Tem jeito da gente se libertar?

16 de setembro de 2020 § 43 Comentários

A reforma tributária, ha décadas sem fim, anda de costas, sob a inamovível “resistência” de prefeitos e governadores. Trocada em miúdos quer dizer que só os critérios eleitoreiro e “roubalheiro” se impõem. Apesar da certeza universal de que o atual pandemônio tributário é a causa mais imediata da miséria do Brasil ninguém consegue tira-lo daí. Por que? Porque os políticos brasileiros são “traficantes” absolutamente blindados contra o cidadão que vivem em ciclos de quatro anos cuja renovação depende muito mais da oferta de  “drogas” que aliviem o insucesso do que do sucesso a longo prazo do Pais Real no qual ninguém, já, acredita.

O mesmo acontece com a reforma administrativa. Em 1988 a primeira constituição depois do regime militar institucionaliza o privilégio como atributo de uma classe ao instituir o Regime Jurídico Único que torna estável todo e qualquer funcionário publico e sela a sorte do país. Houve umas tantas tentativas de abrir portas de saída como a demissão após sentença transitada em julgado (kkkk!), a demissão por excesso de despesa e/ou escassez de arrecadação passada na Lei de Responsabilidade Fiscal de FHC mas nunca regulamentada, e as demissões por baixo desempenho, sendo esse desempenho avaliado pelos colegas prestadores e não pelos cidadãos consumidores de serviços públicos… 

Mas na direção contrária tem sido uma avalanche. Ana Carla Abrão, ex-Banco Central, registrou em artigo recente que mais de 100 mil leis regulamentando os diversos aspectos das “carreiras do funcionalismo” foram passadas desde 1988, todas com características quase idênticas, instituindo, passo a passo, salários iniciais cada vez mais altos e promoções automáticas cada vez mais aceleradas entremeados de privilégios especiais cumulativos irreversíveis.

Na versão que o presidente sindicalista de milicos e de policias deixou chegar até o Congresso, esquartejada da reforma que o ministro Paulo Guedes pretendia, tudo que há é uma vaga promessa de quebra da estabilidade para algumas categorias num futuro indefinido depois do que promete ser mais um daqueles acachapantes torneios de violência lógica para estabelecer quais carreiras são ou não “típicas de Estado”, fazendo jus à estabilidade. E mesmo nesse tanto pouco já foi embutido um “jabuti”, apontado pelo jurista Carlos Ari Sundfeld, para tornar “absoluta” a estabilidade dos que ficarem.

Tudo isso só tem podido caminhar assim graças à abdução da chamada “grande imprensa”. Sendo, dos “quatro poderes da Republica”, o único que depende estritamente do sucesso do País Real, a imprensa é a única que tem razões objetivas para romper esse cerco. Mas, mergulhada na sua própria crise existencial, faz o contrário.

É um quadro semelhante o que se desenhou na maioria das empresas jornalísticas tradicionais não só do Brasil mas das Américas, todas elas nascidas mais ou menos no mesmo momento, próximo da virada do século 19 para o 20. A combinação das leis da demografia com a das sociedades anônimas, junto com a disrupção do seu antigo modelo de negócio, subverteu seu equilíbrio interno de poder. Os herdeiros no controle das do Rio de Janeiro e de São Paulo que sobreviveram, por exemplo, são alheios ao jornalismo, profissão 100% vocacional. Preocupam-se exclusivamente com números.

O velho metier de “narrar” a história do presente continua, no entanto, sendo a poderosíssima arma que sempre foi na luta pela conquista do poder político. E quem se aproveita do vazio que se abriu no comando editorial dessas empresas são, como sempre, os profissionais … do poder. Se há uma prova da força que o jornalismo mantem é o Brasil. Todos os grupos no poder – os partidos políticos e seus financiadores privados, as igrejas e, principalmente, as corporações do funcionalismo – têm a sua imprensa. 

Quando não são eles mesmos professores ou funcionários públicos, “ativos” ou aposentados, 9 entre 10 jornalistas brasileiros e os “especialistas” que consultam têm “cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive … investido em … função gratificada da Administração Pública”. Quando agem e argumentam como quem acredita que o Estado é o provedor ilimitado de tudo não estão, portanto, afirmando uma distante teoria abstrata aprendida na escola. Isso fica para os filhos “rebeldes” da classe média meritocrática em extinção. Estão dando um testemunho autêntico de suas próprias experiências de vida, movidos pelo instinto de sobrevivência. 

Só ha, no Brasil de hoje, consequentemente, jornalismo a favor do Sistema. Por ação ou, na melhor hipótese, por omissão. Não por acaso, portanto, ninguém no mundo é mais “mamado” que o brasileiro sem imprensa. Menos por acaso ainda a nata da privilegiatura, lá do alto do STF, trata, agora com violência inaudita e prioridade máxima, de calar a imprensa alternativa que tenta furar o cerco na internet.

Bolsonaros e lulas, assim como tudo que, pelo meio, já passou por Brasilia, são faces da mesma moeda. A esquerda e a direita da privilegiatura. Nenhuma reforma intermediária será capaz de nos arrancar das garras deles. Somente uma reforma política que arme a mão do povo para a tomada do poder – também dita “democracia” – qual seja, a que lhe permitirá demitir políticos e funcionários públicos a gosto, mediante o voto distrital puro, e os direitos de recall e de propor e recusar leis (iniciativa e referendo), criará a condição necessária para o país desenhar uma ordem tributária, uma ordem administrativa; uma ordem social e econômica, enfim, feita para servir o povo e não os donos do povo.

Mas essa reforma política só despontará no horizonte quando o Brasil dos explorados fizer como o dos exploradores: constituir os seus próprios “think thanks” para pesquisá-la onde já está implantada e reformulá-la em versão nacional, e a sua própria imprensa para divulgá-la e lutar por ela. A História não registra outro caminho que tenha levado até “lá”.

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§ 43 Respostas para Tem jeito da gente se libertar?

  • A. disse:

    Estou aguardando (munido de inseticida) a chegada do MAM, para escrever que o culpado por isso tudo é o Fernão, por ter votado errado…

    P.S.: mais um grande post, pra variar! Parabéns! E obrigado por nos manter de olhos abertos!

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  • Nico Fensterseifer disse:

    Seu texto é quase perfeito. Esquece, porém, que a dita democracia depende de um povo minimamente educado, estudado. Diante do estágio atual da educação disponível para a esmagadora maioria dos brasileiros, não há como haver a mínima chance, pelo menos até os nossos bisnetos, de nosso país alcançar uma democracia como a que você propõe. SMJ

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    • Fernão disse:

      Aí é que. Você se engana, Nico. Essa democracia é uma ferramenta de decisão sobre temas absolutamente básicos do cotidiano de todo mundo. Que rua asfaltar primeiro e por que preço? Comprar ou não mais um carro de bombeiro e por quanto? Aumentar ou não o salário de tais ou quais funcionários e com quem dividir essa conta em cada cidadezinha. Manter ou não o mandato do funcionário fulano que foi pego roubando. É nisso que essa democracia vota, na medida em que os problemas aparecem na cidade em que cada um mora.
      Até os analfabetos entendem essas coisas.
      A política “complicada” e “sofisticada” é a que tenta nos enganar com manobras e temas obscuros que só os “entendidos” conhecem, de modo que eles decidem em seu nome e cobram muuuuito caro por isso.

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  • Marcos Andrade Moraes disse:

    Com vc, não! Se vc se resumisse em informar seria útil; mas vc destila fel por causa da mágoa e complexos…

    Venda a sua parte e monte o seu jornal com Bolsonaro generais e pastores …

    MAM

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  • Marcos Andrade Moraes disse:

    Como é que é? O STF quer acabar com a imprensa alternativa? Como? Prove o que diz! Dê exemplos!

    MAM

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  • Mário Rubial Monteiro disse:

    E tem alguém ainda que acredita no Brasil?

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  • Lourenco Augusto de meireles reis disse:

    Parabéns pelo artigo.

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  • Nelevy disse:

    O corporativismo do funcionalismo é a saúva do Brasil.
    Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acana com o Brasil.

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  • afparola disse:

    É por artigos como este que Fernão Lara Mesquita é o jornalista brasileiro que que oferece as melhores sugestões para a solução dos problemas brasileiros.

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  • Paulo Murano disse:

    Tem jeito da gente se libertar?
    Sim, tem. Primeiramente se protegendo da energia oculta na fala daqueles que cagam perfumados.
    ” Conheça a ti mesmo” é chave apresentada 4 séculos antes de Cristo nascer. Libertador seria conhecer o que queremos intimamente. Uma vez compreendendo-se, trabalho de toda uma vida — a maioria padece desnorteada / enganada –, faz plural a Ética Pura: ser você descoberto e nada além. Uns chamam de modéstia, outros arrogância; tudo depende da localização geográfica, minha e dos incautos que fiam saber quando nada aprenderam da própria vida. Talvez isso seria fake news: Preguiça de viver. E queda por dopamina e neurotransmissores afins que justificariam sujeição e esforço argumentativo a idéias pífias de quem não conhece a si mesmo, apenas orgulho em contribuir para o Carnaval brasileiro.

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    • Paulo Murano disse:

      Um senão cordial seria: “ei, acordei e deu vontade de sumir daqui”. Outro mais real é caganeira acordando no Brasil.

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      • Paulo Murano disse:

        Indo direto ao cerne motivacional do autor e creio dos leitores que mijam comentários perfumados: quem são vocês despidos do faz de conta que autor e meio promovem?

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      • Paulo Murano disse:

        E direto ao ponto: Brasil queima, muito da vida animal e vegetal está sendo torrada sem minuto de silêncio de hipócrita herdeiro de meio de comunicação arcaico e mesmo falindo renega ser útil para um projeto de Brasil. Desacreditam e vpmita-se aqui o que iguais sorvem como iguaria. É nossa comédia nada divina, apenas mal cheiro do chorume humano que o criador conserva sem que sábios O entendam, quiçá Mesquitas afoitos por dignidade e reconhecimento em era que tudo revela-se.

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  • Marcos Sa disse:

    Fernão, e a sua coluna no Estadão, não tem saído?

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    • Flm disse:

      Estou censurado no Estadão desde que denunciei a adesão do Estadão à censura em editorial de apoio e pedindo mais atos de repressão de Alexandre de Moraes a quem escreve na internet o que eles não gostam de ler.

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      • A. disse:

        A minha solidariedade não vale 1g de cloroquina, mas é tudo que posso lhe oferecer, Fernão! (a solidariedade, não a cloroquina…!) E mais que tudo, obrigado pelos seus artigos MAIÚSCULOS!)

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      • Carmen Leibovici disse:

        num entendi nada…

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      • A. disse:

        Dna. Carmen: o Fernão foi censurado pelo Estadão. Pode uma coisa dessa?
        Bom dia!

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      • Carmen Leibovici disse:

        A,eu entendi o absurdo, só não ficou clara a razão.
        Mas,de qq maneira, eu me coloco no lugar do Fernão,deve ser muito doloroso assistir a uma desconstrução de ideais tão antigos,de história tão antiga, principalmente quando essa história é a própria.

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  • Paulo Murano disse:

    Explicação sobre a razão e pretensa função desta “coluna” auxiliaria visão maior daqueles que não compactuam da punhetagem on line. (correto que Internet permite sobrevida a néscios serviçais dos senhores da tecnologia

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    • Paulo Murano disse:

      Obseva-se a vida de Krishna, Buda e ícones inacreditáveis. Obtiveram palavra de valor após abandono do luxo irresistível.
      Aqui leio palavras descrevendo idéias inúteis sem vínculo com o povo do Brasil. Inúteis, por desconhecer o Brasil real, descrevem o que deveria ser e iguais dejetos da vela ardente derramam comentários que ornam com a fantasia do canalha, senão idiota útil ao mesmo de nada inútil e afeito ao uso vazio da cultura, isto é: vomita construção que jamais pisaria. Em outras palavras: hipócrita útil à vaidade de pares igualmente insípidos.

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      • Paulo Murano disse:

        Corrigindo: Democracia depende de distribuição de renda equilibrada. Algo que desconhecem e jamais abririam mão, sendo verdadeiramente castas privilegiadas e educadas em bons d8scursos que entretêm pares e nada mudam a realidade que lhe confere ser cara de pau, hipócrita consciente ou tolo descomprometido pleno de boas intenções.

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  • Paulo Murano disse:

    Outrossim, ensina-me a excluir email desta coluna de punhetagem. Tenho 59 anos e nem virtual corrompe meu senso de realidade. Como faço para deixar de receber publicações sauas e renca de inúteis com

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  • Paulo Murano disse:

    Afinal, Brasil se caracteriza pelo grosso de sua população ou pelos ideais de minorias que cagam em público crentes terem a quente merda perfumada?

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    • Paulo Murano disse:

      Proponho aos hipócritas que aqui buscam deleite em alma pidre, o seguinte: paguem a suas domésticas pelo menos três salários mínimos para 40 horas semanas de trabalho. Ou tangue para suas mãos esfregarem o freii de merda saqui cagadas Na prática inúteis, como toda merda.

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      • A. disse:

        Conhece-se muito a respeito de um comentarista quando ele precisa responder a si próprio…

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      • A. disse:

        Para alguns, horas avançadas é bom pra dormir…

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      • Paulo Murano disse:

        Desculpem-me, peço a todos pelos meus comentários e agressividade dementes. Aos poucos, a loucura tem testado minha mente. Tentarei com mais afinco que dela não mais escape.

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      • Carmen Leibovici disse:

        Paulo,dizem que de médico e de louco,todo mundo tem um pouco.
        Bom final de semana

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      • Paulo Murano disse:

        Sim, Carmem. Às vezes, subo a escadinha e ganho músculos diferentes. Outras, só preguiça. Então durmo ou desço pelo único bem que ganhei na vida: minha escadinha. Imagino um dragão na base e Deus no topo. Sei eusubindo e descendo nunca me pegarão. Bom fim de semana!

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      • Paulo Murano disse:

        Oi Catmem, eu de novo! Fiquei muitos meses ausente e hoje enfreitei maratona de ler artigos recentes deste blog. Surpreendeu-me o crescimento da incidência de comentários inúteis e, talvez, agora eu entenda sua atenção quando praticamente mandei todos tomarem no curioso buraco negro que desacredita a lógica humana rasteira. Abs e que descobertas de valor persistam neste FDS. Caso contrário, sabemos o tempo ilusão e inodoro para nós o pó futuro de todos que escrevem aqui. Em 50 anos ou menos, mortos ou vivos, permaneceremos nadas iguais a hoje e à utilidade desta coluna. Retomar silêncio é contribuição mais segura para ultrapassar a gravidade que aprendeu achatar nossas idéias.

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  • Paulo Murano disse:

    Sim, Carmem. Às vezes, subo a escadinha e ganho músculos diferentes. Outras, só preguiça. Então durmo ou desço pelo único bem que ganhei na vida: minha escadinha. Imagino um dragão na base e Deus no topo. Sei eusubindo e descendo nunca me pegarão. Bom fim de semana!

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  • GATO disse:

    Quanto desperdício, Oh quanta alegria em poder falar tanta verborragia. Senhor tende piedade de nós. Amém Pau Brasil.

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