O maldito vira-casaca!

23 de junho de 2017 § 35 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 23/6/2017

Vingado “o golpe”, estropiado o PSDB, tarde demais para o Brasil, o dr. Janot se anuncia disposto a conceder que existe sim diferença entre “caixa 2” para financiamento de campanhas e o comércio de leis e de acesso aos cofres do BNDES e das “brases” para cumplices no crime publicos e privados se locupletarem, seja de dinheiro, seja de poder ilimitado pela compra da desmoralização da política.

Estes que, ainda que descuidando de examinar a origem, tomaram contribuições privadas apenas para financiar campanhas por mandatos com início e fim – como tomaram todos quantos disputaram eleições nestes 32 anos – eram maioria no Congresso Nacional conforme estava prestes a ficar provado com a aprovação das duas reformas mandadas por Temer. Uma arranharia de leve o desfrute ilegal-legalizado dos dinheiros públicos pelo “marajalato” de que a corporação do Judiciário ocupa o topo. A outra tiraria de cena, junto com o trabalhismo de achaque, o imposto sindical com que, já lá vão 74 anos, Getulio Vargas garantiu que no Brasil, em se plantando democracia representativa, não dá.

Tudo foi providencialmente abortado na véspera de acontecer, mais que pela delação, que sozinha não tem força para tanto, pelas emocionantes “ações controladas” com que o dr. Janot sentiu a necessidade de ilustra-las, urdidas para o sócio do BNDES de Lula executar e para Luiz Edson Fachin, aquele juiz que discursava cheio de paixão nos comícios eleitorais de Dilma Rousseff, homologar em tempo recorde.

O reconhecimento dessa diferença a tempo poderia ter proporcionado a virada do cabo das tormentas a que estamos agarrados ha tres anos por dentro da política. Era o que antecipava uma população tão carente de qualquer gesto a seu favor que fez a economia real reagir antes de qualquer mudança concreta apenas por ter ao longo de um ano no primeiro posto da Republica alguém que falava de Brasil e não apenas de si mesmo. Mas o alinhamento que se ensaiava da política com remédio contra a política sem remédio a favor do Brasil não interessava, nem à “privilegiatura”, nem a quem sairia do episódio como o grande derrotado da conspiração mapeada desde o mensalão para “corromper a política” – e não só políticos – e impor ao país uma “hegemonia” bolivariana.

O efeito final que não se conseguiu com dinheiro acabou sendo produzido por essa cegueira temporária da justiça. Com todos os políticos amarrados no mesmo saco e ameaçados de afogamento iminente, Brasília se apropriou da marca de Curitiba e, rápida como um raio, reescreveu a “narrativa” da operação Lava Jato: o maior instrumento da conspiração para destruir a política com dinheiro, valendo quatro Odebrechts em numero de almas arrecadadas para o diabo, é reapresentado à platéia como o herói arrependido da luta contra a corrupção “dos brasileiros”; Michel Temer e Aécio Neves, o pedinchador de merrecas, passam de coadjuvantes a “chefes da quadrilha mais perigosa do Brasil”, e Lula, coitado, é transposto para os bastidores como um incauto abusado pelos ministros em quem ingenuamente confiou enquanto o solerte Renan, que sempre sabe onde é que a lepra vai recidir, dava no Senado a primeira punhalada na reforma trabalhista.

Ha muito, já, que o crime aprendeu a instrumentalizar a imprensa. Planta indignação para colher arbítrio com a mesma fria premeditação do terrorista que semeia pânico para colher ditaduras. Mas os jornalistas recusam-se olimpicamente a levar em conta esse dado da realidade. Graças a isso, ao dolo que sempre rondou a operação desse poder coadjuvante (o “4º”) das republicas porque poder ele é, também a leviandade do dono, a vaidade do reporter, a pusilanimidade do chefe e até a competitividade das empresas passaram a pesar sem peias na equação que transformou a arma antes mais temida na arma hoje mais acionada pelos inimigos da democracia no Brasil.

Vão pelo mesmo caminho os nossos Ministério Público e Poder Judiciário televisivos. Se estavam “funcionando as instituições” como se consolavam os brasileiros em dizer mais perto do espigão, isto já não é tão claro a esta altura da nossa ladeira abaixo pois nem na nossa vasta constituição está escrito qualquer coisa que autorize essa Lava Jato made in Brasilia, a elevar “pegadinhas” à condição de prova, homologar gravações sem gravadores, dar aos grandes a indulgência plenária negada aos pequenos ou “destituir” com um murmúrio de um indivíduo solitário 56 milhões de eleitores (ainda que traídos) sem processo nenhum.

Das 1829 almas angariadas pelos perdoados ésleys, o dr. Janot e o dr. Fachin monocraticamente contentaram-se só com duas. E para tras até da Fifa, seus colegas do STF, onde todos os votos querem continuar para todo o sempre “magníficos”, recusam a contraprova da realidade: se está contra a lei e está contra os fatos, danem-se a lei e danem-se os fatos. Mas não demorou muito e já temos mais um flagrante de contato de mucosas sem proteção entre acusados e acusadores desta delação a entortar a retidão da indignação pública tão cuidadosamente semeada. La estavam Lula, Joésley, Temer, Eduardo Cunha e sabe-se lá mais o que juntos uns nas casas dos outros, a nos dizer de novo o que já estamos cansados de saber: que não ha santos, ha apenas dossies ainda inéditos.

O pano de fundo que todos cuidam juntos de omitir, imprensa à frente, é o que imediatamente desconfunde toda essa aparente confusão: o quão estupenda é a passagem do marajá por este vale de lágrimas e doce é a vida sem crise do nomeado ou do concurseiro que consegue saltar da nau dos que sustentam para a nau dos que são sustentados!

Tem um Brasil que precisa de reformas para sobreviver e tem um Brasil que não sobreviverá a reformas. Um onde o salário só sobe e outro onde salário não há. Um que tem todos os direitos adquiríveis e outro que não tem direito nenhum.

É isso, sem emoções, que precisa acabar.

Não é pelo passado, em que se lambuzaram todos com todos, que Temer está sendo fuzilado. É pelo que propos para o futuro, o maldito vira-casaca!

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§ 35 Respostas para O maldito vira-casaca!

  • Renato Pires disse:

    Lullarápio et Quadrilha engendraram e estão executando friamente (talvez assessorados por potências estrangeiras, já que os cérebros são limitados) uma Contra-Lavajato, feita sob medida para tirar o foco da Quadrilha e joga-lo sobre os demais integrantes do jogo político sujo, que infelicita este País de há muito. A perfeita integração da imprensa global toglodita a essa manobra só tem uma explicação: obra do Cartório Financeiro, cujas entranhas estão vindo aos poucos para a luz do sol, e que portanto precisa desesperadamente de uma Contra-Lavajato para distrair, como sempre, a opinião pública enquanto trabalha nos bastidores para que tudo volte ao “normal”, ou seja, ao padrão de exploração desavergonhada de quem produz riqueza, prática de origem colonial que sobrevive oculta e intocado há séculos. Que tal acordar, hein Brasil?

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  • marcos a. moraes disse:

    Perfeito, perfeito, perfeito! O medo das castas não é pelas reformas propostas, tímidas em si, mas pelo futuro que se abre… Imagine se o nosso povo sai da hibernação de séculos, para começar a propor reformas que tornem o estado, de senhor da nação, escravo da nação? Imagine acabar com o capitalismo de compadrio, para termos uma capitalismo tão somente? Imagine barnabé trabalhando e sendo cobrado pelo desempenho? As castas estão tão apavoradas! MAM

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      • Renato Pires disse:

        O Brasil em mais uma crise! Que novidade! Infelizmente o Brasil tem avançado de crise em crise. Podemos quase dizer que o Brasil precisa é de uma boa crise para crescer e se desenvolver.
        Essa crise atual nos parece mais séria, é mais séria, não somente porque dela temos a percepção mais acurada, por efeito das redes sociais e dos meios de comunicação, mas porque realmente um modelo perverso de País, um modelo feito de exploração e injustiças sociais, construído e consolidado ao longo de cinco séculos, vai chegando ao fim, e o impacto desse fenômeno social é tremendo, configurando realmente uma crise estrutural de graves e importantes consequências.
        O tipo de País que se esgota é feito de privilégios e regalias, longamente outorgados e mantidos para uns poucos, e de grave injustiça social para a grande maioria, que padece todo tipo de carências.
        Erigiu-se no Brasil, desde a colônia, um sistema de privilégios e regalias para uma casta que se pendura no Estado, e o transforma numa máquina de extrair recursos e riquezas da população que trabalha e as produz, e para a qual se empurram, despudoradamente, as contas e as mazelas desse sistema perverso.
        Um verdadeiro Sistema Predador, que perdura e se reproduz há séculos no panorama brasileiro.
        Quem são esses predadores da grande maioria da população brasileira? De um lado do espectro político, a Direita Troglodita, composta de rentistas de todos os tipos, que vivem de explorar o Estado através da Dívida Pública; de empresas ineficientes, oligopolistas, infensas à concorrência, viciadas num subsídio fiscal e financeiro; de políticos venais e corruptos, que vivem de sugar o Tesouro; de privilegiados do serviço público, com salários milionários e produtividade desprezível, que se aposentam cedo e mantém seus inomináveis privilégios.
        E de outro a Esquerda Jurássica, que, seguindo as leis de Gramsci, ocupou e ocupa todos os espaços públicos ditos “dos trabalhadores”: as universidades públicas, onde, com salário garantido e sem cobranças, reproduz suas ideologias furadas e faz a cabeça do alunado, preparando os futuros soldados do sistema predador; os sindicatos, as associações de classe e as confederações trabalhistas, onde mamam e desfrutam livremente o injustificável Imposto Sindical, e os “movimentos sociais” que também vivem de sugar recursos públicos para conduzir suas inefáveis “campanhas”, movidas a preguiça, bagunça e violência.
        Espremida no meio dessa Prensa Maligna, lutando para sobreviver e pagando a conta desse descalabro social, debate-se a imensa maioria da população, sem recursos, sem saúde, sem educação, sem nada, submersa num mar de injustiças e impostos escorchantes.
        Felizmente, os dias dessa Prensa Maligna estão contados, pois o Sistema Predador, feito de privilégios e regalias, cresceu demais, agigantou-se, transformou-se num elefante morto nas costas dos verdadeiros trabalhadores, aqueles que produzem a riqueza desta Nação.
        Essa conta não fecha mais, o ajuste virá, queiram ou não os beneficiários dessa excrescência. Aproxima-se o juízo final do Sistema Predador, que vai terminar, por bem ou por mal.

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  • José Luiz de Sanctis disse:

    Pelas vias institucionais não há remédio, já que elas não existem.

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  • A tristeza maior é ver a conspiração e os falsários vencerem e não podermos fazer nada. A imprensa irresponsavel servindo a “nomenklatura” . Sem trocadilho, o filho de libaneses mexeu num vespeiro. Sindicatos, funcionarios públicos, todo o judiciário. É triste ver
    sempre triunfar a injustiça.

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  • ana maria disse:

    “A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento.” KUNDERA, Milan, O Livro do Riso e do Esquecimento

    Fachin, Janot e a maioria dos ministros do STF inventaram pós-Joesley “novas” regras sobre acordo de delação premiada – de que relator da Lava Jato só homologa a delação, sem analisar o mérito. Conversa fiada, mistificação. Com Teori Zavascki não era assim, não!

    Para lembrar: o ministro Teori não aceitou e devolveu à PGR o acordo de delação premiada do ex-deputado Pedro Correa. DEPOIS DE MINUCIOSA ANÁLISE DO MATERIAL, Zavascki entendeu que Correa havia feito uma série de denúncias contra empresários e políticos, entre os quais, os ex-presidentes Sarney, Collor, FHC, Lula e a então presidente Dilma, sem apresentar provas consistentes. A preocupação do relator da Lava Jato foi evitar que as acusações de Corrêa manchassem reputações e, depois, não fossem devidamente comprovadas ao final dos processos judiciais decorrentes delas. Nem por isso houve a agora alegada insegurança jurídica que inibiria novas delações e colocaria em risco a continuidade da própria Lava Jato.

    Fachin homologou a delação de Joesley contra o presidente da república aceitando uma pegadinha como prova, num áudio de péssima qualidade, com trechos ininteligíveis e sem ter passado por perícia técnica dos especialistas da PF. Pior: pelo acordo com a PGR, Joesley terá 120 dias para apresentar as provas contra todo mundo que ele delatou! Ou seja: agora, PRIMEIRO se homologa o acordo de delação – que pode derrubar presidente – e só DEPOIS juntam-se as provas. É uma versão do nosso faroeste caboclo: atirar primeiro, perguntar depois. Mas quem morre é o país, são as instituições, somos nós…

    Fachin é um fraco, Teori era um juiz.

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  • Milton Golombek disse:

    Fernão, mais uma vez parabéns pelo excelente artigo.

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  • Reginaldo Andrade disse:

    Excelente Fernão. Nestes tempos de insensatez, cegueira deliberada, consola ler tal mensagem e imaginar que este pesadelo há de acabar.

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  • Marcos disse:

    Data venia, um texto deste deveria ser reescrito em termos mais didáticos para que a maioria da população (analfabeta funcional) entendesse qual é o verdadeiro câncer que nos mata a cada dia.
    Uma vez redigido em termos simples, deveria ser colado em cada poste deste país, do Oiapoque ao Chuí, ou mais longe, talvez em toda América Latina. Ser recitado em toda escola, igreja ou boteco.
    Uma vez enxergado por todos qual é o real mal ele é expurgado rapidamente.
    Sigamos o exemplo de países que conseguiram extirpar esse veneno que retira do povo o poder de que sempre foi titular.

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  • Guilherme disse:

    Perfeito , lúcido e equilibrado como sempre.
    Obrigado , Sr. Fernão , seus textos são como um foco de luz em meio à densa escuridão .
    Mas a Luz vence as trevas , assim está escrito e sempre será (veja as derrotas de Hitler , Stallin , Mussolini , Lula , etc .) .

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    • marcos a. moraes disse:

      Lula foi derrotado por quem? MAM

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      • Renato Pires disse:

        Lullarápio foi derrotado pela sua psicopatologia profunda, que tem o Mal como substrato irremovivel e meio marginal de vida. É um câncer social, que precisa ser removido pelos meios democráticos, para nunca mais prejudicar este País como prejudicou

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  • Lourenço Meireles Reis disse:

    Parabéns pela clareza

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  • Patrick Scanlon disse:

    Apesar de apreciar muito o conteúdo das opiniões expressas pelo jornalista, não entendo porque o jornalista insiste nesta forma de escrever. As sentenças são parágrafos com clausulas e sub-cláusulas que se perdem no meio do caminho. Será que isto espelha o processo de raciocínio do autor? O jornalista gosta de recheiar os seus argumentos com exemplos do mundo anglo-saxão, é uma pena que não aprendeu escrever com a economia de expressão deste mundo.

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    • Carmen Leibovici disse:

      se você ,ou qq outra pessoa,não consegue entender os textos na primeira leitura,o que pode acontecer,repita-a qts vezes for necessário.acabará compreendendo e apreciando.
      o problema,no caso, não está no escritor mas no leitor.
      qto menor a compreensão dos leitores,mais os escritores deveriam aumentar o nível de elaboração e jamais rebaixa-lo para satisfazer a
      mediocridade.
      não estou dizendo que esse é o seu caso,apenas coloco uma ideia geral.
      eu aprecio os textos do Fernão,mesmo tendo de rele-Los vez por outra,o que não é um problema mas uma solução

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    • marcos a. moraes disse:

      MONTE SEU BLOG E ESCREVA DO JEITO QUE QUISER…MAM

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  • Adriana disse:

    E agora Fernão? Em que ponto estamos? Lava jato sendo destruída por juízes de cargos superiores, bolivarianos. Grande emissora suplantando a vontade popular, nos tornando um autoritarismo de mídia, o que passa longe da democracia. O que acha da atual conjuntura?

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  • pmc disse:

    A verdade real surge com o tempo, dia após dia, em diferentes fontes.
    Não há confiança.

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  • pmc disse:

    Dr. Fernão,

    Mesmo diante dos sucessivos agravos os erros se repetem em setores da esfera de comando que permanecem arredios à realidade dos fatos, refratários do que é eficiente e justo. Alguns realmente perderam o norte, outros ‘mil’ injustificáveis e tantos outros perpetuadores de mandatos contaminados.
    O panorama, em seu devido momento, requererá renovação e inovação, algumas, seriamente apresentadas neste espaço. Precisamos de Edward Coke, precisamos de bom senso e compromisso com a realidade do mundo. É o que eu refleti nesta últimas horas.

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  • pmc disse:

    .. que eu refleti nestas últimas horas.

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