A agonia do Brasil

19 de agosto de 2016 § 20 Comentários

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Artigo para O Estado de S. Paulo de 19/8/2016

Sim, a festa está linda mas não é do Brasil, é só no Brasil. Quando acabar estaremos de volta àquele Rio de Janeiro de sempre com R$ 3 bi a menos de segurança pública por quinzena onde errar o caminho é morte certa.

Aquela abertura foi, sim, uma síntese, mas do nosso velho drama roteirizado. A mais moderna tecnologia emprestando cintilância à mais retrógrada e opaca das mensagens assinada, proverbialmente, pelos noveleiros da Globo ultra especializados nesse tipo de embalagem. Um gostinho para o mundo da anti-utopia que, desde os idos de 1936 é entoada diariamente como um mantra sagrado em todas as escolas e “meios de difusão de cultura da burguesia”: a quase centenária “recriação” stalinista das supostas “raízes” de um Brasil sem empreendedores, só com usurpadores de um lado e escravos do outro, que repudia a superação, sonha apenas com a “hegemonia” da favela.

Esse “Brasil” dos “intérpretes”, complacente com a derrota como provaram que não são cada um dos atletas verde-e-amarelos nas Olimpíadas disputadas na Vila construída pelos empreendedores “que não há”, é o único representado em Brasília. O que suava nas quadras e pistas em busca de glória e remissão pelo esforço individual não tem quem fale por ele na capital mundial do horror ao mérito que as Olimpíadas honram porque meritocracia pressupõe a morte do “Sistema” que vive da distribuição e venda de privilégios.

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No Brasil Real onde a casta dos funcionários públicos vence sempre sem ter de competir e é contra a lei evitar o suicídio orçamentário haja o que houver, ha sangue na água e os predadores se assanham. Com a inflação comendo por baixo 9% do valor do trabalho ao fim de 8 trimestres consecutivos de queda da produção e mais de 100 mil brasileiros da 2a Classe se juntando à legião dos desempregados a cada 30 dias, os bancos comem soltos. O volume de crédito concedido caiu 4,4% mas a “receita com clientes” subiu 4,2%. A cada “renegociação” das dívidas de empreendedores a quem a única garantia dada pelo “governo de salvação nacional” é a de que nada na equação entre contribuintes e “contribuídos” vai mudar senão para pior, aumenta forte o “spread” entre juros pagos e juros cobrados. Os quatro maiores bancos “lucraram” R$ 31,7 bilhões no segundo trimestre, volume de drenagem que se vem somar aos R$ 67 bi recem chupados pela União para garantir que os seus funcionários permaneçam fora da crise que criaram e aos outros R$ 50 bi que vão custar a renegociação sem contrapartidas das dívidas dos estados. Na fila os governos municipais, só 42 dos quais, em quase 6 mil, têm folhas de pagamento menores que a própria arrecadação apesar do frenesi de multas com que caçam o povo pelas ruas e estradas de todo o país. Jogue-se por cima disso a tempestade de “ações trabalhistas” que o desemprego em massa precipita, montando, este ano, a algo em torno de R$ 70-80 bi e tem-se um retrato parcial do estupro coletivo que o país que trabalha vem sofrendo.

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Bolsa subindo, dólar caindo? No mundo da “arbitragem de instituições” é assim: “Tá caro produzir aqui? A lei não garante? Empregar é expor-se à chantagem? Bora produzir em outro lugar”! E na contra-mão: “Tá fácil ganhar dinheiro no mole? É o juro mais alto do mundo? Vamos lá, enquanto durar!” Não tem nada a ver com a economia real. O Brasil que produz e cria empregos está sendo morto a chutes.

Nunca tantos foram tão estraçalhados por tão poucos. Como foi que isto se tornou possível?

O Sistema” produz exatamente o resultado para o qual foi desenhado. Partindo da falsificação constitucionalmente imposta da base de toda a estrutura de representação da sociedade civil a partir dos sindicatos que dispensam simpatizantes porque são sustentados por impostos, o esquema criado por Getulio Vargas foi clonado, a partir de 1988, pelos partidos políticos. E isto fez da nossa tão propalada “democracia” uma farsa em que os “representantes” se podem dar impunemente o luxo de dispensar o endosso dos “representados” aos seus atos. Fechado em si mesmo, “O Sistema” tem la os seus mecanismos de processamento de lutas intestinas mas o respeito à hierarquia interna, uma vez estabelecida, é sagrado sob pena de “morte”, por condenação aberta quando possível, por chantagem e “assassinato de personagem” quando necessário. Desse momento em diante garantir “o seu” e o “dos seus” às custas dos “de fora”, tão certo quanto que o sol nascerá amanhã, é o que os unirá a todos, para além do falatório, nos momentos de decisão. O conjunto é absolutamente blindado contra qualquer interferência externa, sobretudo dos eleitores, tanto antes, no processo de seleção dos candidatos aos futuros “hubs” de distribuição de acesso a privilégios que são os cargos eletivos, prerrogativa exclusiva dos grandes caciques segundo critérios inconfessáveis porém explícitos, quanto depois do momento fugaz da eleição.

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Esperar que o próprio “Sistema” atue contra si mesmo é, portanto, uma ilusão de noiva. Enquanto a imprensa ou pelo menos uma parte dela resistiu denunciando os avanços da casta que parasita a Nação e amplificando a voz dos que pagam a conta sobreviveram, ainda que aos trancos e barrancos, elementos de democracia nas instituições brasileiras. Depois que a ética corporativa substituiu a ética jornalística e a função institucional da imprensa, ultimo bastião dos desvalidos, cedeu lugar a uma conta de chegar na ordem das prioridades das empresas de comunicação, o caminho ficou livre.

Se a imprensa continuar a reboque da guerra de “acessos” aos dossiês com que as partes em disputa pelo controle do “Sistema” se alvejam umas às outras e seguir tratando a corrupção como causa e não como efeito da sujeição do país à ditadura de uma casta com direitos e deveres totalmente diferenciados dos do resto do povo, que ela, imprensa, esta dispensada de expor como o que de fato é, as atenções e as energias da Nação abusada seguirão dispersas e erráticas como estão hoje e não haverá meio de por um fim à opressão.

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§ 20 Respostas para A agonia do Brasil

  • Felipe Penha disse:

    O STF e câmara dos deputados prepara o pacote ” um pouco mais disso tudo “. Em plena luz do dia a lei da ” ficha limpa ” esperança de retirada do mercado de alguns dos canalhas da politica e a blindagem de parlamentares por Renan e Juca estão ai na boa . Absurdo esse coronéis fazendo o que bem querem .

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  • Luiz Antonio Genaro disse:

    É o que estava engasgado na minha garganta! O povo é uma manada de escravos. Estamos numa ditadura politica. Dá para acreditar!

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  • Marcos Dias disse:

    Excelente e sem tinta ideológica. Merece virar texto escolar.

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  • Fernão, inquestionável o artigo. O Brasil real que para “eles” não existe até quando irá suportar?

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  • joacibol@hotmail.com disse:

    Vcs do estadao não conseguem nem gerir este pasquim. …como dar credibilidade a algum diagnóstico salvador do Brasil. ..

    Esgarçaram as leis e as instituições em nome do deus mercado e fica aí posando de sábio. ..

    Obter o Outlook para Android

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  • José Silverio Vasconcelos Miranda disse:

    Você disse-o muito bem. A festa é linda, mas somente está no Brasil.
    Enquanto tivermos de suportar o peso dos privilegiados nada mudará .
    O pior é que as chances de mudança são mínimas. E se mudar, serão
    somente remendos. Homeopatia para curar septicemia.

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  • Arnaldo Frizzo disse:

    TOTALMENTE verdadeiro ,explica porque empreendedores estão desestimulados com o Brasil. Sem relações incestuosas ou espúrias, impossível prosperar. Nesse caso melhor retirar-se. Isto explica inúmeros insucessos e desistências com o País, a menos que se busque o caminho da corrupção.

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  • Carlos disse:

    Diagnostico certeiro, sem nuances ideológicas, infelizmente este estado de coisas vai perdurar por muito tempo, ou até o Pais quebrar de vez, inexiste qualquer possibilidade de mudanças afinal de contas os conquistadores jamais deixarão seus postos.Viva o que chamam de Brasil livre e democrático.

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  • Marcos Jefferson da Silva disse:

    Enquanto o ”Sistema” mantiver suas regras intactas (opressão dos representados para manutenção dos privilégios dos representantes e do funcionalismo público) nada vai mudar, sejam quais forem os atores governamentais. Assim, necessário destruir esse ”Sistema” e instaurar a verdadeira democracia, onde a representatividade de fato seja um de seus pilares.
    Caminhos: voto distrital com recall. O problema é como realizar essa reforma, tendo em vista, o esmorecimento das forças que poderiam exigi-lo.

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  • Fernando Lencioni disse:

    Nossa Fernão. Que artigo denso e tenso. Exala a sua revolta contra esse sistema de manutenção de privilégios. É… eu sei… às vezes eu também fico assim. Me passam coisas absurdas pela cabeça. Mas o pior mesmo são as coisas que não ficam somente na cabeça das pessoas e num mero un passant você já vê no que pode dar: mais um movimento equivocado. Explico: o movimento “Muda Brasil” está fazendo uma campanha para convocar uma nova constituinte. Até aí tudo bem, né? Errado. Pretendem os representantes do movimento que o simples fato de defenderem a convocação de uma constituinte exclusiva e formada por pessoas com competência técnica seja suficiente para garantir uma constituição liberal, um sistema de governo efetivamente controlado pelo povo e etc. etc. etc. Ora, porque será que os brasileiros pensam que basta a pessoa ter competência técnica que ela estará livre de vícios ideológicos. Se alguém prestou atenção viu que tivemos juristas renomados dos dois lados do impeachment. Este é o ponto. Os americanos sabem muito bem que a despeito de nós podermos ter duas pessoas igualmente competentes e com um grande fundo de conhecimento para escolher para ocupar um cargo importante a visão de mundo dela é importantíssima para definir em qual delas votaremos. Claro. Trata-se de uma escolha de mundo. O mundo que eu quero. Assim, coloca-se, mais uma vez, a carroça na frente dos burros. Eles deveriam primeiramente pesquisar e deixar claro qual visão de mundo eles estão defendendo e depois, então, apresentar as propostas que fundamentariam a nova constituição. E isso, sublinhe-se, é muito fácil e pode ser colocado em alguns poucos artigos constitucionais facilmente compreensíveis a todos. Defender uma constituinte exclusiva sem definir qual mundo nós desejamos para nós mesmos é tornar possível que as esquerdas, retrógradas e socialdemocratas, ganhem novamente e aprovem uma constituição ainda pior do que esta. Fica lançado o alerta.

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    • Fernão disse:

      concordo totalmente, fernando.
      tem de partir de uma receita previa. por exemplo, “excluir da constituição tudo que esteja em conflito com o principio da igualdade perante a lei”.
      isso sim, é uma bandeira objetiva, clara e muito dificil de atacar…

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  • Carmen Leibovici disse:

    Temer conversa com todos,mas seu mais precioso interlocutor é o Paulinho da Força.

    O Brasil só vai deslanchar quando os cordõezinhos que fazem dançar a sociedade brasileira atada aos sindicatos ,puxados pelos mais “cultos in chief” ,como Temer ou o pretendente Aécio,quebrarem.

    Lula ,o crasso,quis voar muito alto e não quis mais ser “puxado”pelas cordinhas na dança dos fantoches;esse papel estava reservado aos que tem mais “finesse” intelectual(como Temer),e por isso caiu,mas ,provavelmente ,não por muito tempo,pois uma vez entrado no “sistema”,na categoria “in-chief”,crasso ou não,não sai mais,sobretudo nos dias de hoje onde “inclusão”é a palavra de ordem.

    E a prova é que a família coteminas,que já serviu à Lula,já está na fila, a postos, para tomar posição.

    Lula não será deixado a míngua,não…

    PS:Concordo com o papel crucial da imprensa.Pena que não se fazem mais cabeças sérias e conscienciosas como antigamente…

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  • Carmen Leibovici disse:

    Melhorando um pouco a expressão:

    Lula ,o crasso,quis voar muito alto e não quis mais ser “puxado”pelas cordinhas na dança dos fantoches;quis ele mesmo puxá-las.Mas esse papel estava previamente reservado aos que tem mais “finesse” intelectual(como Temer),e por isso ele caiu.
    Mas ,provavelmente ,não por muito tempo,pois uma vez entrado no “sistema”,na categoria “in-chief”,crasso ou não,não sai mais,sobretudo nos dias de hoje onde “inclusão”é a palavra de ordem.

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  • Luiz Antonio Genaro disse:

    Pensando Bem. O Brasil é dos brasileiros! Não é do politico, governante e nem dos servidores públicos. O cidadão brasileiro comum está se sentindo um estranho. Devemos acabar com essa politica de mercenários, escravizante e antipatriota. E temos a arma democrática para nos livrarmos desses maus políticos. Está faltando os empresários reivindicarem seus direitos.
    Greve geral dos empresários! Todas as empresas entrar em greve. Como faz os trabalhadores.
    Encaminhar abaixo assinado ao congresso nacional propondo e exigindo as seguintes mudanças:
    1. Lei Eleitoral. Voto distrital. Somente dois partidos políticos que deve abrigar todas as correntes ideológicas;
    2. Remuneração dos políticos e servidor publico deve ser com base no salário mínimo. O Politico não pode ganhar mais que 100 Salários mínimos entre salário e auxílios e pagar todos os encargos como um trabalhador comum. E sair tudo do seu bolso transporte, moradia e alimentação.
    3. Acabar com classes especiais de trabalhadores e servidores públicos. O empresário é tão trabalhador quanto um trabalhador. A balança está desajustada. Empresários estão mau representados.
    4. Trabalhador: Deve ganhar por hora trabalhada, ter uma conta corrente bancaria do trabalhador, onde o empregador depositará o salário e encargos e automaticamente esta conta credita o salário que é do trabalhador, credita os encargos INSS, FGTS, etc… Sem gerar custo administrativo nenhum a empresa. O Governo não pode mais administrar o dinheiro do trabalhador.
    5. Criar o Fundo Monetário empresarial “FME” parecido com “FMI” Quando uma empresa estiver em dificuldade vai para o FME que vai fazer o mesmo processo que utiliza o FMI com o Brasil. E usar os mesmos juros do FMI.
    6. Previdência Social e Saúde: Todo trabalhador formal e informal tem o direito a aposentadoria completando a idade estabelecida. Tirar a cobrança desse encargo das empresas e cobrar 10% sobre todos os produtos e Serviços. Estes recursos serão administrado pelo tesouro nacional. E para o cidadão acioná-lo deve contratar um despachante credenciado e pagar os honorários deste prestador de serviços que inicialmente para não gerar o desemprego do servidor do INSS transforma-los em despachantes. Acabar com despesas administrativas. Os recursos deste fundo que sobra deve ser investido em desenvolvimento com juros civilizados.
    7. Todo cidadão ou empresa tem o direito da concorrência “Publica”. Veja nas Olimpíadas. Uma única empresa autorizada a vender os produtos nos espaços públicos. Como isso é possível?
    8. O Governo não pode ficar com toda a arrecadação em seu poder.
    Basicamente é um belo início.

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  • jcmrizzo disse:

    Caro Fernão, Li com admiração mais esse magnífico artigo de sua autoria, nessa “cruzada” que você está empreendendo contra o “sistema” e sua indecente “privilegiatura”. Parabéns! Estou à sua disposição para ajudá-lo no que for necessário para carregar essa bandeira. Acho que você tem que continuar tentando, primeiramente, sensibilisando a classe jornalística a que você pertence e depois, com a maioria da imprensa a favor da causa, arregimentar movimentos sociais para manifestações de rua expressivas. Afinal, somos 180-190 milhões contra 20-10 milhões de “privilegiados” que controlam o “sistema”. Força Fernão! Claudio José Claudio Marmo Rizzo _____

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  • honorio sergio disse:

    Fernão elogiar um texto primoroso como este que você postou é chover no molhado, o que mais me impressionou, é falar sobre as Olimpíadas com total imparcialidade e expor uma verdade que poucos veículos de imprensa tem a coragem de fazer parabéns!

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  • JOAQUIM PINHÃO disse:

    Eles não mudarão por si! Precisamos, não sei bem como, provocarmos as mudanças.
    Proponho começarmos com

    1 – PROPOSTA DE EMENDA POPULAR A RESPEITO DE EXERCÍCIO DE CARGOS PÚBLICOS

    Nenhum cidadão nomeado, concursado ou eleito para cargo em um poder da República, de Estado ou de Município poderá exercer cargo nomeado, concursado ou eleito em outro poder da República, de Estado ou de Município sem renunciar ao cargo primeiro.

    2 – PROPOSTA DE EMENDA POPULAR A RESPEITO DE REELEIÇÃO LEGISLATIVA

    Artigo Primeiro – Nenhum Cidadão poderá cumprir mais que dois (2) mandatos legislativos.

    Artigo Segundo – Esta Lei é aplicável a mandatos legislativos cumpridos e mandatos legislativos a cumprir.

    Artigo Terceiro – Esta Lei é aplicável a todos mandatos legislativos, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, das Assembleias Legislativas dos Estados e das Câmaras de Vereadores dos Municípios.

    Artigo Quarto – Revogam-se quaisquer disposições em contrário.

    Joaquim Pinhão – Eng.Aer
    Rio Claro – SP

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