De volta à senda da revolução

23 de abril de 2019 § 8 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 23/4/2019

Não acabou tão mal a semana que começou com o decreto que mandava saber a quem interessar pudesse que “fake news” passava a ser uma condição que podia ser monocraticamente atribuída a qualquer fato que dissesse respeito aos membros do STF, o que não apenas restabeleceria a censura e a pena de morte por garrote vil financeiro contra jornalistas e empresas jornalísticas que não respeitassem as “Ordenações Toffolinas” como, pior ainda, poria o STF acima de deus, como os reis da antiguidade. Ainda bem que o resto do Brasil, inclusive o Oficial que não anda lá com os pés tão firmemente plantados no chão ultimamente, ainda está voando bem mais baixo que o sr. Toffoli e seu menino de recados. Outra vez “under god”, agora só falta por o STF “under the law” para que o país volte a encontrar o seu limite e, a partir dele, reorganizar-se para seguir em direção ao menos da revolução democrática modelo século 18 que a minoria pragmática do governo Bolsonaro vem perseguindo.Voltamos ao ponto de partida: a reforma da Previdência vai porque tem de ir, a ver se reduzida a um par de gambiarras para comprimir os efeitos do passivo acumulado de “erros” (na verdade “acertos” dos bandidos contra os mocinhos), o que seria desperdiçar a longa caminhada desde 2013 que levou a dinastia lulista ao fim, ou se endereçando o futuro do Brasil pela confirmação do sistema de capitalização – o fim final da privilegiatura – como porto de chegada. A esperança de que o Brasil possa considerar a hipótese de vir a ser mais que um quase continente em fainas para pagar os proventos da nobreza estatal ainda não morreu, portanto. Podemos voltar a pensar nos fundamentos, sem a alteração dos quais não iremos a lugar nenhum.

Com o presidente da republica sempre fiel à sua disposição de fazer mais concessões às reivindicações de China e Dedeco, dos caminhoneiros, que às de Paulo Guedes, do Brasil, a Petrobras, outra vez cheia de si, ensaia a reação contra o fim do monopólio do gás e os ministérios da Ciência e Tecnologia, Agricultura, Minas e Energia, Infraestrutura e todos os outros rabos do governo com uma estatal para chamar de sua organizam abertamente a resistência contra as privatizações. Com o mercado a ponto de abandonar de vez a esperança de que o sonho de Paulo Guedes seja aqui, uma trégua foi estabelecida em torno do velho padrão “o que é que dá para fazer com a febre, excluída a única solução que cura a doença que a causa”.

A democracia 4.0, da virada do século 19 para o 20, uma etapa com repercussões revolucionárias muito mais profundas que as desencadeadas pela muito mais festejada democracia 3.0 cujo marco inicial foi o “We the People” da Constituição Americana de 1788, entrou em cena como uma revolta popular contra o poder dos monopólios estruturados pelos “robber barons”, os Odebrechts e “ésleys” lá deles, em torno da novidade da “ferroviarização” da economia norte-americana. É claro que lá jamais se cogitou a hipótese suicida de entregar a quem já controla as forças armadas monopólio algum, muito menos sobre insumos básicos de toda a economia. Mas em menos de 100 anos em vigor, a constituição, mesmo com a divisão dos poderes do estado e toda a parafernália dos “checks and balances”, se tinha provado impotente para lidar com a súbita transformação de uma sociedade agrária numa sociedade industrial urbana totalmente desprotegida, do ponto de vista institucional, contra a mistura explosiva dos efeitos da descoberta dos ganhos de escala com fusões e aquisições de empresas que confirmavam a concentração da propriedade como uma tendência inevitável também da economia moderna e a blindagem de políticos corruptos no mínimo durante os quatro anos de duração dos seus mandatos.

No duro debate que se seguiu, com todas as partes alegando a “defesa de princípios” para não alterar o status quo, Theodore Roosevelt chegou à síntese estruturada em cima da consideração de que o direito à propriedade privada não foi instituido para recompensar o amor às riquezas materiais ou ao capital, mas como um instrumento para o progresso da civilização e o engrandecimento do homem ao promover a igualdade de oportunidade pela garantia dada a todos de posse do produto do seu esforço individual. A partir dela ficou liberado o raciocínio de que quando estiver claro o conflito entre o direito de propriedade e os direitos humanos, estes devem ter a primazia, desde que se não perdesse de vista a constatação pragmática de que, para além do blá-blá-blá, os homens exercem a sua liberdade é na sua condição de produtores e consumidores que podem escolher seus patrões e seus fornecedores, sem a qual nenhum outro “direito” pode ser garantido. A conclusão era, portanto, que o estado democrático só pode intervir na economia para aumentar, jamais para reduzir a competição, orientação geral da política antitruste que se seguiu. (Foi o ponto mais alto da democracia, que só seria revertido com o enfraquecimento do estado nacional pela internet e a competição com o capitalismo de estado chinês).


Era preciso, poranto, estabelecer firmemente a soberania do consumidor. Como o gigantismo dos monopólios dos “robber barons” não era só resultado de competência mas também da corrupção e da compra de proteção e vantagens indevidas a políticos corruptos, a bandeira geral do movimento foi a da guerra contra o privilégio. Dada a diretriz moral, restava o problema de como transformá-la em ação. O instrumento encontrado foi a instituição, por cima de todas as outras forças atuando sobre a ordem institucional, da soberania absoluta do eleitor. O alvo inicial de Theodore Roosevelt, o vice que a sorte pôs no poder nos primeiros dias do mandato de William McKinley, assassinado (1904), era o direito ao referendo popular de sentenças judiciais que revogassem reformas aprovadas pelos legisladores eleitos pelo povo. Mas para conseguir a adesão do Partido Progressista, ele aderiu às bandeiras da retomada de mandatos (recall), das leis de iniciativa popular e do referendo das leis de iniciativa dos legislativos, e acertou redondamente no “errado”. Para tornar efetiva, e não para destruir, a democracia representativa, pôs o povo de fato no poder pela primeira vez na história do mundo, com o que roubou a bandeira dos socialistas americanos, e acabou mudando para sempre a humanidade inteira de prateleira.

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§ 8 Respostas para De volta à senda da revolução

  • Renato Pires disse:

    Quero saber é quando vamos acabar com a “Privilegiatura Financeira” do Cartorião Bancário que, em cima e por baixo da eterna,impagável e irreformável Dívida Pública, suga dia e noite o sangue da economia brasileira, impedindo-a de crescer e se desenvolver. Até quando, hein, Brasil Ceguinho?

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  • Infelizmente estou perdendo a esperança deste país fazer a coisa certa. Vejam a minha situação, tenho 57 anos e estou a mais de 3 anos sem trabalho, a desvalorização dos mais experientes é enorme aqui, ou meu currículo é uma grande porcaria, O desânimo e a depressão vão tomando conta do seu dia e prejudicando sua família. Ai você o gordinho minado do Maio preocupado com futilidades e com o poder,o “centrão” preocupado com a volta do toma-lá dá-cá e a oposição querendo que nada se faça apostando no caus. E nós brasileiros? Não estão nem ai a única preocupação é o poder ou a volta ao poder. Difícil ter esperança no futuro. O meu quando penso eu choro e não vejo futuro para as minhas filhas. Infelizmente as coisas só aconteceram com um ruptura e não estou falando de golpe ou revolução mas o pais quebrar e não conseguir pagar mais suas contas, neste caso o que me preocupa é o tamanho do caos. Mas pelo menos nesta hora seremos capazes de corta os privilégios adquiridos e realmente transformarmos o país conservador -liberal. Vamos torcer.
    Desculpe pelo desabafo mas minha situação é desesperadora.
    Concordo plenamente com sua teses de voto distrital puro, sistema de recall, referendo popular para leis que aumentam despesas ou criei privilégios.
    Obrigado

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  • Walter Alba disse:

    Excelente artigo Fernão! Voce deveria reunir teus artigos num livro para educar com tua lucidez e conhecimento o pais.

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  • Fernando Geribello disse:

    O insuperável Ruy Barbosa já deixou assentado que “a pior ditadura é a da toga, pois não temos a quem recorrer”.
    Infelizmente, a ver verdade, estamos vivendo em uma.
    Deveriam os Srs. Ministros da Corte Maior exigirem que os(as) juízes(as) das instâncias inferiores, ao menos lerem os processos antes de os julgar e, bem assim, que não demorem mais de 220 dias para julgar um simples Embargos Declaratórios, com nefastos prejuízos à parte que perder o processo e tiver de arcar com a correção monetária e juros do precitado período em que Sua Excelência levou para o aludido julgamento em total descumprimento às normas cogentes do artigo 143 do CPC.
    Como dizia Eça de Queirós, “é d’escachar”.
    E o espírito de porco, digo, de corpo, campeia.
    Fernando

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  • Herbert Sílvio Augusto Pinho Halbsgut disse:

    Está comprovado: nem todos ficam carecas de saber, muitos ficam carecas por simples alopecia e ficam por aí aprontando com ares doutorais. Penso se o DNA de uma única gota pode contaminar enormes porções do oceano e isso me ocorreu simplesmente, é claro, por curtir a charge acima. No caso da Operação Boi Barrica, em que o jornal O ESTADO DE SÃO PAULO pediu pela continuação do processo para que se avaliasse o mérito da questão e colocar um ponto final na mordaça instituída judicialmente contra este valoroso órgão de imprensa livre, democrática e responsável, O resultado definitivo foi confirmado após 3.327 dias do início do processo: “A plena liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia” .A questão da escolha dos senhores juízes, em qualquer instância é algo que precisa ocupar as mentes dos nossos melhores pensadores e legisladores e aqui o voto distrital puro daria ao povo todo o seu poder de participar e ser incluído definitivamente como um cidadão de fato numa República plena .A imprensa brasileira e mundial ganhou muito com a decisão do ESTADÃO e por meio de seu advogado Dr. Manuel Alceu Affonso Ferreira em pedir a análise do mérito da causa fortalecendo a cidadania!

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  • Helena Maria de Souza disse:

    Excelente!

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