E o direito do Brasil à ampla defesa?

12 de abril de 2016 § 16 Comentários

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Artigo para O Estado de S. Paulo de 12/4/2016

Distribuir postos privilegiados de tocaia ao dinheiro público a perseguidos pela polícia; contratar explicitamente o assalto ao Estado de amanhã para comprar a impunidade pelo assalto ao Estado de ontem; distribuir dinheiro, cargos e até ministérios como os da Saude e da Educação, não com a desculpa da “governabilidade”, como de hábito, mas declaradamente para salvar Dilma Rousseff de responder por seus atos?

Se não tivesse havido crime nenhum até esse momento – que houve – aí está mais um flagrante de “desvio de finalidade” pra ninguem botar defeito.

Assim como não entendem o sentido de democracia, institucionalidade e interesse público, Dilma Rousseff e o PT nunca entenderam a natureza desta crise. Não custa repetir: a vitória sobre a regra é a crise; a garantia da vitória da regra, sempre, é o único antídoto para a crise.

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Releve-se o acinte dos berros de “golpe“. Vamos que tudo isso “dê certo”; que todos os gatos de Lula e Dilma sejam vendidos por lebres não porque tenham deixado de ser gatos mas porque os “seus” juristas e legisladores consigam impor uma lei determinando que gato passe a ser chamado de lebre. A confiança se restabelece? Desaparece o buraco? A economia retoma a sua marcha? Pois é. Cada vez que o PT comemora o “sucesso” de mais uma operação de uso da lei para driblar a lei e das instituições para destruir as instituições mais irreversivelmente ele se descredencia para reverter a crise de confiança e liderar a ressurreição da economia.

Ao definir-se entre a véspera e o dia seguinte de uma eleição para o cargo máximo de um regime de representação como o avesso do que vendeu aos seus representados Dilma Rousseff selou seu destino. Teve uma oportunidade de remissão quando deu a Joaquim Levy a encomenda de desfazer o que tinha feito, mas a tentativa esvaiu-se na implacável determinação do PT de não retroceder um centímetro no território ocupado do Estado brasileiro.

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Tudo que aconteceu desde então tem sido um desperdício criminoso no altar de um delírio de poder antidemocrático e de uma arrogância doentia cujas falsas expectativas ninguém menos que o STF tem contribuído para alimentar. Tudo tem sido tratado como se só o que estivesse em causa fossem os direitos individuais de Dilma Vana Rousseff e não os dos 204 milhões de brasileiros cuja obra de vida está sendo destroçada. A estes nega-se liminarmente o direito à “ampla defesa” em nome da qual a continuação de todos os “crimes difusos” têm sido justificados apesar dos flagrantes sucessivos da polícia. Única instituição com poder de definir limites para essa obra de desconstução, o STF – seja quando provocado, seja por iniciativa individual de ministros que não se mostram à altura da instituição – tem produzido invariavelmente o efeito de empurrar sempre para mais longe as margens do atoleiro eventualmente alcançadas.

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A discussão bizantina sobre se é crime ou não é crime destruir um país mediante o meticuloso processo com que se preparou passo a passo, com dolo e com cálculo, o terreno para o logro que foi esta eleição revelado na minuciosa reconstituição dos fatos pela polícia só permanenece em pé graças aos sucessivos “habeas corpus” que têm sido concedidos às formalidades capengas por baixo das quais se esconde a mais rasteira e, graças a eles, reiterada má fé. Não é por acaso que o surrado expediente batizado nesta reedição extemporânea como as “pedaladas fiscais” está exatamente descrito e tipificado como crime em todas as legislações democráticas do mundo, assim como na Lei de Responsabilidade Fiscal brasileira. Levar um país à desestruturação fiscal para comprar poder e privilégios para uma casta é o maior e o mais velho dos crimes. O Brasil sabe por experiência própria que é assim que se arrasa a esmo a economia das famílias, destrói a obra e compromete-se o futuro de gerações inteiras. Manter tais processos ocultos mediante a falsificação de contas, a mentira e o terrorismo verbal é tão imperdoavel quanto detectar um câncer num paciente mas declará-lo são e proibir que seja tratado até que seja tarde demais para curá-lo.

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O isolamento geográfico e institucional de Brasília é um dado essencial da tragédia brasileira. Fosse a capital da República aqui no país dos 10 milhões de desempregados só pelo aperitivo do desastre que se está armando e os palácios já estariam cercados. Mas lá onde os empregos nunca se extinguem, os salários sobem por decurso de prazo e as aposentadorias valem 33 vezes o que valem as nossas soa razoável que venham de dentro deles, e aos berros, as ameaças de “pegar em armas” contra a ralé que reclama por pagar com miséria por tais “direitos adquiridos”. Os milhões de epopéias e dramas que constituem a carne e os ossos de tudo que se abriga por baixo da expressão “economia brasileira” simplesmente não repercutem naquele mundo onde é no grito, quando não na “mão grande”, que se ganha a vida e todo argumento racional se dissolve no liquidificador do silogismo formalista.

Um tanto tardiamente a parte sadia do Congresso esboça uma reação. Mas para além da responsabilização de quem cometeu crime de responsabilidade sem a qual a economia não voltará a respirar, esta crise põe novamente em tela a urgência da mudança essencial pela qual o Brasil terá de passar se quiser um lugar num mundo que não tolera mais meias medidas. Para garantir que os representantes dentro do nosso sistema de decisões de fato ajam no interesse dos seus representados é preciso transferir o direito à última palavra sobre os destinos da coletividade das mãos de grupos delimitados cooptáveis que vivem numa redoma de privilégio para as dos próprios interessados mediante a tecnologia do voto distrital com recall que põe esse poder nas mãos do conjunto dos eleitores e separa as verdadeiras democracias dos regimes obsoletos de servidão, mentira e exploração da miséria.

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Recall e democracia no Brasil

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§ 16 Respostas para E o direito do Brasil à ampla defesa?

  • Lourenco Meireles Reis disse:

    Muito bom

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  • Estamos assistindo ao final melancólico do sonho de um povo que gosta de viver de boquinhas e de jeitinhos, detesta o estudo e o trabalho duro, odeia os bem sucedidos acusando-os de ladrões – pois criou-se a falácia no Brasil de que todo rico é ladrão – e sem nenhuma perspectiva de melhora pois qualquer que seja o resultado do processo de impeachment o estrago já está feito e inexiste mão de obra capacitada para reverter esse quadro de horror. Este é o resultado claro, cristalino, do que acontece com um povo abestalhado que ainda acredita na conversa mole e desonesta de picaretas enganadores como o senhor Lula da Silva e toda a sua turma de petralhas. Querer construir uma democracia verdadeiramente sólida com os votos de analfabetos e ignorantes incapazes de sobreviver sem o bolsa família é uma pretensão tão tola que logo termina nisso que ai está: a derrocada econômica e moral de toda a sociedade. Os únicos que têm direito a ampla defesa neste processo – e você esqueceu de citar isto em seu artigo, o que é imperdoável – são aqueles que não votaram nesses picaretas do PT. Os demais merecem mesmo ir para as profundezas da mais abjeta miséria.

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  • Cris Dias de Souza disse:

    Pensamos da mesma forma, mas você escreve lindamente!

    Cris Dias de Souza

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    • Cris, você deve estar se referindo ao Fernão Lara Mesquita, um dos poucos jornalistas brasileiros que merece o meu respeito, pois a maioria me dá nojo. Se o povo brasileiro que compõe a banda saudável da sociedade quiser salvar o país, tem que partir para cima da banda podre, pois a situação sob todos os aspectos está insuportável. E a única salvaguarda que o país tem é a sua banda saudável composto por pessoas que demonstram não ter medo da banda podre liderada por esse indivíduo primário que pretende dominar o Brasil através do Foro de São Paulo, o Lula Lalau da Silva. Se o Brasil tivesse um poder judiciário respeitável esse sujeito já estaria na cadeia desde o episódio do mensalão.

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  • Milton Golombek disse:

    Sensacional !

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  • mario disse:

    Ótimo!

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  • Sônia Denise Fernandes Mondadori disse:

    Parabéns Fernão!
    Você capta perfeitamente o “espírito” da coisa. Esses eufemismos que tomaram conta de tudo: Crimes – apequenaram-se para singelos “malfeitos”; Fraude fiscal, crime fiscal , para “pedaladas” e o desanimador é ver isso repetido ontem na sessão do impeachment até por aqueles que são contra o governo.
    Há que se por os verdadeiros nome nos bois. Com esses expedientes é que conseguiram a tomada de poder.
    Temos de repetir à exaustão que houve CRIME FISCAL.
    Quanto ao funcionamento de nossas instituições, é um espanto. Todos sabem que há compra de votos com dinheiro público há poucos metros do Planalto! Isso pode?
    A quem caberia tomar providências imediatas?

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  • Carmen Leibovici disse:

    O que me desanima um pouco é ver a petulância desses se concretizar,para além até do Brasil.
    O poder “tem força” mesmo!Escutei hoje que Paulo Maluf saiu da lista de procurados pela Interpol.Isso é simbólico,não é?
    Como é que faz?
    Essa gente é de uma cara dura “quase transcendental”.

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  • Lucila Esteve disse:

    Voce disse tudo.Essa gente tem que ser presa logo pois cada dia que passa aumenta o estrago

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  • Arnaldo disse:

    Perfeito! Compartilhei parcialmente teu artigo do Estadão do dia 31/03 (foi o primeiro artigo teu que li) que já tinha achado espetacular. Esse compartilhei por completo, simplesmente esplendoroso!

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  • Fernão Lara Mesquita tem alicerces. Parabéns. Suas palavras encontram eco em nossa razão e coração.

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  • Patricia disse:

    Concordo. ‘Alicerces’, sempre.

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  • José Luiz de Sanctis disse:

    Excelente! Sem tomarmos as rédeas com o voto distrital com recall, continuaremos deitados eternamente em berço NADA esplêndido. Esse é o partido do crime continuado. Cometem crimes ininterruptamente para se manterem no poder. Domingo certamente serão chutados para fora, mas depois começa o trabalho duro de tomarmos as rédeas dos oportunistas que ficarem.

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  • AVELINO AMADO disse:

    Fernão, estamos numa crise machadiana ??

    Tive o privilégio de ler, nas escadarias da Redação do JT e Estadão, a famosa carta proibida de publicação que o desassombrado Rui Mesquita enviou ao Ministro da Justiça dos Generais de plantão na época, explodindo que o Brasil não era uma Uganda qualquer, pois a ditadura tinha passado de todos os limites, como agora ocorre na Uganda moderna, a Venezuela bolivarianista.

    Tinha um imenso orgulho de ajudar a fazer o JT e Estadão !…

    Assistindo agora a TV do STF, vendo Suas Excelências procurando pêlo em ôvo e, como dizia meu quase analfabeto pai português, puxando mais sardinha para seu prato de batatas, subscrevo in totum suas palavras do direito à defesa do Brasil.

    Volto meu pensamento para o patriarca da ABL e de nosssos vestibulares, Machado de Assis. Dúvida machadiana, o Brasil foi ou não foi traído ??

    Em Dom Casmurro, de 1899, publicado em 1900, portanto há 116 anos, nosso imortal maior deixou uma dúvida cruel – Capitu traiu ou não Bentinho ?

    Vejo Celso de Mello, decano da Corte, citando Cicero de Roma, e os gregos clássicos, dizendo que o Poder não é o Direito, porque não representa a verdade verdadeira, embora sempre queira… Cáspite ! Bolas !!

    Então a Capitu presidente traiu ou não Bentinho Brasil com o Pixuleco?
    Excelências !!! Esta NÃO É a principal questão !!!

    A questão é se o rebento nascido, legítimo ou bastardo, o povo brasileiro, vai sofrer as consequências por muito e muito tempo !!!

    Não importa se o Juiz Sergio Moro seguiu rigorosamente os filigramas dos códigos de processo !!…., O conteúdo das gravações são provas por seus próprios fatos !!

    Metam logo na cadeia, por muito e muito tempo, esse enganador e sua vazia, verborrágica gabolice, deixem dessa mania do politicamente correto só porque o elemento é nordestino e culturalmente analfabeto!! Nós não somos nada ??

    Se a meta dele era ficar rico só falando asneira, que na cadeia monte uma seita dessas televisivas que há por aí, e terá o que gosta = palco, microfone e platéias de idiotas crédulos nas suas promessas de um céu melhor e mais fácil que todos os outros céus, e ganhará uma rede inteira de televisão como outros idiotas já ganharam, e muito dinheiro, seu único valor na vida !!

    Por favor, não desista, Fernão. Lembremo-nos do inesquecível Rui.

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