A teoria do presunto

15 de junho de 2015 § 12 Comentários

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Toda semana leio nos jornais e assisto na TV meia dúzia de entrevistas ou debates com “especialistas” sobre o que fazer para reduzir a corrupção. São de uma falta de imaginação que, ora me põe pronto para dormir, ora me empurra para fora do limite das regras da civilidade.

A única exceção que tenho visto em todas essas entrevistas é o professor Modesto Carvalhosa, advogado de São Paulo que estudou profundamente o assunto em vários países diferentes e recomenda a medida óbvia do “performance bond”, já abordada várias vezes aqui no Vespeiro. Adotada ha mais de 100 anos nos países civilizados, ela é de tão comprovada eficácia para impôr um distanciamento higiênico e profilático entre o governante que contrata obras e o empreiteiro que as executa que não adotar esse expediente até hoje já é uma confissão de má intenção e um convite ao crime.

pres2Agora, a legião de “especialistas” que junto com os políticos e outros diletantes – aí incluídos os bem intencionados – repetem infindavelmente que é preciso “aumentar a fiscalização”, esses despertam em mim os mais primitivos sentimentos adormecidos.

Aumentar a fiscalização é aumentar a doença. Aumentar o número de fiscais é aumentar o número de achaques. Renan Calheiros — veja lá! — e Eduardo Cunha estão propondo agora uma Lei de Responsabilidade das Estatais, com requisitos mínimos para se nomear seus diretores, coisa que passaria a ser atribuição deles próprios (Câmara e Senado) e outras perfumarias destinadas a transferir para as mãos das “excelências” as prerrogativas que são hoje do Poder Executivo nesse campo.

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O que a História do Brasil nos diz — e não só a do Brasil — é que criar mais um departamento no estado para fiscalizar empresas estatais não é uma cura, é uma metástese. Se insistirem em manter o presunto pendurado na janela – isto é, as estatais – deve-se contar como certa a permanente convivência com o enxame de moscas. Se colocarem o Exército Brasileiro inteiro em volta daquela carne gordurosa e fedorenta com a missão precípua de espantar as moscas, o que vai acabar não são as moscas mas o Exército Brasileiro; uma parte (a menor) por cansaço, outra parte (a maior) porque será corrompida por elas.

Tudo que se vai conseguir é um novo departamento recheado de funcionários indemissíveis pomovidos por tempo de serviço com sua descendência “pensionável” até a terceira geração; na sequência virão comissões de fiscalização do ente fiscalizador na Câmara e no Senado; mais além surgirá um Tribunal Especial de Fiscalizações e adiante a comissão especial da CPI da Fiscalização e a comissão especial de reforma do sistema de fiscalização…

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E, no entanto, é tudo tão simples. Não querem as moscas? Tirem o presunto da janela!

Acabe-se com as estatais, primeiro porque dinheiro com dono já nasce blindado. Ninguém jamais estará mais incentivado a impedir que seja roubado que quem suou para ganhá-lo. E, segundo, porque já é tarefa grande o suficiente para o Estado tratar de impedir o poder econômico de abusar do resto dos mortais. Pôr um contra o outro, sem misturar papéis nem de um lado nem do outro, é o resumo do que o mundo veio a conhecer como a revolução democrática, aquela, do século 18 que o Brasil pulou.

Haverá corrupção ainda, depois de feita essa separação de papeis? Haverá. Corrupção – o impulso de colher sem ter plantado – é uma força da natureza. Mas tendo, primeiro, sido suprimida 90% da “ocasião”, algo próximo disso será deduzido do numero de ladrões.

pres6Para os que sobrarem ha sempre o resto dos mecanismos de desincentivo à corrupção “a posteriori”. Fazer seguir ao crime infalivelmente o castigo é coisa que todo hominídeo sabe que funciona desde o tempo das cavernas. Só os mentecaptos e os mal intencionados ainda insistem que o melhor remédio para reduzir a criminalidade é deixar os bandidos na rua caçando vítimas.

A China, por exemplo, pega o corrupto e o executa com um único tiro de pistola na nuca num estádio lotado, mandando a conta dessa única bala para a família do executado. É um modo talvez exagerado de enfatizar que com dinheiro público nem se brinca, nem se desperdiça. Não é preciso tanto. Basta trancar o ladrão numa jaula e jogar a chave fora, como se faz nas democracais mais avançadas.

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Um zé dirceu pronto para ser exibido na TV a qualquer momento na sua devida jaula ano após ano, década após década, vale por 500 mil discursos contra a corrupção e uma legião inteira de fiscais. Inversamente, um único deles solto após seis meses é o bastante para anular de uma vez só todas as leis anticorrupção de um país e condená-lo à danação eterna. Como dizia Theodore Roosevelt, nada pode ser mais subversivo do que um corrupto exibindo impunemente o seu sucesso. Que argumento terá uma mãe da favela para convencer seu flho a pegar em livros e não em fuzis se os corruptos seguirem sendo ovacionados pelo governo e brilhando nas colunas sociais e os trabalhadores honestos continuarem pobres, humilhados e ofendidos, trancados em seus casebres porque as ruas estão ocupadas pela bandidagem?

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Para juízes que, pelo mesmo crime, sentenciam os zés dirceus a seis meses e os Marcos Valérios a 40 anos de prisão, os Estados Unidos, por exemplo, têm o remédio das “retention elections”. Em toda eleição majoritária a cada quatro anos, aparece na sua cédula, conforme o distrito em que você vota, o nome do juíz encarregado daquela circunscrição por baixo da pergunta: “Deve o meritsíssimo Fulano de Tal permanecer intocável em suas prerrogativas de juiz por mais quatro anos”? “Sim”, ou “Não”. Em caso de “Não”, o sistema porá outro juiz intocável enquanto se comportar bem no lugar dele (aqui). Junto com o recall, que permite a quem votou nele cassar a qualquer momento qualquer político que desrespeitar o mandato recebido — vereador, deputado, senador — , isso é quanto basta para que ninguém que não presta vá longe, seja no Legislativo, seja no Judiciário, que dirá chegar a um tribunal superior.

Os remédios estão, portanto, todos ao alcance da mão e não passam de uma meia dúzia. O resto é tapeação. De modo que o que precisa crescer e se tornar radical é só a intolerância dos eleitores, leitores e telespectadores para com os políticos e os jornalistas e seus especialistas amestrados que insistem em tratá-los como idiotas toda vez que esse assunto ressurge.

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§ 12 Respostas para A teoria do presunto

  • José Luiz de Sanctis disse:

    Para mudar a legislação é preciso acabar com as raposas que estão tomando conta do galinheiro.

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  • Lucila Esteve disse:

    E por ai mesmo mas aqui como nao e civilizado fica dificil.
    Modesto Carvalhosa para mim e o que sabe mais sobre como se deve fazer politica.

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  • Luiz Barros disse:

    A propósito do tema de seu post de hoje, Fernão, segue artigo publicado na pág. 2 do Jornal da Tarde ao final da década de 1990, à época em que meu editor, de opinião, era o Lourenço Dantas Motta

    REFORMANDO A REFORMA

    Luiz Barros

    Conforme já comentei nesta coluna, o brasileiro nasce, cresce, envelhece e morre ouvindo falar em reformas. Reformas são necessárias em estruturas inflexíveis, que não se aperfeiçoam naturalmente. A rigidez dos modelos institucionais brasileiros e o desleixo em relação a cuidados cotidianos de manutenção de todas as coisas é o que faz com que o país viva fechando para reforma. As reformas demoram tanto, sempre, e se desfiguram tanto ao longo de seu “processo” que como se nota com facilidade, a maioria das reformas já nascem velhas.

    Mais que isto, parece que há uma tendência atávica, na cultura brasileira, dada a força conservadora das instituições e corporações que se opõem às reformas, por um lado, e as conveniências políticas e igualmente corporativas dos “reformistas”, de outro lado, que acabam por transformar as “reformas” elas mesmas em instituições dotadas de vida própria, inclusive se dotando-se A Reforma, entidade que adquire estatura mitológica, de estruturas tecno-político-burocráticas.

    Tais estruturas passam a viver em função de si mesmas, as reformas adquirem vida própria e distanciada da realidade institucional a que pretensamente visavam reformar, passando a constituir em universos paralelos na esfera social em que atuam.

    Tal aberração paradoxal atingiu o máximo de visibilidade na História brasileira recente quando, há alguns anos, chegou a ser instituído no País um Ministério da Desburocratização.

    A Reforma Psiquiátrica no Brasil já atinge paroxismos desta natureza. Transformou-se em entidade mitológica, institucionalizou-se em si mesma, incrustou-se no Estado em dezenas de comissões constituídas país afora, estabelecendo um universo paralelo ao das instituições psiquiátricas, gerando novas instituições sem reformar as antigas… vivendo enfim em função de si mesma.

    No Congresso Nacional, onde transita o projeto de lei da Reforma Psiquiátrica há mais de dez anos, o assunto nunca foi resolvido, afinal de contas, não apenas por ser polêmico e objeto de debates radicalizados e ideologizados entre facções antagonistas. Fundamentalmente, o assunto nunca chegou a deliberação final porque até o momento todas as propostas foram medíocres e inconsistentes.

    De fato, a pressão política pela aprovação da reforma, seja à feição dos antimanicomiais, seja à feição dos pró-hospitalares, foi tão intensa, em variados momentos nestes últimos dez anos, que, houvesse uma boa proposta, de um lado ou de outro, ou como um tertius, e a lei já estaria aprovada.

    As propostas até o momento foram medíocres pelo simples motivo de que a Reforma Psquiátrica, em si mesma, enquanto instituição que se burocratizou e passou a constituir em universo paralelo prenhe de seus próprios significados mas alheio à realidade psiquiátrica do País carregou até agora em seu seio agentes tão míopes, entre as variadas facções, que não foram capazes de apreender o verdadeiro significado da Revolução Psiquiátrica em curso.

    A verdadeira revolução que ocorre hoje no universo da Psiquiatria, no mundo inteiro, a partir da década de 1980, origina-se no fato de que muitas pessoas acometidas de transtornos mentais, assim como muitos de seus familiares, passaram a “militar” ativamente na área de saúde mental, lutando pela conquista de seus direitos e agindo em busca de sua saúde mental, com apoio de profissionais de saúde mas buscando desvencilhar-se de sua tutela.

    O fantástico desenvolvimento da psiquiatria clínica, lastreado no desenvolvimento tecnológico da farmacologia, por um lado, e a fabulosa contribuição da antipsiquiatria e dos movimentos antimanicomiais para a ruptura de estruturas sociais há séculos condicionadoras das relações no universo da psiquiatria, foram os dois fatores que levaram a esta possibilidade de uma nova construção social.

    Entretanto, os antimanicomiais radicais estão congelados em referenciais da década de 1960, enquanto os pró-hospitalares radicais encontram-se congelados em referenciais seculares ou, do ponto de vista mais recente, aos referencias das inovações tenológicas da famacologia muito marcantes nas décadas de 1950, 1970 e, agora, ao que se vislumbra, “sem limites”.

    O sujeito político-social representado pelo portador de transtorno mental militante e ativo na área de saúde mental, de forma responsável e em linguagem acessível ao restante da sociedade, é uma construção da década de 1980 que é fruto da convergência tanto do desenvolvimento tecno-científico da psiquiatria, como da abertura política pioneira proporcionada pela ruptura dos antimanicomiais.

    Tendo estes desenvolvimentos antagônicos da psiquiatria gerado as condições para a autonomia político-social das pessoas acometidas de transtornos mentais e seus familiares, não podem agora os antimanicomiais e os psiquiatras pró-hospitalares fazerem-se de surdos às vozes que ajudaram a despertar.

    * * *

    NB – A lei de saúde mental afinal aprovada em 2000 resultou mediocre, permitindo apenas a desconstrução da maléfica estrutura manicomial e não se concebendo formas adequadas de assistência à saúde aos que disto necessitavam/necessitam.

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  • honorio sergio disse:

    Esse Pais só muda debaixo de bala…

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  • Ana Elisabeth Adamovicz de Carvalho disse:

    Perfeito!!!

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  • “Os remédios estão, portanto, todos ao alcance da mão e não passam de uma meia dúzia. O resto é tapeação”

    E não aplicam porque não tem interesse, haja visto a Presidente Dilma sobre a corrupção alegar que não é de agora !!!

    Fazer o que quando o mau exemplo vem do planalto pra planície.

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  • Eles tem interesse em ter muitas empresas direta ou indiretamente controladas pelo Estado e assim aplicam a Teoria do Salame. Fatiam e comem a vontade porque se poucas ou seja, comendo o salame inteiro em pedaços grandes engasgam e fica mais fácil descobrir os glutões.

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  • […] Fernão Lara Mesquita, jornalista, em seu blogue Vespeiro. […]

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  • Ronaldo Sheldon disse:

    As medidas são conhecidas, simples e eficazes, mas aplica-las significaria a implosão de tudo isto que está aí e uma boa parte do Brasil se veria, de uma hora para outra, sem meios de sustento. Acabaria o Bolsa Teta!

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  • fernaslm disse:

    é isso, don ronaldo,
    o que dá pra fazer é ajudar o povo (que eventualmente vai às ruas) a focar. até 2a ordem, isto ainda é um regime de maioria e, quando todo mundo quer, passa ate a maioridade penal que a globo não quer…
    quem quiser entrar na luta tem de apontar as soluções.
    poucas e boas.

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  • A Globo não quer!, será porque o governo também não quer? Os petistas protegem com intenções políticas ideológicas o mal, o erro e por aí vai, enquanto a Globo dá uma no cravo e outra na ferradura. Afinal atrás disso tem um business do qual ela leva a maior parte.

    Um dos luminares da esquerda festiva do RJ, um deputado de um daqueles Prós…., é um com o cabelo branco todo enrolado sei lá o nome, e apresentou a brilhante tese parabenizando o Uruguai pela liberação da maconha segundo ele ” com a liberação o consumo diminuirá”

    Menos mal o ilustre parlamentar contrário a redução da maioridade não tenha ainda apresentado mudança no Código Penal à tirar as penas inclusive as de prisão por crime ” e assim a criminalidade diminuirá”

    O que esperar desses que nos representam na casa das leis? Ou a sociedade age com manifestações duras com objetivos determinados ou vai continuar na algazarra atual com muita espuma.

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  • Hundrsen disse:

    Depois de tudo que foi dito sobre termos saído de uma ditadura militar para da nossa “liberdade” fazerem isso…

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