da maioria das suas cidades.

Democracia, nunca é demais repetir, não é um lugar definido de destino, é só um manual de regras de navegação.

Daí a americana, criada declaradamente para extinguir o sistema de privilégios “absolutos” que prevalecera até então, “fechar-se” no menor número possível de balizas deixando tudo o mais em aberto para evoluir, dócil às circunstâncias, na base do ensaio e erro. 

Nesse sentido vem perfeitamente a calhar o radical federalismo americano, também copiado dos suíços. 

Fora o pouco que está “congelado” na constituição federal – os direitos fundamentais à vida, à intocabilidade do que vai pelo pensamento e pelo coração e se expressa na fé e nas palavras de cada pessoa, à intocabilidade da propriedade amealhada com trabalho e dos instrumentos de defesa desses direitos fundamentais especificados nas 8 primeiras emendas à constituição federal e mais as regras do jogo do sistema dos três poderes independentes e harmônicos que “emanam” (pelo voto e só pelo voto) diretamente do povo – cada parcela desse povo nos estados e mesmo nas cidades ou nas comunidades ainda menores tem o direito e o poder de modificar (pelo voto e só pelo voto) toda as outras regras. 

Assim, da próxima vez que você se sentir tentado a chutar o povo brasileiro que “não sabe votar” e “escolhe as pessoas erradas”, lembre-se que a nossa “democracia” é uma falsificação grosseira que não nos dá o direito de escolher coisa nenhuma, senão dentro das escolhas da bandidagem que, desde 1500, continua lá, trancada no poder, e vá tratar de lutar para que a verdadeira afinal seja instalada entre nós.

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§ 13 Respostas para Eleições democráticas x eleições brasileiras – 1

  • cotaviolacerda disse:

    Muito bom artigo

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  • Marcos andrade moraes disse:

    O culpado disso é o Exército brasileiro que vc apoia elegendo bandido.

    MAM

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  • Vamos começar rogando encarecidamente aos nossos congressistas o fim da imunidade parlamentar…
    Fernão, qualquer mudança só acontece ou por um golpe ou pela eleição de parlamentares que não se interessem pelo próprio bolso.

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  • Kei Marcos Tanaami disse:

    Ai, ai, no fim do século XVIII, os Estados Unidos e a França já tinham feito sua revolução democrática, e a Inglaterra um século antes. Na Europa, foi inventada a máquina a vapor. Enquanto isso, aqui no Brasil, foi proibida a manufatura. O trabalho era feito por escravos e o ensino, dominado pelos jesuítas, que acreditavam que a Terra era o centro do universo. É pesada a conta que pagamos. Muito bom, Fernão.
    Kei Marcos Tanaami

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    • Fernão disse:

      É por aí, com apenas um reparo para a “revolução democrática da França” pela qual eu continuo esperando até hoje…

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    • Aldemar Fernandes Parola disse:

      Kei, se você tiver possibilidade de ler OS CAMINHOS PARA A MODERNIDADE (Os Iluminismos Britânico, Francês e Americano) de autoria de Gertrude Himmelfarb e REFLEXÕES SOBRE A REVOLUÇÃO NA FRANÇA de autoria de Edmund Burke (1729-1797) acho que terá uma visão bem mais crítica a respeito da Revolução Francesa.

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  • cadu43 disse:

    Brilhante Fernao!!

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  • whataboy disse:

    A falsificação grosseira do nosso sistema “democrático” e os remédios de transformação merecem uma campanha nacional de conscientização com várias etapas e camadas. O absurdo é que os formadores de opinião, jornalistas, cientistas políticos e “especialistas” passam o trator sobre premissas tão evidentes, não enxergam a causa primeira do bananão institucional. Absurdo que os titãs do nosso capitalismo continuem a alimentar a falsificação ao invés de extingui-la.

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  • Dirceu Batista disse:

    Esse molde de democracia deixaria a elite quadrilheira eternamente no poder, aliás .é o que vem ocorrendo. Aqui se promove mudanças para ficar tudo como está. Copiamos só privilégios.

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  • Luiz Calejon disse:

    Fernão:

    Não obstante seus comentários sobre o eleitor brasileiro (verdadeiros em sua maior parte), temos hoje no atual processo eleitoral os 2 PIORES (de longe) candidatos na folgada liderança nas pesquisas. Nosso eleitor sabe votar?

    L.Calejon

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    • Fernão disse:

      Meu avô, um desses que viveram a maldição de enxergar longe, entendeu desde logo que Getúlio Vargas implantara no Brasil “um sistema de seleção negativa” pelo qual só o pior era capaz de passar e que, se não fosse rompido, nos levaria, a cada extração, a uma espiral descendente sem fim.

      E quando eu olho para a Argentina, de onde ele tirou o modelo…

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    • Fernão disse:

      Já meu pai, que era mais otimista, lembrava-me sempre, tendo vivido os tempos do Getúlio, quanto o Brasil, apesar de tudo, melhorou…

      Só que com três governos do lulismo, a cobra já está quase mordendo o rabo…

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