Voto distrital misto x distrital puro – 2

15 de junho de 2017 § 21 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 15/6/2017

Lula, Dilma, Temer, o Ministério Publico, a PGR, todos dizem que é armação.

E é!

Quanto, em cada episódio, dá pra discutir até o fim dos tempos. Dê a alguém a prerrogativa de falar em seu nome e esse poder será abusado. Transforme uma instituição num gatilho e, mais cedo ou mais tarde, para o bem e para o mal, ele será acionado.

A legitimação do poder é a questão essencial da democracia. O melhor a fazer nesse quesito é não delegar nada: só o eleitor põe, só o eleitor despõe. A questão é como montar um sistema que viabilize isso com a necessária agilidade e economia de traumas. Há duas variações. Os sistemas de voto distrital puro com “recall” ou “retomada” de mandatos e o voto distrital misto com governo parlamentarista.

Aos exemplos. A Carolina do Norte elege 13 deputados federais e 170 estaduais. Toma-se o numero total de eleitores e divide-se pelo numero de vagas dos legislativos municipal, estadual ou federal. Isso dá o tamanho de cada distrito eleitoral. Cada distrito – nas eleições municipais um bairro ou conjunto de bairros – elege apenas um representante. Como os candidatos só têm de pedir voto naquele distrito acaba o problema do custo das campanhas e doenças correlatas. Nas eleições estaduais cada distrito (o numero de eleitores dividido por 170 neste exemplo) será a soma de “N” distritos municipais. Ou, nas federais, quando o estado será dividido em 13 distritos, eles serão a soma de “N” distritos estaduais.

Só senadores são eleitos pelo estado inteiro. A conta, aí, é nacional: o numero total de eleitores dividido pelo numero total de vagas. Como representam pessoas e não paisagens, onde houver mais população haverá mais senadores. Os demais representantes em Washington também não são deputados do estado “tal”, são deputados “do distrito nº tal do estado tal”. Cada deputado de cada instância pode, se quiser, saber o nome e o endereço de todos os seus representados. Se alguém morrer ou cair, só haverá eleição para reposição (special election) no distrito dele. Nada de suplente.

As fronteiras de cada distrito são redefinidas a cada 10 anos com base no censo. A Federal Election Comission é a unica que pode legislar sobre financiamento de campanhas. Todo candidato é obrigado a prestar contas até 15 dias depois de receber cada contribuição ou fazer despesas iguais ou superiores a US$ 5 mil. Dai para baixo cada um pode ter sua regra.

36 estados adotam o “recall” ou “retomada” de mandato para representantes eleitos. 19 estendem o “recall” para todo funcionário eleito (e todos que têm por objeto fiscalizar governos ou prestar serviços diretos à população, começando pelos promotores do equivalente do Ministério Público, são diretamente eleitos).

Na maioria dos municípios nem se vota mais em prefeito. Elege-se uma “diretoria” colegiada (“Council”) de cinco ou seis membros coordenada por um CEO com metas para cumprir. Não cumpriu, rua! Só as mega cidades têm prefeitos e câmaras municipais e, mesmo assim, nem todas. Cada uma faz como quiser. As eleições municipais são apartidárias. Concorre quem quiser sem pedir ordem a ninguém. As grandes cidades têm até constituições próprias regulando instrumentos como referendo, recall, leis de iniciativa popular, penas para crimes, gestão de escolas públicas, regras para endividamento e etc. Não estando em confronto com os 7 artigos e 28 emendas da constituição (aqui a soma é de 330!), valeu.

Todo assunto sensível vindo dos legislativos ou de iniciativas populares, vai a referendo. Entra na cédula da próxima eleição pedindo sim ou não do eleitorado inteiro. Nada de “consultas a movimentos sociais” valendo decisão e outras tapeações do genero. Voto, sempre, e de todos os afetados, sempre.

Todo e qualquer eleitor – até o morador de rua – pode derrubar seu representante. Basta iniciar uma petição. Não precisa haver razão específica ou crime. Um simples “não me representa” é suficiente. Se conseguir as assinaturas de 5% dos eleitores do seu distrito, convoca-se uma votação de todo o distrito para destitui-lo ou não e eleger seu substituto. O resto do país pode continuar trabalhando em paz.

O voto distrital puro põe o eleitor mandando diretamente em cada pedacinho do país, o que lhe dá poder mas não para tudo. Juntando grupos majoritários de pedacinhos do país, ele manda no país inteiro sem, no entanto, ganhar caminhos fáceis para golpes. Tudo tem sempre de ser aprovado passo a passo, na ida ou na volta, por todos os eleitores de cada pedacinho do país.

Agora vamos ao distrital misto. Ele também delimita a área em que cada candidato pode pedir votos. No resto, tudo fica meio como é no Brasil. Você vota diretamente num candidato mas dá mais um voto ao partido que vai pro candidato que ele puser numa lista lá dele. Você nunca sabe ao certo representante de quem cada deputado é: de um pedaço “X” do eleitorado ou de um grupo dentro de um partido com poder para montar a tal da lista.

Para remover quem se comportar mal tem de parar o país, convocar eleições gerais e votar numa nova mistura de partidos que, somados, dêem maioria e elejam um primeiro ministro. Ou seja, você até pode expulsar o ladrão, mas tem de deixar para a quadrilha a escolha do novo chefe.

A pretexto de baratear o custo da eleição e fazer representar todas as “tendências” da população nas suas mínimas expressões temáticas, o voto distrital misto mantem um monte de partidos e caciques decidindo quem pode ou não se candidatar a quê e legislando sobre tudo dentro e fora da sua casa e até da sua cabeça.

Resumindo: com voto distrital puro com “retomada” e referendo os políticos deixam de mandar e passam a obedecer. A partir daí você decide quais reformas fazer e quando. Com distrital misto com parlamentarismo os políticos – índios e caciques – entregam alguns anéis mas não os dedos com que continuarão te agarrando por todos os lados, especialmente na região do bolso.

Não é por outra razão que 9,99 entre 10 políticos preferem o voto distrital misto. É muito chato ter patrão!

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§ 21 Respostas para Voto distrital misto x distrital puro – 2

  • marcos a. moraes disse:

    UAU, mas porque separar o parlamentarismo colocando-o somente com o misto? OU li errado? MAM

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  • Marcos andrade moraes disse:

    UAU, mas porque separar o parlamentarismo colocando-o somente com o misto? OU li errado? MAM

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  • carmen leibovici disse:

    o tamanho dos distritos entao varia.para eleicoes municipais ou distritais teria um tamanho que mudaria nas eleicoes estaduais e federais?
    distrito e apenas uma formula aritmetica para que se possa implementar e fazer funcionar um sistema ?na verdade os municipios desapareceriam,ou poderiam desaparecer?e isso?

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    • Fernão disse:

      nao, minha santa!
      é só que ha eleição pra camara municipal e pra prefeitura de Quixeramobim e eleição pro congresso nacional e pra presidente do Brasil.
      os distritos sao sempre os mesmos, e cada um elege 1 unico representante.
      o tamanho dos legislativos (municipal, estadual, federal) é q é diferente. dai ser so 1 distrito quem elege 1 representante ou a soma de alguns distritos formando um estadual ou um federal, elegendo 1 rpresentante

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    • Fernão disse:

      são sempre os mesmos.
      conforme a eleição mais distritos elegem menos representantes.

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  • Eduardo disse:

    Fernão, houve uma ‘empastelada’ neste texto 2. Repetiu-se boa parte do texto 1! Abs

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  • carmen leibovici disse:

    Fernao,fiz algumas perguntas que parecem obvias,mas embora eu concorde com o principio discutido,para mim haviam ficado algumas duvidas em relacao a como funciona em eleicoes estaduais e federais…essa parte tecnica,vamos dizer assim,nao e muito minha preferencia.
    Em relacao ao comentario que segue-se ao meu,o artigo anterior havia sido publicado apenas no blog e nao no jornal,dai a repeticao

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  • marcos a. moraes disse:

    Vc não respondeu e fiquei sem saber. Pra vc o voto distrital simples tem que ser sob o presidencialismo? MAM

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    • carmen leibovici disse:

      boa pergunta
      voto distrital com recall sob presidencialismo ou sob parlamentarismo?

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    • Fernão disse:

      com recall e referendo so faz sentido assim.
      o ponto é:
      1 – definir exatamente quem representa quem; 1 distrito = 1 representante;
      2 – não delegar a gestão da sua representação pra ninguem: só o eleitor põe, só o eleitor depõe.
      se deixar pro Renan ou pro juiz de comicio vira Brasil. ou, depois de 3 mil anos de escola, uma Italia da vida

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      • Fernão disse:

        no parlamentarismo, conforme explicado no texto, a iniciativa de derrubar e o processamento da derrubagem cabem aos colegas do politico.
        e aí v continua na mão deles…

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      • marcos a. moraes disse:

        Desculpe-me pela insistência, mas continuo não entendendo, visto que é tudo novo para mim. Sou radicalmente a favor do voto distrital puro e as justificativas que defendem o misto, ditas até agora ( por exemplo, Pestana), me geraram os “sentimentos mais primitivos”. Todavia, não me ficou claro no texto como faríamos no distrital, para tirar Dilma ou, vá lá, Temer. Por outro lado, no distrital puro é licito especular que a Câmara e o Senado teriam composição com perfil menos “quadrilheiro”. Enfim, sinto falta de uma reflexão sua sobre a convivência do simples tanto com o presidencialismo, quanto com o parlamentarismo.

        MAM

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      • Fernão disse:

        o distrital puro com recall limpa a politica a partir da raiz.
        faz o eleito depender do eleitor todo dia pq pode ser deposto a qquer momento a partir de um abaixo assinado cf artigo.
        nesse sistema, derrubar presidente só por impeachment feito por políticos, mas políticos q v pode demitir todo dia.
        no parlamentarismo tem de pedir pro renan fazer por voce e so a turma do renan pode demitir o renan.
        distrital puro com recall nao serve pra resolver casuisticamente o problema do temer de ontem. mas serve pra por o pais sob nova direção, educar o povo pra democracia na pratica porque a partir dai ele estará armado e quando atirar o político ou funcionário visado cai, e para, assim, reconstruir tudo de alto a baixo para q nunca mais v tenha nem renans, nem temers, nem juízes de comício cassando o seu representante no seu lugar.
        é uma solução sistêmica e não pontual.

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  • marcos a. moraes disse:

    Agora entendi, mas não vejo assim. Acho que dá pra tentar o distrital puro com parlamentarismo. Até porque, conforme vc mesmo diz, educa-se o político. Logo, reduz-se a quadrilha. Além disso, penso que o presidencialismo não consegue mais responder às mudanças agressivas e velozes dos dias de hoje, gerando crises que só se resolvem pelo tempo ou impeachment. Obrigado. MAM

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    • Fernão disse:

      sim, claro,
      teoricamente v pode eleger quem quiser pelo sistema que quiser, inclusive o distrital puro.
      mas ele foi inventado como é para v poder DESELEGER quem te representa (e porque ele te representa e apenas a v e aos caras do seu distrito que assinaram o recall e votaram com voce) na hora que voce quiser.
      esse sistema existe para isso. pra ficar na mão de parlamentares v n precisa se dar esse trabalho. pode ficar com os sistemas que convêm a eles de ponta a ponta.
      mas não se iluda: assim como qualquer funcionário serve a quem tem o poder de demiti-lo, o politico, depois de eleito, serve exclusivamente a quem tem o poder de deselege-lo.
      Ja o funcionário publico, que é indemissivel, só serve a si mesmo.
      o resto, meu caro, é ilusão de noiva…

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    • Fernão disse:

      ok.
      mas de vez em quando olhe ao redor do mundo e veja o que v constata para alem daquilo que acha…

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  • Fernando Lencioni disse:

    Viu como tratar desse assunto é importante. Continue esse trabalho. É uma doutrinação necessária. Acredite você ou não, nem nas universidades esse assunto é devidamente estudado no Brasil. É a única maneira de ensinar as mentes dos brasileiros. Por mais incrível que pareça. É Fernão. Esse trabalho é seu mesmo. Formar consciências para gerar o debate. É o único jeito. Me parece. Parabéns.

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  • Ruy Augusto Sousa de Assumpção disse:

    Concordo com a justificativa do voto distrital. com recall. Fico receoso, com o parlamentarismo, principalmente por essas terras.Parece que se criará mais organismos. mais secretarias, mais dados serão levados ao jogo político.

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  • José Ozores disse:

    Prezado Fernão, interpretei a leitura do sistema eleitoral distrital, na Alemanha, disponibilizada no site da Deutsche Welle, onde há dois votos separados, no candidato e no partido; que o voto no partido é sem lista e vai eleger aqueles membros que receberam mais votos diretos nos respectivos distritos via voto partidário; isto torna variável o número de representantes e permanece a possibilidade do recall.
    Só não estava explicada a matemática pois variou de 660 para 580 representantes.
    Parabéns por sua luta por esta causa onde muitos já são apoiadores.

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