O seu destino por um fio

7 de junho de 2017 § 10 Comentários

Artigo para O Estado de S. Paulo de 7/6/2017

E cá estamos, o país a quem a corrupção e um jornalismo “corporate” sem osso cassaram a voz própria, reduzidos a assistir pela TV o nosso destino ser traçado à nossa revelia.

Conforme mil vezes prometido, do jeitinho que foi prescrito e está escrito, a cobra morde o rabo com a fuga dada aos 2ésleys. A ressaca da Queda do Muro, o caminho da ressurreição da esquerda latino-americana pela apropriação dos bancos públicos e fundos de pensão apontados a Lula e Jose Dirceu por Luiz Gushiken, a operacionalização do esquema com a gazua dos “campeões nacionais” da roubalheira, a desmoralização da política solapada por dinheiro bastante para comprar a metade do mundo, a infiltração do Judiciário ao longo de 13 anos de nomeações, tudo faz parte de um roteiro cuja propriedade intelectual tem sido reconhecida e reverenciada onde quer que sobrevivam ditaduras.

A longa marcha começa nos meados dos 90 pelo controle dos sindicatos de bancários. A “PT-Pol”, de “polícia”, como a chamavam as redações da época, passa a bisbilhotar as movimentações bancárias do país inteiro e a vazar seletivamente para os jornais os maus passos dos adversários. Uma cultura estava nascendo. É pouco a pouco que o jornalismo investigativo se vai entregando à guerra de dossiês.

A vida informatizada traz o esquema para a era do “grampo”. O “mensalão” é o último episódio onde se diferencia nuances. Flagrado o lulismo em delito de “corrupção sistemática dos fundamentos da república com vistas à imposição de um projeto hegemônico”, restava deslocar o foco do todo para as partes e ir daí para a indiferenciação.

É esse o ponto de não retorno: caixa 1, caixa 2, propina, tudo vai, insidiosamente, sendo feito “sinônimo” uma coisa da outra. E aí está a política presa inteira na arapuca, igualada ao pior de si mesmo.

Daí para a frente é poder contra poder. E velocidade passa a ser o que decide. Com todos os eleitos (com passagem obrigatoria, portanto, por algum “campeão nacional” de financiamento de campanhas) devidamente filmados e gravados basta, doravante, escolher o que publicar. Não é preciso provar mais nada. Não importa o que se disse e mesmo quem o disse em cada gravação. O contágio é por contato. Basta formar os pares. Diante dos avatares murmurando frases entre reticências sobre o cenário de fundo de rios de dinheiro correndo pelo chão, da cena mil vezes repetida do sujeito “ligado a” recebendo furtivamente uma mala, onde enfiar raciocínios com mais de tres palavras sobre quem tem recheado tantas malas ha tanto tempo e com tanto dinheiro, e para quê?

Mas o país insiste em se fazer essa pergunta. O Brasil inteiro sabe que tem alguma coisa no ar além das notas voando das vinhetas da televisão. Só que continua órfão de pai e mãe. Não tem quem fale por ele mas resiste como pode ao salto no escuro para o qual o empurram com tanta pressa. Nega-se às ruas para as quais o conclamam diariamente em prosa e verso. É nada menos que atroador o seu silêncio diante das circunstâncias.

Já o Brasil com voz – que não conduz, deixa-se conduzir – vai no arrasto de uma espiral de ódio. Quem não está na conspiração ou está bebendo vingança, ou está agarrado pelo silogismo moral em que a conspiração quer todo aquele que não “é”. Ninguém interroga os fatos; tudo é sempre empurrado para o “se”, o “quando”, ou o “de que jeito” se conseguirá torna-los consumados como se fosse certo que o sol da democracia renascerá sempre amanhã.

Não é. Ha dois brasis caminhando para um confronto e só um deles sobreviverá. Ou o da “privilegiatura”, reduzindo o da meritocracia à escravidão, ou o da meritocracia reduzindo o da “privilegiatura” à igualdade. Os dois juntos não cabem mais na conta. Ha também dois Judiciários funcionando em paralelo. Um que, tropeçando pelo cipoal legislativo e processual, investiga, colhe provas, processa e condena a partir de Curitiba numa velocidade que comporta credibilidade e tem no horizonte o respeito aos limites do contrato social. E o outro. Ha, por fim, dois legislativos e dois executivos. Em ambos ha quem, tendo jogado o jogo da politica como ele é, olha agora inequivocamente para o Brasil e procura saídas. E ha os que, na sua fé cega no lado escuro do bicho homem, só olham para a Venezuela … ou para Miami. O problema é que todos têm pelo menos um pé enfiado na “privilegiatura” e nenhum faz força para desatola-lo.

Vai ser preciso repensar isso. E rápido. Morta a ultima esperança o país, na melhor hipótese, está paralisado de novo até outubro de 2018. Nem vale a pena especular sobre o depois. A carga de novas misérias já contratadas nesta beira do caos de que partimos é muito maior que a que podemos suportar sem nos despedaçarmos. E o Legislativo já tem tido de engolir cala-bocas demais para acreditar que poderá sobreviver a isso com embarques e desembarques espertos ou pedindo ao povo que aplauda o seu apelo por mais sacrifícios.

Já o juíz venezuelizante é o milico de 64 modelo 2017, só que sem a reserva moral. Cava a entrada no jogo by-passando a regra porque é imoral. E este é vitalício. Não tem compromisso nenhum com o instituto do voto nem com a ideia de representação.

É essa a escolha que há. E metade dela já foi feita sem que fossemos consultados…

Este é, porém, um daqueles raros momentos da História em que a matemática e a necessidade fazem tudo convergir para um ponto com tanta força que até os milagres se tornam possíveis. O único programa econômico que pode fazer o Brasil reviver é também o único programa político que pode redimir a política. Os dois consistem no enfrentamento da “privilegiatura”, o ralo de todos os ralos da economia e o ponto de origem e de destino de toda essa corrupção.

Reforma da previdência “deles”, igualdade, referendo, “recall”. Se propuser à nação um compromisso sério para mudar definitivamente o sentido dos vetores essenciais de força que atuam sobre o “sistema” o Legislativo irá de vilão a herói em um átimo e faltarão ruas para as multidões dispostas a entrar nessa briga com ele.

Se não…

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§ 10 Respostas para O seu destino por um fio

  • EFETIVIDADE DOS MOVIMENTOS SOCIAIS = ATINGIR O CALCANHAR DE AQUILES
    A lenda grega de Aquiles ensina que todos possuem um ponto vulnerável. Os movimentos sociais brasileiros, que lutam por reformas do Estado, para serem efetivos, não podem dispersar energias atirando a esmo. Precisam concentrar fogo nos pontos vulneráveis do sistema político que desgraça o país. Um ponto fraco já foi identificado: a eliminação do Imposto Sindical vai submeter os sindicatos à dependência e aos interesses dos associados, que apenas se disporão a financiar as suas atividades, mediante contrapartidas justificadoras. O outro ponto fraco exige a eliminação do financiamento dos partidos com recursos públicos, em complemento à proibição da contribuição das empresas. Com isso os partidos também terão de buscar recursos junto aos seus afiliados. Nos dois casos empodera-se a população e se reforça o caráter democrático do regime. Assim como não há motivo para o Estado imiscuir-se na relação entre sindicatos e seus associados, tampouco existe razão para que ele se meta na relação entre os partidos e seus afiliados. Aliais, é um acinte que o imposto pago por um liberal financie atividades de um partido conservador, e vice-versa, da mesma forma ser um descalabro, que o imposto pago por um empresário, financie a ação de grupos que depredam o patrimônio privado ou público. Penso, portanto, que concentrar fogo contra o Imposto Sindical e contra o financiamento público dos partidos, conferiria objetivo e eficiência aos movimentos sociais. O resto virá por ação da gravidade.

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    • Saulo Mundim Lenza disse:

      Financiar eleições com dinheiro público, é abrir caminho para a cooptação de partidos que existem apenas para ganhar “seu quinhão”
      do indecente fundo partidário.

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    • Fernão disse:

      PERFEITO, Rubi!

      o fim do imposto sindical foi a unica reforma de alcance sistêmico que chegou a avançar no congresso nacional desde Getulio Vargas.
      a falsificação da representação no 1o elo da cadeia garante que em solo brasileiro, em se plantando democracia, não dá.
      se esta passar mesmo e o fundo partidario entrar na fila, começo a parar de sonhar com a Nova Zelândia…

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    • Meg disse:

      🎯🎯🎯

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  • jeanmorgado disse:

    O ” estamento burocratico ‘ (como definiu Olavo de Carvalho) tomou conta do pais. A gentalha oriunda dos sindicatos – agora bilionaria – se juntou a velha oligarquia sem ideologia dos “coroné” nordestinos e ao funcionalismo publico que jamais abrirá mão de seus privilégios e que sustenta essa estrutura de corrupçao, crime e descompromisso com o bem publico. O teatro do impeachment de Temer (que faz seu papel de ator ) apenas abre espaço para eleiçoes fraudadas e fora de época para a instalaçao da ditadura bolivariana e o golpe final no Estado de Direito, como fez Chavez na Venezuela e os Kirchner na Argentina. A ida de Temer e Dória as arábias foi a lápide do túmulo onde se le :”Aqui jaz o Brasil 1500 -1985 “

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  • Adoro seus comentários.

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  • Guilherme disse:

    Parabéns pela lucidez e coragem .
    Teremos muita luta pela frente até o fim dos privilégios indevidos e tão lesivos ao país.

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  • Márcia disse:

    Já que aparentemente não há a menor intenção de prender “a viva alma mais honesta deste país”, a melhor maneira de deixá-lo falando sozinho é excluindo a iniciativa privada da reforma previdenciária. Assim, o governo teria apoio massivo da população, e os oportunistas e populistas de plantão ficariam a ver navios. Com a iniciativa privada de fora, que bandeira eles levantariam, a da privilegiatura?
    Quanto ao RGPS, ele é deficitário porque jogam na conta do setor privado as despesas com as aposentadorias do BPC. O certo seria lançar esse déficit na conta do setor público, que é quem gera toda essa pobreza no país.

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  • marcos a. moraes disse:

    excelente; replicando! MAM

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