É preciso começar já

19 de abril de 2016 § 14 Comentários

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Artigo para O Estado de S. Paulo de 19/4/2016

72% a 27%. Impressionante a precisão! Seja qual tenha sido a sua impressão com aquelas longas horas diante do espelho, domingo, uma coisa é indiscutível: a Câmara representa, sim, a realidade nacional. A nação, através dela, falou e disse e só não a ouviu quem optou por fazer-se de surdo. Se o governo tivesse conseguido subornar a sua minoria qualificada de 172 votos como Lula anunciou oficialmente que estava tentando fazer teria “acatado a decisão soberana da Câmara dos Deputados” e enfiado Dilma Rousseff goela abaixo dos 2/3 do Brasil que não suportam nem ouvir o nome dela para encerrar de uma vez para sempre a questão do impeachment. Como não conseguiu, “é golpe”. Será “golpe” sempre, a menos que vença o único golpe que os “surdos” querem ouvir.

É alto o preço que se tem de pagar para não destruir instituições. Essa gente não merece a paciência com que o Brasil a tem tratado. Numa coisa, entretanto, têm razão. Não foi “uma vingança”, foram 367 vinganças, fora a de Hélio Bicudo assinando a denuncia de crime de responsabilidade de Dilma Rousseff por todos os outros petistas honestos que foram tombando ao longo do caminho, contra esse PT que sobrou e vive sozinho no Olimpo atirando seus raios sobre a multidão dos idiotas. Jose Eduardo Cardoso é a mais recente encarnação desse delírio. Como esmurra fatos à vontade sem que ninguém lhe atire perguntas que o tragam de volta à Terra, insiste naquela Dilma sem pecados “nem apego a cargos” com que as(os) passionárias(os) jurássicas(os) do golpe sem aspas “anulam”, a cada frase, junto com a mais patológica das arrogâncias, 72% do eleitorado pesquisado, 72% do Congresso Nacional, o rito estabelecido pelo STF, a lei de Responsabilidade Fiscal, a Constituição da Republica, a falência da Petrobras e das outras “brazes”, a aliança medida com os empreiteiros ladrões e seus doleiros, a verdade da matemática e mais todo o resto da realidade sobre a qual o sol arrebenta de brilhar.

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Num sistema onde segue sendo necessário eleger-se, político trata daquilo que sabe que lhe renderá manchetes. Vide Jose Eduardo Cardoso e a recorrência do seu novo figurino de advogado de seriado de TV. É por isso que, nas democracias saudaveis, é a imprensa amplificando as queixas e os pleitos difusos do eleitorado quem pauta o discurso dos políticos. O fato da imprensa brasileira pós regime militar se ter acostumado a deixar-se pautar por eles mesmo depois – muito depois! – que os políticos deixaram de ser a expressão da resistência de um eleitorado impedido de eleger para se transformar na de uma casta que se outorga privilégios e cassou aos eleitores o direito de deselegê-la, é um elemento essencial da presente desgraça. Acentua essa distorsão o isolamento geográfico e social da Brasília que vive do e para o Estado onde não entram as crises que grassam aqui fora, cujo sintoma mais alarmante é a alienação da realidade nacional sintetizada no grito do “Não nos representa!” que pos em marcha o processo ora em curso.

A produtividade do trabalho no Brasil parou de crescer faz anos; o sistema educacional foi aparelhado e destruido e ha pelo menos tres o país anda para traz. Vínhamos numa trajetória de arrumação do Estado, valorização da regra e políticas sociais focadas nos mais pobres mas tudo isso se inverteu. Apenas com juros subsidiados pelo Tesouro para os amigos do BNDES o governo torrou R$ 323 bilhões, equivalentes a 13 anos do Bolsa Família; as contas nacionais passaram a ser falsificadas e a mentira transformou-se em “razão de Estado”. Tudo que conquistamos nos anos 90 já está perdido mas a crise mal começou. Os problemas acumulados são gigantescos, a marcha à ré será dramática partindo de um patamar já muito baixo, e não será uma simples troca de governo que resolverá tudo isso, mesmo que se supusesse toda a disposição para atacar os problemas do “Brasil real” a que esse PT que só chora por si jura hoje, como jurou sempre, ódio eterno.

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Com o quesito “luta pelo poder” suficientemente encaminhado e a próxima tentativa rondando perigosamente as margens do mesmo pântano da “governabilidade” por linhas podres que acaba de tragar a obra de toda uma geração de brasileiros, a imprensa poderia dar uma contribuição muito maior ao país se passasse a trabalhar mais para informar Brasilia sobre o que se passa no Brasil do que o contrário. Obrigar os políticos a tomar conhecimento da profundidade da crise do país real; cotejar seus numeros com as amenidades e numeros da vida na Ilha da Fantasia onde os salários nunca se extinguem, os aumentos se dão por decurso de prazo, ha “auxílios” para tudo e para todos isentos de imposto de renda, as aposentadorias partem multiplicadas por 33 é obrigar o país a encarar esses fatos, primeiro, medí-los, em seguida, e fazer escolhas reais e conscientes, finalmente, sem as quais jamais sairemos do brejo. O ponto a que chegamos e o encolhimento do espaço para gorduras mórbidas num mundo implacavel com a ineficiência impõe providências que respeitem a matemática e, para chegar a elas, é preciso, primeiro, deixar que a luz do sol incida sobre a camada mais grossa da mentira que cerca a realidade do Brasil do Terceiro Milênio que segue embrulhado num discurso de falsificação da realidade que já era velho no último século do Segundo.

Um governo para o Brasil real só poderá estruturar-se em torno de uma proposta para os problemas reais do Brasil. Previdência, inchaço do funcionalismo politicamente apadrinhado, subsídios, estrutura tributária, a armadilha trabalhista, as vinculações das contas nacionais, as regras que fazem o ambiente de negócios e, sobretudo, a velocidade com que tudo isso evoluiu para pior nos ultimos anos são, ao mesmo tempo, os ingredientes da bomba que produz um deficit recorrente de R$ 150 bilhões e crescendo R$ 30 bilhões por ano sobre a qual estamos sentados, e os indicadores dos caminhos reais para desarmá-la.

O Brasil não tem tempo. É preciso começar já.

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§ 14 Respostas para É preciso começar já

  • Hugo Riccioppo disse:

    Alguém precisa avisar o Advogado Geral da União , que ele não pode defender o(a) Presidente, em caso de crime de responsabilidade, pois assim estará indo contra a União, portanto, é crime.

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  • Hugo Riccioppo disse:

    Reescrevendo:
    Alguém precisa avisar o Advogado Geral da União , que ele não pode defender o(a) Presidente, em caso de crime de responsabilidade, pois assim estará indo contra a União e portanto, é crime.

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  • Amaury Machado disse:

    O que constrange profundamente as pessoas (só 200 milhões) é a perda de muitos sonhos das famílias que tiveram o projeto de vida frustrado pelo seu projeto de poder juntamente com esse ex-presidente, aí. Seguramente serão vinte anos de trabalho (uma geração e meia) para pagarmos a conta que esse “governo” vai nos deixar.

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  • arioba disse:

    Parece que o sentimento de cidadania voltou aos políticos, FALTA APENAS APARECER UM ESTADISTA, que ainda não temos. Ainda somos comandados pela coronelada do poder do pudê. A moral e a ética demanda a existência de um estadista que as conduza.
    O político é muito volátil, e a corrupção o corrompe facilmente, e coronel do poder vive da corrupção.
    arioba

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  • Hugo Riccioppo disse:

    Fernando,
    você tem sido nos seus editoriais de uma precisão e clareza incríveis!
    O Brasil está precisando muito de brasileiros assim, lutadores pelo bem da justiça e honestidade.
    É o único jeito de sair do buraco em que toda esta canalhada, governo petista e políticos em geral, nos meteu.
    Parabéns.

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  • Sem dúvida, já. Apesar das dificuldades que o pulha do Renan ira criar. Artigo nota 10. Parabéns Fernão.

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  • honorio sergio disse:

    O Governo é o retrato puro e simples da população que o elegeu, procuramos os culpados, ora, os culpados são meus parentes,vizinhos,amigos de trabalho, nunca eu.

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    • Também acho. Assim como o Legislativo-Câmara- amostragem da sociedade que os elege.

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      • Paulo Murano disse:

        Discordo. Menos de 40 dos deputados federais que votaram a favor do impedimento da Dilma Jararaca foram declarados nos votos dos eleitores. O restante ganhou votos de legenda graças ao jurássico sistema eleitoral brasileiro. Há muito a fazer por aqui no Brasil.

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      • O comportamento expressado antes do voto é típico da mediana da sociedade, basta verificar nas ruas. Não há dúvida de que o nosso sistema eleitoral é jurássico. Espero que o Temer assumindo tenha coragem em pelo menos iniciar a mudança. Afinal, ele tem uma significativa bancada de apoio.

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  • Prezado Fernão, tenho a certeza de que o seu Pai, Ruy, deve estar aplaudindo seu texto, onde quer que ele esteja ! Lúcido, corajoso e veraz , nos dá uma mostra de que não fugimos à luta ! Parabéns pelo estilo e conteúdo !

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  • Otacílio Guimarães disse:

    Fernão, excelente artigo, como sempre. Apenas um detalhe: os problemas acumulados e agravados pelos governos petistas são de tal ordem que não vejo saída pelas vias dessa oclocracia esclerosada que continua governando o país. O que restava do Brasil foi virtualmente destruído pelos governos petistas e o país não tem mão de obra qualificada para efetuar a reconstrução. Muita gente pensa ingenuamente que o problema do Brasil era só o PT. Não é, o problema é o seu esquema (pois não é sistema) político apodrecido e suas instituições mal estruturadas, além de carecer de um arcabouço jurídico capaz de impedir os excessos e punir exemplarmente os delinquentes de todos os níveis. Tudo isto somado a índole do povo, que no geral é de uma irresponsabilidade elefantina, sem falar que a maioria ainda acredita no socialismo/comunismo como solução, me leva a não acreditar na recuperação do Brasil, que eu considero o maior fracasso de um país que tinha tudo para dar certo, menos gente capaz. Um país cujos políticos têm vergonha de dizer que é da direita e todas as siglas partidárias se dizem socialistas, não terá um futuro promissor. Afinal, o único sistema que deu certo em alguns países foi a democracia capitalista, aliada, é claro, a um bom sistema de educação, pois sem este nada é possível.

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  • Perfeito, Fernão! A imprensa poderia dar uma contribuição muito maior ao país se passasse a trabalhar mais para informar Brasília sobre o que se passa no Brasil do que o contrário. É o que temos tentado fazer aqui na Voz do Cidadão com o programa de cultura e cidadania corporativa. Mas para isto, na minha modesta opinião, seria necessário o empresariado pensar mais em educação cívica e política pela imprensa do que em publicidade paga de “Quem vai pagar o pato”. Pois se todos os cidadãos pagadores de impostos, pagam compulsoriamente, só o empresariado sabe como se organizar em torno de uma estratégia de limitar a voracidade do estado, ao invés de resolver seus problemas tributários via elisão fiscal ou simplesmente comprando políticos e agentes públicos.

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