Chama o John Wayne!

28 de maio de 2015 § 20 Comentários

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Duas histórias que indiretamente são conexas chamaram minha atenção nos jornais de hoje.

Uma, do Valor Econômico, dava conta da saga dos fabricantes de sapatos brasileiros que, ha cerca de 20 anos, massacrados pela burocracia, pelo peso dos impostos, pela chantagem “trabalhista” e pelas manipulações do câmbio, desistiram do Brasil e foram fabricar sapatos em Dongguan, na China. É o mesmo pessoal do Vale dos Sinos, RGS, que esteve no centro de uma longa série de reportagens  do Jornal da Tarde dos meados dos anos 80 cujo mote eram “Os guerrilheiros da prosperidade nacional”, micro e pequenos empresários que, contra tudo e contra todos, ainda conseguiam produzir no país em níveis de excelência.

Eram ainda os tempos em que os jornais perscrutavam o Brasil real, sentiam suas dificuldades e faziam-se porta-vozes de soluções para os seus problemas, em vez de se limitar a amplificar as mentiras e mesquinharias das “fontes oficiais” como é norma nas redações de hoje. Com isso obrigavam o país oficial a olhar para os problemas dos brasileiros reais e estudar soluções para eles.

Essa série de reportagens, apesar da circulação restrita a São Paulo do JT, pautou o resto da imprensa e pôs em marcha dois movimentos que entraram definitivamente para a pauta nacional – uma campanha pela desburocratização dos trâmites para a criação e operação de micro e pequenas empresas e a criação de um regime tributário especial para elas, além de iluminar o drama generalizado que era e continua sendo produzir no Brasil.

De lá para cá a internet entrou em cena, as fronteiras nacionais se dissolveram e os pequenos alívios no garrote vil que eventualmente se conseguia arrancar a fórceps da máfia que desde sempre explora os brasileiros deixaram de fazer diferença para a competição aberta contra produtores ao redor do mundo cujos governos são seus aliados e não seus inimigos, quando não seus assaltantes. Hoje, com o estado e a pequena casta dos seus “proprietários” desfrutando do “direito adquirido” à metade da renda nacional declarados constitucionalmente intocáveis, seja qual for a dificuldade vivida pelo resto do país, e o Brasil que produz reduzido a pele e osso, as esperanças se foram.

Mas não completamente. Lá estão, em Dongguan, os mesmos empreendedores formados pelo Serviço Nacional da Indústria – o Senai, símbolo de uma época em que os empreendedores brasileiros ainda acreditavam neste país e investiam na formação de seus próprios sucessores – que puderam migrar para o outro lado do mundo para realizar a sua vocação e dar vazão à sua força empreendedora.

São esses brasileiros da China que dominam hoje a indústria mundial de sapatos , com empresas que chegam a tomar até 18 mil trabalhadores terceirizados – o tipo de atitividade que nossos “excelentes” representantes no Legislativo e no Executivo tratam, neste momento, de proibir em todo o território nacional. São eles que proporcionaram à China, partindo do zero, chegar a 1,8 bilhão de pares de sapatos exportados por ano para os EUA, 2/3 de tudo que aquele país consome, movimentando 17,5 bilhões de dolares. Mão de obra formada no Brasil com investimento brasileiro, mas impedida de trabalhar no Brasil, que até 2008 também importava desses seus filhos expatriados 33,6 milhões de pares de sapatos, até que lhes antepusessem barreiras alfandegarias, em 2009, para que os sapateiros remanescentes nesta nossa pátria da “justiça trabalhista” não fossem banidos de vez do mercado mundial, à custa, como sempre, de obrigar os brasileiros do Brasil a pagar o sobrepreço dos seus governos também para não acabar andando descalços.

É uma história triste mas que tem um lado positivo posto que abre na nossa desesperança a possibilidade de nos realizarmos como cidadãos do mundo que a corja que tomou este país de assalto não conseguirá manter indefinidamente subjugados. Haverá sempre uma China para onde fugir quem queira trabalhar…

Acena com esse mesmo tipo de esperança a prisão, ontem, a pedido da justiça norte-americana, daqueles velhos ladravazes da Fifa que o mundo inteiro sabe o que são e o que sempre foram, desde os tempos em que a Fifa ainda estava nas mãos gosmentas do clã Havelange.

A velha e doentíssima Europa (latina), em matéria de corrupção, não é mais que uma América Latina com um pouco mais de verniz e mesuras, o que proporcionou aos membros da quadrilha cujos rostos patibulares estavam estampados nas primeiras páginas de todos os jornais do mundo hoje, esfregar por gerações a fio a sua subversiva impunidade na cara das esperanças de todos quantos vivem de trabalho honesto neste planeta, até que o velho esporte bretão caísse finalmente no gosto dos americanos.

Não demorou muito para o vitríolo moral distilado pela Fifa e associados corroer a sua extensão americana e, a partir daí, finalmente despertar o interesse da polícia de um país com polícia. E lá estavam, ontem, ninguém menos que a secretária de Justiça dos Estados Unidos da América, Loretta Lynn, em pessoa, ao lado dos diretores do FBI e da Receita para que não fiquem dúvidas sobre o peso da mão que está descendo sobre a podridão de que o mundo jamais esperava se ver livre nesta encarnação, para dar o “cartão vermelho” que esperamos que seja final e definitivo a “uma cultura de corrupção desenfreada, sistêmica e profundamente enraizada” que domina ha décadas o futebol mundial, da qual o velho bandalho que já foi até governador de São Paulo é um dos principais protagonistas e da qual com certeza locupletou-se gente muito mais grauda que ele nas tramóias tidas e havidas para trazer uma Copa do Mundo para o meio deste nosso tiroteio.

O efeito foi fulminante. Como todos sabem que com americano quando a coisa pega é pra valer, da Europa às Américas Central e do Sul, todos os que passaram a vida dando tapinhas nas costas dos corruptos e bebendo champagne com eles correram a “afasta-los” das bocas dos cofres de que se têm servido impunemente há décadas, a pedir investigações, CPIs e o mais que sempre se recusaram a fazer nos últimos 50 anos apesar de todas as provas disponíveis .

Vamos torcer para que, certos de sua impunidade como todos sempre estiveram, os grandes tubarões da Copa do Brasil tenham cometido a mesma imprudência dos peixes menores já trancafiados na Suíça tentando lavar o produto do que nos têm roubado no sistema financeiro dos Estados Unidos.

Os “petrolões”, pelo menos, nós sabemos que já têm um perna agarrada por lá. Se o STF dos notórios amigos do PT melar tudo por aqui, temos o consolo de saber que terão de pagar ao menos o que roubaram dos acionistas americanos da Petrobras.

É outra ponta da globalização que, neste nosso deserto moral, serve de consolo: na aldeia global sem lei e sem ordem, é sempre possível que o xerife que é de fato xerife entre, um dia, pela porta para trazer um gostinho de lei e de ordem a esta selva. E esse dia tende a tardar cada vez menos até porque os lugares interessantes que restam para se guardar e gastar o produto das roubalheiras que rolam pelo mundo são aqueles nos quais xerifes como esses atuam pra valer. Ladrão impune sabe melhor que ninguém o perigo que é viver numa terra sem lei e quer segurança depois que fica rico. E, ademais, de nada serve roubar até destruir um país, como estão fazendo com o nosso e com tantos outros, para depois ficar condenado a viver na terra arrasada deixada para tras do saque.

Que o braço do xerife seja cada vez mais longo!

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§ 20 Respostas para Chama o John Wayne!

  • honorio sergio disse:

    Saber que José M. Marin foi preso salvou o mês! tomara que fique por lá, preso!

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  • Chamando o Xerife
    -alô Xerife:

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  • Interessante as distinções e ao que sabemos lá funciona muito bem. Se as perguntas fossem mais bem feitas outras dúvidas seriam esclarecidas, por exemplo limites de verbas às capturas, equipamentos que poderiam se indicados, enfim tudo por mais simples que possa parecer e que dá condição do policial policiar.

    Se eles conhecessem as nossas mini-viaturas, o armamento dos nossos policiais ( ponto 40 aqui em SP) verdadeiros heróis começando com o colete que é a prova de “espingarda de chumbinho” e o que acontece quando eles atiram num menor assassino, começando com a histérica Maria do Rosário (PT-RS)

    O condado a quele se refere deve ser de LA com 80 áreas e 12 milhões de habitantes e funciona.

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  • Luiz Barros disse:

    Santos-Dumont e a aviação militar

    Por Luiz Barros

    A polêmica sobre a primazia do vôo

    Dois livros, duas versões

    Duas novas biografias de Alberto Santos-Dumont foram lançadas em 2003, ano do centenário do vôo dos irmãos Wright, considerados os inventores do avião pelos americanos.
    Nos Estados Unidos e no Canadá, o jornalista americano Paul Hoffman, editor da revista Discover, ex-presidente da Enciclopédia Britânica e membro da Academia Americana de Artes e Ciências, publicou Wings of madness: Alberto Santos-Dumont and the invention of flight, o que se traduziria por: “Asas da Loucura: Alberto Santos-Dumont e a invenção do vôo”. Na edição brasileira, da Objetiva, lançada em 2004, o título “Asas da Loucura” foi mantido, porém o subtítulo alterado para “A extraordinária vida de Santos Dumont”.
    Esse subtítulo diferente deve-se talvez ao fato de que em 2003 o físico brasileiro Henrique Lins de Barros, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, lançara “Santos-Dumont e a invenção do vôo”, pela Jorge Zahar, seu terceiro livro sobre o inventor brasileiro, cuja vida e obra pesquisa há 20 anos.

    A ótica americana

    O título “Asas da Loucura” repercute no texto de Hoffman em dois pequenos trechos referentes à enfermidade que vitimou Santos-Dumont. Desprezando a hipótese geralmente aceita de que o aviador teria sido acometido por esclerose múltipla (um distúrbio neurológico), Hoffman lhe atribui “problemas psíquicos” e “doença mental”. Como o tema não é analisado, sendo apenas insinuado, cabe conjeturar se o autor buscava apenas um título apelativo de marketing para seu livro ou se teria inconscientes intenções de obscurecer a memória de Santos-Dumont. De qualquer maneira, não cabe a expressão “Asas da Loucura” porque quando Santos-Dumont adoeceu, em 1910, aos 36 anos, sua carreira de aeronauta encerrou-se. Seus vôos foram anteriores à enfermidade e fruto de outras asas. Asas de paixão, genialidade, trabalho, perseverança e coragem.
    Mesmo reconhecendo a grandeza, genialidade e generosidade do inventor brasileiro e dando-lhe crédito por todos os seus feitos, Hoffman não admite o pioneirismo do vôo do 14-Bis, em 1906. Defende a primazia do vôo dos irmãos Orville e Wilbur Wright, com o Flyer, em 1903, sem apresentar novos argumentos, afirmando que hoje isto se trata de fato bem estabelecido. Sua principal “prova” é documental: uma reportagem publicada pela Scientific American em 1907 – a posteriori, portanto –, validando os vôos dos irmãos Wright, secretos até então.

    A perspectiva brasileira

    Lins de Barros menciona apenas o adoecimento de Santos-Dumont, sem aludir a diagnósticos em seu livro. Ao defender a primazia do vôo de Santos-Dumont em relação ao dos irmãos Wright, desenvolve argumentação em perspectiva histórica, apresentando os critérios que se utilizavam à época para homologação de experimentos com as máquinas de voar, fossem balões, dirigíveis ou aviões.
    Esses experimentos eram realizados na forma de provas ou prêmios, com regras previamente estabelecidas. Os vôos deviam ser realizados na presença do público, da imprensa e de juízes qualificados e marcados com antecedência, o que visava a impedir que o piloto escolhesse apenas as condições de vento que lhe conviessem. Dentre os critérios decisivos para a validação dos vôos de aviões encontravam-se: a distinção entre o que se constituía em um “salto” na pista que não chegasse a caracterizar uma real decolagem e a perfeita demonstração de que a decolagem se dera de forma autônoma, pela impulsão do próprio motor.
    Assim foram as conquistas de Santos-Dumont. Públicas e oficialmente homologadas por juízes. Publicamente provou a dirigibilidade das máquinas de voar, contornando a Torre Eiffel com seu dirigível, em 1901. Publicamente demonstrou a viabilidade de vôo dos “mais pesados que o ar” com o 14-Bis, em 1906.
    O inventor brasileiro jamais pleiteou patentes de seus projetos aeronáuticos, distribuindo aos pobres os prêmios em dinheiro que conquistou. Franqueava cópias de seus cálculos e desenhos, incentivando novos inventores e pilotos amadores e mesmo industriais, a quem permitiu alguns anos depois a livre fabricação, sem cobrança de royalties, de seu modelo Demoiselle, considerado o primeiro avião esportivo do mundo, um equivalente dos ultra-leves, com estrutura de bambu e cordas de piano como cabos.

    Os vôos secretos dos irmãos Wright

    Enquanto Santos-Dumont atuava publicamente em Paris, capital do mundo na virada do século 19 para o século 20, os irmãos Wright iniciaram suas experiências numa longínqua praia no estado de Carolina do Norte. Ao saber das provas em curso na Europa, para homologação do vôo, enviaram notícias lacônicas, breves telegramas, declarando vôos bem sucedidos.
    Apenas em 1908 os americanos resolveram ir a Paris para se apresentar publicamente, surpreendendo os europeus ao realizar vôos de dezenas de quilômetros e apresentando aparelhos com eficazes controles de dirigibilidade.
    Hoffman argumenta que os inventores americanos haviam guardado segredo de sua invenção porque desejavam patenteá-la e vendê-la para fins militares. Frustraram-se em ambos objetivos. Nenhum país comprou a invenção – embora todos a seguir passassem a usar o avião para fins militares – e os irmãos Wright acabaram envolvidos numa pendenga de 30 anos com o Instituto Smithsonian, que disputava a patente por conta das experimentações do Professor Langley, cientista-inventor importante na descoberta do vôo, que havia dirigido a instituição e desenvolvido protótipos.
    Lins de Barros defende a hipótese de que os irmãos Wright mantiveram suas experiências em segredo porque não haviam resolvido o problema da decolagem autônoma. Suas decolagens em 1903 dependeriam dos ventos favoráveis da praia de Kill Devil Hills e, além disto, de trilhos em que o aparelho deslizava para alçar vôo. Hoffman rebate, mas indica que eles utilizaram também um guincho para suspender o avião até o ponto em que o vento os sustentava, facilitando a decolagem.

    O vôo não foi inventado por uma única pessoa

    Henrique Lins de Barros resume a polêmica, desfazendo-a, com a seguinte conclusão: “A história da aviação ainda está para ser escrita. Nela um grande número de criadores estará presente, e a influência de cada um deles sobre os demais será sem dúvida o ponto central, pois o vôo não foi inventado por uma única pessoa”.
    Não se espera que americanos e brasileiros concordem a respeito de quem inventou o avião. Mas uma coisa é certa: como pessoa, herói e mito, a grandeza e generosidade de Santos-Dumont é inigualável, o que o confirma como legítimo Pai da Aviação, tenha o 14-Bis voado antes do Flyer ou não.
    L.B.

    Serviço:
    * Santos-Dumont e a invenção do vôo. Henrique Luiz de Barros. Rio de Janeiro:
    Jorge Zahar Editores, 2003. 189 págs. R$ 41,00. Amplamente ilustrado por fotos e esboços de todos os projetos do inventor.
    * Asas da Loucura – A extraordinária vida de Santos-Dumont. Paul Hoffman. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. 342 págs. R$ 42,50. Contém 16 páginas de fotos.

    Os aviões e as guerras

    Por Luiz Barros

    O avião na 1ª Guerra Mundial

    Quando, durante a 1ª Guerra, o piloto francês Roland Garros, que aprendera a voar num Demoiselle de Santos-Dumont, instalou uma metralhadora em seu avião, adaptando a hélice com defletores de aço para que as balas não a destruíssem, nasceu o avião de caça, que viria a se tornar o personagem central das batalhas aéreas.
    Mas a supremacia da França não durou. O piloto foi abatido e obrigado a pousar atrás das linhas inimigas. A Alemanha descobriu a invenção e aprimorou-a, desenvolvendo o sistema de sincronização de tiro, valendo-se para isto do talento do inventor holandês Anthony Fokker, que se iniciara na aviação construindo monoplanos inspirados também no Demoiselle de Santos-Dumont.
    Os jovens pilotos de guerra lutavam pelo prazer do duelo, conservando costumes dos antigos cavaleiros e nobres, a despeito do poder mortal devastador que os aviões adquiriam. O famoso Barão von Richthofen, o Barão Vermelho, ás da aviação alemã que abateu 80 inimigos e inspirava medo a todos, quando morreu, abatido pelo capitão canadense Roy Brown, recebeu de seus inimigos as maiores honrarias militares.
    Os esforços de guerra transformaram a aviação. E a aviação transformou a guerra, substituindo o papel da cavalaria nos exércitos.
    A aviação adquiriu dimensões insuspeitadas. Lins de Barros indica que durante a guerra a França fabricou mais de 50 mil aeronaves, a Inglaterra 49 mil e a Alemanha 38 mil. Descontado o comportamento aventuresco dos pilotos, tratados como elite nas armas, nada havia de belo nas batalhas aéreas: 5.600 pilotos franceses, 7.500 ingleses e 11.400 alemães morreram no ar.
    A primeira guerra selou o destino militar da aviação e, em decorrência do esforço industrial levado a cabo e do grande número de pilotos que foram treinados, aparentemente também foi a grande responsável pelo ritmo em que a aviação civil se desenvolveu nas décadas seguintes.

    Os inventores e o uso militar dos aviões

    Alberto Santos-Dumont, além de herói nacional, é um mito. Uma das características marcantes da figura mítica que ele representa relaciona-se ao ideal pacifista. O mito reza que Santos-Dumont suicidou-se pelo desgosto de ter testemunhado o uso militar dos aviões.
    Diante da figura de seus rivais americanos, Orville e Wilbur Wright, que trabalhavam em segredo com o objetivo de vender a patente dos aviões para uso militar, a figura mítica de Santos-Dumont adquire ainda maior grandeza, porque eles entram em cena como antagonistas para ressaltar as virtudes do herói. É comum que os mitos sejam repositórios dessas crenças maniqueístas.
    Não há ressalva a fazer quanto à figura dos irmãos Wright, afinal lucro e beligerância fazem parte do ideário americano e lhes cai bem como real motivação de seu invento. Mas se estivermos interessados na pessoa de Santos-Dumont e não no mito em que ele se transformou, é necessário estar atento à sua biografia e reinterpretar as razões de seu suicídio, revisitando também suas idéias a respeito do uso militar dos aviões.
    Balões já haviam sido utilizados no século 19 para observação de movimentação de tropas, inclusive pelo Duque de Caxias (na época marquês) durante a Guerra do Paraguai. O uso militar de balões e aviões constituía-se em uma possibilidade tão evidente que seria impossível que o inventor brasileiro não cogitasse dela. Seria menosprezar a inteligência do inventor, atribuindo-lhe descabida ingenuidade.
    Na verdade, tanto como foi capaz de antever todos os desenvolvimentos futuros da aviação civil, Santos-Dumont sempre considerou que a aviação seria útil aos esforços militares. Talvez imaginasse uma função militar mais defensiva do que de ataque para a aviação e ainda é possível considerar que talvez não pudesse vislumbrar a intensidade destrutiva que a aviação militar rapidamente atingiu. Mas não se pode dizer que tenha sido surpreendido com o uso bélico dos aviões. Por exemplo, em uma palestra no Chile, em 1916, durante a guerra na Europa, diz: “Quando há doze anos disse que as máquinas aéreas seriam importantíssimas para o desenvolvimento das guerras futuras (…) os militares contradiziam-me, considerando o aeroplano como joguete, e resistiram ao meu propósito de discutir seriamente o assunto. Considera-se agora, pelos acontecimentos posteriores, a inapreciável utilidade que o aeroplano alcançou nos exércitos.”

    A despedida do herói

    O suicídio de Santos-Dumont, entendido a partir das informações de seus biógrafos, é mais complexo do que se explica no mito.
    Ele morreu em 1932, aos 59 anos. Aparentava muito mais idade, devido aos efeitos da enfermidade de que sofria, provavelmente esclerose múltipla. Por duas vezes havia considerado terminada sua missão na vida: quando demonstrou a dirigibilidade dos balões, em 1901, e quando demonstrou a viabilidade de vôo dos “mais pesados que o ar”, em 1906. Em 1910, aos 36 anos, quando adoeceu, foi obrigado a parar de voar e sua vida nunca mais readquiriu sentido. Além de dores físicas e outros incômodos, entrou em sucessivos processos depressivos, que o levaram a internar-se em diversas clínicas de repouso ao longo dos últimos anos de vida. Sua mãe também houvera se suicidado. Diversas tragédias na aviação, em guerras e também em uso civil, o deixavam amargurado. Enfim, uma série de fatores contribuem para a explicação de sua morte, que não pode, entretanto, ser linearmente atribuída ao uso militar dos aviões. Até porque a carnificina da aviação já se demonstrara na guerra de 1914-18 e Santos-Dumont suicidou-se em 1932. O uso de aviões na revolução de 1932 no Brasil não seria motivo suficiente, não estivesse Santos-Dumont profundamente adoecido.
    Quando morreu, no Guarujá, relata Paul Hoffman, estabeleceu-se uma trégua de três dias na revolução de 1932. “O funeral foi adiado por seis meses até que o conflito acabasse e seu corpo pudesse ser transportado para o Rio de Janeiro em segurança. No momento exato em que foi baixado à sepultura, milhares de pilotos ao redor do mundo inclinaram as asas de seus aviões num gesto final de respeito.”
    ________________________
    Luiz Barros
    doutor em filosofia da educação pela USP, é escritor.

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    • José Eduardo Ribas disse:

      Sr. Luiz Barros, em primeiro lugar parabéns pelo belo texto. Olha acabo de concluir o meu livro: “Sonho de Voar: Dos Primeiros Projetos ao Primeiro Voo”. Nesse livro eu descrevo todos os projetos que existiram desde Leonardo da Vinci até os aviões de 1909. Devo lança-lo agora em agosto ou outubro de 2015. Assim, após longos anos de pesquisas e reflexões, posso afirmar que a questão da primazia do primeiro voo é uma questão muito simples de se resolver, pois ela envolve questões de registros históricos, todos a favor de Santos Dumont, e também questões de ordem científicas. A questão científica se relaciona ao fato de que o motor dos irmãos Wright tinha apenas 12 a 15 Cavalos, potencia impossível para fazer levantar e voar os 340 quilos do avião dos Wright. Sou formado em tecnologia da aviação civil, e duvido que alguém consiga fazer o “Wright-Flyer 1” (1903) ou “Wright-Flyer 2” (1904/1905) voar, usando o seu motor original ainda existente.
      A solução é fácio: Construam quaquer réplica dos aviões dos irmãos Wright de 1903, 1904 e 1905, usando os mesmos motores originais de 12 a 15 cavalos e na frente de uma comissão cientíca de engenheiros aeronáuticos, brasileiros, americanos, franceses, ingleses, alemães e de outras nacionalidades, façam essa réplica voar ! Se voar acaba a discução, morre o assunto e o mundo passa a adimitir que os irmãos Wright foram realmente quem realizaram o primeiro voo autônomo do mundo.
      Mas ao contrário, se não voar, fica como os fatos realmente aconteceram e que a história registrou: “O primeiro voo autônomo do mundo foram realizados pelo Brasileiro Alberto Santos Dumont em 23 de outubro de 1906 e 12 de novembro de 1906 em Paris, França.”

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  • Luiz Barros disse:

    Breves apontamentos inconclusos e antigos sobre …

    1. Geografia

    Quem de São Paulo demanda ao Rio não segue ao norte, porém ao leste. Isto é tanto mais certo no litoral, onde a costa sudeste ruma a nordeste, tal tangenciada por ampla circunferência de centro alcançado em mar aberto.
    Coloque-se a ponta seca do compasso nalgum ponto afastado do pré-sal santista e lanceie-se o traçado do litoral norte paulista. Assim, com a imprecisão que deploram geógrafos e geômetras, tenho por definido como se conforma a barriga que, a leste, o mapa do Brasil faz em São Paulo nas latitudes próximas do trópico de Capricórnio.

    2. Filmografia
    Mauá, Caramuru, Carlota Joaquina, Hans Staden, Mad Maria, Em teu nome (exilado Boni Garcia, no Chile)
    3. Personagens
    Cabral, Caminha, Os misteriosos (João Ramalho, Caramuru, Bacharel), Mauá, Santos Dumont,
    3. Musicas / história do brasil
    • 1 – Carnaval: quem foi que descobriu o Brasil? Foi seu Cabral, foi seu Cabral…
    • 2 – Samba do crioulo doido
    4. Músicas / Cidades
    • Rio de Janeiro: Cidade Maravilhosa
    • RGS – Prenda Minha
    • SP – Adoniran – Eugenia, Trem das 11,
    • Bahia – você já foi à Bahia? / Nana Caymi
    5. Primórdios Literários
    Bahia: Gregório de Matos
    SPaulo: Alcântara Machado

    6. Pintores
    Caribe
    Benedito Calixto
    Debret

    7. Viajantes
    Hans Staden
    Saint Hilaire
    Stefan Sweig

    8. Asdf
    9. a

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  • Luiz Barros disse:

    Atenção:
    Nas 4 (quatro) passagens entre parênteses em (vermelho),
    SUBSTITUIR OS PARÊNTESIS POR COLCHETES.
    Sorry, problema de teclado no Word, reclame com Bill Gates.

    Me engana que eu gosto
    Por Luiz Barros

    “Todos os bens que eu possuo ou que venha a possuir são automaticamente da Ordem (dos dominicanos). (…) Toda vez que ouço falar em voto de pobreza na Igreja eu me lembro da piada que diz que duas prostitutas passavam na frente de um palácio episcopal e se espantaram diante de tanta riqueza, mármores, lustres de cristal… Aí uma vira-se para a outra e diz: ‘Se é isso que eles fazem com o voto de pobreza, imagina o que estão fazendo lá dentro com o voto de castidade’.” Desta forma Frei Betto conclui resposta a Fernando Morais, em entrevista de 1992 para a revista Playboy, explicando que não havia ficado rico embora declarasse já ter vendido 3 milhões de livros no Brasil, em Cuba e “mais dezessete traduções”.
    Essa entrevista, “Confissões do frade”, é um dos capítulos do último livro do político, jornalista e escritor Fernando Morais, que reúne doze trabalhos de imprensa selecionados dentre sua produção de mais de quarenta anos.
    “Cem quilos de ouro”, também publicada na Playboy, reportagem que empresta o título ao livro, relata em estilo francamente literário um seqüestro ocorrido na Bahia em 1988. O clima inusual do relacionamento psicológico entre seqüestrador e vítima e o desfecho inesperado da situação, associado à livre utilização de técnicas ficcionais fazem o texto mais parecido com ficção do que factual, sendo esta, não raro, uma das dificuldades do jornalismo literário. No livro esse é o texto que mais padece com o problema, embora outros tragam informações inverossímeis, mesmo se verdadeiras, como uma reportagem sobre Cuba, primeiro rascunho do livro A Ilha (Alfa Ômega, 1976), de tal maneira impregnada pela simpatia ideológica ao regime de Fidel Castro que o autor, na época já um jornalista de primeiro time de importantes redações, sequer conseguiu publicá-la após sua arriscada viagem a Cuba em 1974, salvo no Ex-, um nanico jornal underground.
    A seleção abrange textos publicados entre 1974 a 1998 em sete veículos diversos, entre os quais as revistas Marie Claire e IstoÉ, além da já citada Playboy, e diários como o Jornal da Tarde e a Folha de São Paulo. Uma coletânea de reportagens antigas, inéditas e altamente originais à época porém hoje versando sobre assuntos fartamente conhecidos, facilita que se identifiquem falácias, na verdade inevitáveis na imprensa tanto quanto em livros, por serem parte da vida, razão porque atrevidamente intitulei esta coluna “me engana que eu gosto”.
    Não é apenas a ilusão do frade que se diz pobre porque o dinheiro que ganha pertence à sua ordem, quando esse dinheiro e o poder que acumulou tudo lhe permite desfrutar.
    Fernando Morais recusou incluir esse livro na coleção Jornalismo Literário da Companhia das Letras. Considera que a obra não pertence exclusivamente ao gênero, “por mais diversas que sejam as definições do conceito”, pela diversidade de estilos, inclusive em virtude dos “perfis” existentes no livro, que não considera “jornalismo literário”. Mas, observe-se como ele termina o primeiro perfil de Fernando Collor (“O Napoleão do Planalto”) feito em 1992 para a Marie Claire, retrato de um presidente imperial, que sempre andava a “meio galope”: “À uma da manhã (o presidente) já vestiu o pijama de calças curtas e está deitado no lado esquerdo da cama de casal tamanho king size, pronto para dormir.” Um perfil estilo literatura, a despeito da opinião do autor.
    Não só pelas reportagens como pelos textos introdutórios, em que ele conta como fez as matérias, percebe-se Fernando Morais como jornalista perspicaz, influente e de grande sucesso. Por seu faro, prontidão, persistência e coragem conquistou o privilégio de fazer as chamadas “grandes reportagens”, hoje de certa forma raras na imprensa brasileira, que se valem de estilo literário, depois eventualmente se traduzindo em “livros reportagem”. Sendo reconhecido pela produção de biografias e trabalhos de jornalismo literário, e verificada a predominância deste estilo na obra, fica a dúvida, polêmicas à parte, se ele próprio não se ilude quanto à natureza do livro.
    Outras ilusões reveladas? Uma das maiores: em 1974, o Jornal da Tarde o destacou e ao fotógrafo Alfredo Rizzutti para percorrer de forma pioneira a Transamazônica, declarada concluída pelo governo de Médici – me engana que eu gosto!… O jornalista diagnosticou a farsa, intitulando e concluindo a série de reportagens com o mote de “o sonho acabou”, colhido de depoimentos de velhos comerciantes de Altamira: “O sonho da Transamazônica acabou. Agora está na hora de pagarmos a despesa dessa festança (da construção da estrada) que durou três anos.”
    Mas até para o tolerante povo brasileiro há limite no “me engana que eu gosto” e na disposição de continuar pagando festanças. No segundo perfil de Collor, não literário?, (“O solitário da Dinda”), em 1995, para a Playboy, o repórter pergunta ao ex-presidente quem tem telefonado.
    “Quando ouve a pergunta, Collor pára, olha fixo nos olhos do interlocutor e faz lembrar um personagem de um de seus autores preferidos, Gabriel Garcia Marques:
    – Meu caro, ninguém me telefona mais…”
    ________________________________________________
    Luiz Barros, doutor em filosofia da educação pela USP, é escritor.
    _______________________________________
    Serviço:
    Cem quilos de ouro (e outras histórias de um repórter)
    Fernando Morais; Companhia das Letras, 2003; 327 págs; R$ 37,50

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  • Luiz Barros disse:

    Luiz Ferri de Barros
    MESTRE EM EDUCAÇÃO

    Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
    Programa de Pós-Graduação
    Disciplina: Personalidade e profissões — Relações e Interferências
    Profa. Dra. Maria de Loudes Ramos da Silva

    Comentários sobre textos recomendados para a aula do dia 23/3/98

    Primeiro Texto:

    A Terceira Onda e a Reformulação do Mundo
    Alvin e Heidi Toffler
    in O Estado de São Paulo, 10/3/96.

    Artigo extraído da produção do autor de meados da década de 90, reafirma nos mesmos termos a idéia central que apresentou em seu primeiro livro sobre o assunto, do início da década passada.
    A idéia central de Alvin Toffler é importante, porém não é original hoje, como não foi há uma década atrás. Inúmeros outros autores, principalmente os dedicados à ficção, haviam antevisto muitas décadas antes as transformações de que ele trata.
    O valor de seu trabalho consiste no fato de Toffler ter-se transformado em grande publicista, advertindo para a emergência de novos aspectos da vida econômica e social que não estariam sendo percebidos na amplitude de seu significado. Seu sucesso como publicista – e, assim, necessariamente best seller — , deu-se pelo fato de que escreveu e publicou quando a onda já estava em andamento e, portanto, os leitores puderam identificar como sendo a “verdadeira” realidade (como se houvesse só uma…) aquela que é descrita em seus textos.
    Em outras palavras, Alvin Toffler não é um autor que antevê o futuro, senão que escreve sobre o presente. Utilizando-se de suas palavras, pode-se dizer que ele escreve de dentro da onda. Na década de 80, no Brasil, seu primeiro livro sobre o tema aparentava ser futurista em função da maior defasagem existente no país em relação à tecnologia de ponta, inclusive devido à reserva de mercado de informática, na época sob o controle dos órgãos de segurança nacional e de um cartel de empresários.
    Publicistas, por natureza, são pessoas profundamente comprometidas com o assunto que abraçam. Não é seu papel o exercício da crítica. Por vezes nem mesmo o compromisso com a coerência ou com maior rigor em suas colocações. Sua grande função é a de propagação de idéias gerais a grandes contingentes de pessoas. Para que as pessoas se sensibilizem por idéias novas e por vezes desagradáveis de serem ouvidas, publicistas fazem o seu trabalho privilegiando os aspectos de impacto da mensagem. A análise detida e criteriosa dos fatos e das inúmeras suposições e previsões do autor há de ser realizada em trabalhos de outra natureza.
    Esta análise é necessária visto que ao meio de fatos e interpretações plausíveis encontram-se misturadas uma série de afirmações que carecem de melhor justificação. Engajado na Revolução da Informática, e sendo um de seus grandes arautos, Alvin Toffler apresenta os efeitos da Terceira Onda à semelhança de uma era messiânica. Chega ao ponto de afirmar, em simplificação excessiva, que todos os conflitos políticos e sociais da atualidade se devem ao entrechoque do setor industrial obsoleto com o novo setor de serviços ou que a nova civilização nos tranportará para além do dinheiro e poder (o que representaria nada menos do que a mudança da natureza humana e a supressão do instinto de sobrevivência biológico).
    É desmesurada a exaltação que faz dos benefícios destas novas tecnologias e inquietante que não seja capaz de mencionar nenhum dos malefícios que estão sendo igualmente produzidos, senão para atribuí-los aos que são “cegos” perante a nova realidade. Há de se questionar, até mesmo, se as alterações em curso representam, realmente, a emergência de uma nova civilização. Porque uma civilização não se constrói em décadas, como ele afirma. Ao que parece, o autor não faz distinção entre os conceitos de civilização, cultura e sociedade. Outros inúmeros aspectos poderiam ser comentados a respeito da obra de Toffler, mas na verdade este é um trabalho ocioso, eis que comentaristas e críticos não lhe faltam.
    Minha conclusão sobre o tema é que a análise do autor é prejudicada porque se assenta numa visão maniqueísta, segundo a qual tudo e todos os que não se moldarem à terceira onda representam o atraso, a obsolescência e o mal e tudo o que for cibernético é o progresso e representa o bem. Entretanto, se a análise valorativa é prejudicada, a constatação do autor a respeito da velocidade das mudanças é realista e não pode ser menosprezada.
    Como educador, meu interesse pela informática educacional remonta a cerca de quinze anos atrás, à época da linguagem logo. O assunto não me interessa mais. Naquela época, a informática educacional estava na contramão e eu julgava importante incentivá-la. No início da década de 80, fui um dos coordenadores do primeiro Grupo de Estudos de Informática e Educação na Secretaria Estadual de Educação e assessorei a fundação do Life – Laboratório de Informática da FEUSP.
    Hoje, creio que a consciência sobre o assunto encontra-se em bom nível, há bastante gente trabalhando nisto e os excessos tecnológicos já começam a ser cometidos, como se vê agora com os programas de pós-graduação a distância que estão para ser implantados no país, verdadeira insentatez do MEC, certamente incentivada pelo espírito de que aquilo que não usa satélite não é moderno.
    Informática, para mim, não é mais do que um instrumento, a serviço tanto do bem quanto do mal, e diante de tantos que hoje se ocupam com ela, sinto que não é nem um pouco necessário que eu me preocupe com sua aplicação. Há quem esteja fazendo isto e eu hei de confiar que o façam bem.
    Meu ofício hoje, como educador, é buscar auxiliar as pessoas a encontrarem sentido em suas vidas, partilhando com elas minha alma, tentando tocar as delas.

    Segundo Texto:

    Educação, Tecnologia e Desenvolvimento.
    Ladislau Dowbor.
    (sem referência bibliográfica)

    Trata-se de texto de leitura aborrecida por ser vazado em linguagem desinteressante, não apresentar novidades significativas e por estar eivado de imprecisões conceituais de tal ordem que acabam por desacreditar o autor, já de início, desestimulando a continuidade de leitura.
    Já na segunda página, por exemplo, o autor demonstra não fazer distinção entre ciência e tecnologia, confundindo-se de maneira inaceitável para quem se dispõe a discorrer sobre educação a respeito de tais temas.
    Duas citações exemplificativas:
    “O gigantesco aceleramento do progresso científico data na realidade do século passado, quando surgem quase simultaneamente o telefone, a lâmpada incandescente, a central hidroelétrica, o motor a gasolina, a teoria dos elétrons, o motor de corrente contínua, o motor diesel, o raio X, a teoria da radioatividade”.
    Nesta passagem, à exceção de duas teorias citadas, da esfera do campo científico, tudo o resto que se mencionou são aplicações técnicas, que não caracterizam progresso científico e sim progresso tecnológico, fenômeno que se desenvolve em esfera diferente de conhecimento e, via de regra, em instâncias sociais diferentes.
    “O conhecimento científico está se tornando, pela primeira vez, um processo popular, um fenômeno de massas”. Nesta passagem, mais uma vez, o autor trai sua indiferenciação entre ciência e tecnologia. Mais que isso, seu engano é maior: nem mesmo o conhecimento tecnológico é um fenômeno de massas, o que se está popularizando é tão somente o uso de instrumentos tecnologicamente avançados (ou por acaso as pessoas dominam o knowhow de como construir computadores ou desenvolver linguagens de computação?)

    TerceiroTexto:

    3, 2, 1 – 2000! Prepare seu filho – e você – para ele
    Maria Amália Bernardi
    (sem referência bibliográfica)

    Reportagem de capa de revista que não se pode identificar pela cópia, este texto padece da mesma deficiência que se indicou nos anteriores: confusão conceitual.
    No caso específico, a matéria gera confusão entre os conceitos de educação e treinamento.
    Ao abordar o mercado de trabalho no futuro, com ênfase específica no mundo empresarial – que, diga-se de passagem, não é o único mundo existente –, a repórter centra-se na questão do treinamento, como é natural.
    Entretanto, suas fontes, consultores de empresas, arvoram-se na suposta competência de aludir a aspectos específicos da esfera de educação, sem dúvida trocando os pés pelas mãos.
    Por exemplo, um determinado senhor imagina que para uma criança poder ser profissional no futuro é necessário “colocá-la numa pré-escola aos 3 anos de idade”, absurdo de tal monta que dispensa comentários.
    Outro senhor, igualmente consultor de empresas, diante da constatação de que o sistema de ensino exige definições precoces dos adolescentes quanto à futura profissão, sugere que “sem dúvida os pais pais devem interferir na escolha profissional dos filhos (…)”. Este é um tipo de atitude de esfera educacional, envolvendo aspectos demasiadamente complexos do relacionamento entre pais e filhos para serem comentados exclusivamente sob a ótica de pessoas encarregadas de treinamento e seleção de pessoal para empresas. Aliás, bons profissionais de recursos humanos, assim como psicólogos e educadores, sabem que aqueles jovens formados em determinadas profissões por exclusiva interferência dos pais, o que não é raro, embora possam ser tecnicamente bons profissionais correm grandes riscos de infelicidade pessoal e desajustamento no trabalho.
    Em nenhum momento estes senhores consideram a vocação de cada indivíduo como fator importante para o “êxito” no mercado de trabalho. Não se levanta a questão da adequação das profissões aos perfis individuais. A vontade dos adolescentes, suas inclinações pessoais, seus sonhos e, assim, suas personalidades parecem nada significar na orientação quanto à profissão a ser escolhida.
    Para concluir, vale apontar ainda dois questionamentos de ordem central ao texto da reportagem. Em primeiro lugar, dentre as quatro palavras chaves apresentadas como necessárias ao entendimento do mundo profissional do futuro, ao menos uma delas, conhecimento, não representa novidade alguma em relação à realidade desde há muito existente. Menos ainda faz sentido enfatizar que conhecimento será fonte de poder no futuro, eis que isto é o que sempre aconteceu, desde as mais antigas culturas.
    Em segundo lugar, vale registrar que a repórter futuróloga não deixa margem a um mínimo de espaço para o cultivo de humanidades enquanto profissões. Isto não se justifica nem pela sempre presente busca do ser humano por essa face de sua existência, nem pela fantástica e crescente carência que se verifica estar ocorrendo atualmente nesta área, justamente em função da hipertrofia dos aspectos que ela idealiza em seu texto.

    LFB — 22/03/98

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  • Luiz Barros disse:

    QUIZ TO JOHN WAYNE

    E agora,José?
    A festa acabou e volta o mundo ao que é?
    Ou o mundo ainda tem lugar para gente como se é?

    QUINZE DELÍRIOS (1996)

    L. F. Barros

    Na verdade não sou um bom contador de delírios. Isto porque se¬gue-se às minhas crises maníacas uma amnésia a respeito das crises que vivi.
    Apenas com muita concentração e muito esforço de memória, fui capaz de reunir aqui lampejos de lembranças para relatar alguns momentos esparsos das grandes fantasias alucinatórias que já vivi.

    Antes de relatá-los, no entanto, acho importante dizer como o delírio se estabelece. Ele não chega sem avisos.

    As crises são precedidas por uma grande inquietação. Ocorre in¬tensa agitação motora e insonia durante dois ou três dias. Não sei onde ficar, nenhuma posição me acomoda.

    Depois, vem aos poucos de início e em seguida velozmente, to¬mando conta de tudo, uma incontrolável euforia. A euforia é uma sen¬sação de bem estar, de poder, de plenitude. De força perante o mundo. A euforia faz com que no meio de toda a desgraça e sofrimento que é a loucura, ainda assim o mundo se apresente com inigualável grandiosi¬dade e beleza.

    Com a euforia, o pensamento dispara e fica fora de controle. É quando se perde o nexo e idéias disparatadas começam a nos ocorrer. Mantém-se concentração absoluta num assunto ou dispersão total de pensamentos com a mente correndo solta entre os mais variados contex¬tos. Ocorre o que Schreber muito bem definiu como sendo a “coação a pensar”.

    ” A essência da coação a pensar consiste no fato de que o homem é forçado a pensar ininterruptamente” e em grande velocidade.

    Daí o pensamento começa cada vez mais a afastar-se da realidade, criando uma nova realidade delirante em que se acredita firmemente. Às vezes, esta realidade delirante não nos atinge por completo, jus¬tapondo-se à realidade de fato.

    Então, algumas coisas são interpreta¬das pela parte sadia de nosso cérebro, outras pela parte que está em delírio. Às vezes o delírio nos domina por completo. É quando perde¬mos a noção de nossos atos.

    Quando se entra em delírio, encasquetando-se que uma determinada coisa irreal está acontecendo, não é possível compreender que os outros não percebam a mesma realidade. O mesmo ocorre quando se alu¬cina, ouvindo vozes ou enxergando-se coisas inexistentes.

    – 1 –

    De repente, uma manhã, achei que iria ser preso imediatamente. Mas eu não achava que era só a polícia que estava atrás de mim e nem que eu seria apenas preso.

    Delirei que o próprio governador do Estado estava me perseguindo por minhas idéias políticas e que eu seria metralhado, minha família também seria morta a tiros e minha casa seria destruída por bombas.

    Então, alucinado, telefonei para o amigo com quem eu havia com¬prado maconha em sociedade e disse para ele:

    – O governador está atrás de mim. Eu vou embora daqui para ele não matar minha família.

    Meu amigo falou-me para eu ficar em casa porque ele ia me levar um médico. Eu disse que não, de jeito nenhum, porque todos seríamos mortos. Desliguei o telefone, corri até a cômoda onde guardava a ma¬conha, peguei o pacote, joguei na privada e dei descarga.

    Depois sai correndo, descendo a escada na embalada, fugindo de casa. Mônica tentou me segurar, eu não deixei. Eu achava que se saísse sozinho eu seria metralhado na rua e desta forma pouparia Mônica e as crianças.

    Mônica tentou segurar-me de todo o jeito e quando saí correndo pelo quintal e fui para a rua, ela saiu atrás de mim.

    Eu gritava:
    – Vai pra dentro. Fique em casa.

    E ela:
    – O que foi? O que está acontecendo?
    – Fique em casa. Vai para dentro.

    Para mim era uma questão de vida ou morte. Se ela viesse atrás de mim, seria metralhada também. Isto não podia acontecer. Ela não podia morrer.

    O problema era apenas meu. Então eu gritei de novo pra ela, na frente dos vizinhos que já tinham saído a rua, para saber o que estava acontecendo:

    – Não venha atrás de mim. Eu não gosto de você. Deixe-me em paz. Eu tenho outra mulher. Eu tenho outra mulher, você não entende?

    Ela chocou-se e se paralisou. Imediatamente uma vizinha abraçou-a e ela acabou ficando parada, estupefata.

    Eu corri dez, quinze quarteirões, ou mais. Quando minha força acabou, fiquei andando ao léu, sem saber mais onde estava.

    Daí Mônica chegou de carro com meu cunhado, desesperada, e eles me puseram den¬tro do carro. Eu gritava alucinado:

    – Deixem-me descer. Eu vou me matar. Eu quero morrer sozinho. Eles vão me pegar. Você não pode morrer comigo Mônica, você precisa cuidar das crianças.

    Mônica tinha chamado meu pai e ao chegarmos em casa ele já es¬tava me esperando para levar-me ao médico da família – naquele tempo eu não tinha psiquiatra. Levei dez dias para sair do delírio.

    Naquele tempo eu e Mônica nos amávamos muito e ela, logo depois do choque, percebeu rápido que eu apenas dissera “Eu tenho outra mu¬lher” para impedir que ela me seguisse.

    Então, desvencilhando-se da vizinha, tomou providências para me acudir. Com o passar do tempo o nosso amor sucumbiu às asperezas da vida, até mesmo por causa das constantes situações de cheque-mate em que eu a colocava nos meus de¬lírios e depressões.

    Um dia, muitos anos depois, ela chegou-se a mim e perguntou:
    – Lucas, daquela vez que você saiu correndo de casa, lembra-se, era mesmo verdade que você tinha outra mulher?

    Não era verdade e ela sempre soube disto, mas ao relatar o caso à sua mãe, esta a manteve em eterna dúvida.

    – 2 –

    Na praia, tive um delírio místico, religioso, em que eu me jul¬gava um profeta. Eu estava em estado de beatitude e julgava que todas as coisas aconteciam porque eu as fazia acontecer.

    Se uma folha de árvore caísse ao vento era porque eu estava olhando para ela e ordenando-lhe que caísse. Se uma pessoa andasse era porque eu queria que andasse e assim por diante…

    Logo depois entrei a estrebuchar. Pensei ter tido uma convulsão. Muitos anos depois, meu irmão médico, que estava comigo na ocasião, disse que na verdade tive uma crise histérica. Eu balbuciava sons ininteligíveis e para mim, dentro de mim, eu estava falando com Deus em uma linguagem arcaica.

    Durante muito tempo eu julguei ter tido um contacto com Deus, até que o tempo passou e esta impressão se dissi¬pou.

    Acredito, no entanto, que muitas das experiências místicas, so¬brenaturais, possam ser fruto de delírios e alucinações doentias. Assim como acredito que as religiões todas nada mais são do que uma resposta que o homem criou para sua maior dor psicológica: a solidão perante o destino e o universo.

    – 3 –

    Houve uma ocasião em que passei dias brigando com um computador inexistente. Eu me alimentava muito mal. O computador se comunicava comigo em linguagem binária e eu assim respondia a ele dentro de meu cérebro. A uma determinada altura, a briga se tornou uma livre associação de palavras.

    As palavras me ocorriam em duplas, uma seguindo-se à outra em uma velocidade impres¬sionante. Eu estava em Barra do Una e um dia meu irmão médico levou-me até o outro irmão, psicólogo, em Guaecá. Eu me alimentava muito mal. Não sei como foi, comecei o jogo de livre associação de palavras com meu irmão psicólogo. Eu dizia uma palavra, ele dizia outra. Para mim, cada palavra devia vencer a anterior, ser mais forte, dominá-la. E assim ficamos longo tempo. A uma determinada altura cheguei à pala¬vra “leite” e ele, sem me propor outra palavra, fixou-se na palavra “leite”. Eu propunha outras palavras e ele repetia: leite. Acabei também por me fixar na palavra leite e dizia: “leite, leite, leite”. Ele me dizia: “Isto, Lucas: leite”. Levantei-me da praia e, com ele ao meu lado, fui até dentro de casa na cozinha, onde encontrei leite. Bebi mais de um litro de leite enquanto meu irmão dizia: “Isto, Lucas: leite, leite, leite”. (Ele havia encontrado uma forma de me alimentar).

    – 4 –

    Em meu trabalho eu usava uma calculadora HP 38C, considerada na época a me¬lhor calculadora financeira existente e as vezes eu costumava car¬regá-la na cintura.
    Um dia cismei que minha calculadora era capaz de fazer tudo. Não ela sozinha, naturalmente. Julguei que ela estivesse acoplada por ra¬dio transmissão a uma central de computação mundial, de espionagem estatal. Ela era um elo do “Grande Irmão” de Orwell em “1984”.
    Primeiro falei com minha chefe, no alto escalão de uma Secretaria de Estado: “Sabe, eu tenho participado de reuniões sigilo¬sas e se alguma informação importante vazar, a culpa não é minha, é de minha calculadora”.
    Ela era psicóloga, por coincidência, e logo percebeu que eu es¬tava delirando. Telefonou para minha mulher e ela veio me buscar no escritório, tendo já marcado hora no meu psiquiatra. Eu fui com ela ao médico e chegando lá, mostrei-lhe a calculadora. Que ele cuidasse dela por que ela é que era perigosa, estava desajustada; não eu.
    Depois saímos do médico e enquanto Mônica dirigia, na Avenida Paulista, eu encaixei a calculadora no lugar do cinzeiro do carro e lhe disse: “Pode largar do volante, de tudo isto de controle mecâ¬nico do carro que é obsoleto e desnecessário. Já programei a calcula¬dora e em conexão com as centrais eletrônicas ela vai levar nosso carro até em casa”.

    – 5 –

    Um delírio que me perseguia sempre, em várias crises subseqüen¬tes, era o delírio da espionagem eletrônica. Para mim todos os apare¬lhos eletrônicos, em especial os rádios e as televisões, estavam co¬nectados entre si mandando informações para uma central nacional, às vezes mundial, de computação. Lá eu era observado pelos senhores do mundo, como se eu fosse espionado pelo Grande Irmão de Orwell. Quando eu estava na rua, ou às vezes à janela de minha casa, onde não havia aparelhos eletrônicos, eu estava sendo filmado a grandes altitudes por aviões ou satélites espiões que eu não via, mas tinha certeza que estavam lá.
    Nas televisões eu sempre via um botão qualquer ou uma luz que me filmavam. Então, a central de televisão podia me ver e escutar, da mesma forma que eu via e escutava o programa que estavam passando.
    Assim, durante dias, eu falava com o rádio ou a televisão, con¬versando ou com a emissora ou com os participantes do programa.
    Já fiquei conversando, por este método delirante, com as grandes estrelas nacionais e internacionais de TV e também com Tatcher, Bush, Gorbatchov…
    Naqueles momentos, então, que o entrevistado, ou o ator, olha para a câmera e fala para os telespectadores, ah, eles estavam fa¬lando diretamente para mim… Eles me olhavam no olho. Então, eu tam¬bém olhava no olho deles e respondia.
    De noite, em meu quarto, eu achava que havia câmaras de filmagem escondidas, filmando o meu sexo com Mônica.

    – 6 –

    De tarde, na praia, me apareceu um relógio em visão. A visão me acompanhou o tempo todo. Não importa o que eu fizesse, para onde olhasse, o relógio – sempre com a hora certa – aparecia no fundo.
    Então, à noite, no apartamento de praia que meu irmão alugava, veio-me a explicação da visão: “Vou morrer à meia-noite”.

    E fiquei com a idéia fixa de que ia morrer à meia noite. Mas não disse para ninguém.

    As dez horas, por aí, Mônica, eu e as crianças saímos do aparta¬mento e fomos para o rancho que tínhamos em Barra do Una antes de cons¬truir nossa casa. Arrumamos as camas e nos deitamos para dormir. A visão do relógio e a certeza de morrer à meia-noite não me abandona¬vam, no entanto.

    Daí pensei: “Eu sou como Matraga, chegou minha hora e minha vez. Como ele, não vou esperar meu destino passivamente: vou enfrentá-lo”.
    Saí do rancho e fui para a rua onde fiquei andando, pronto para brigar pela vida com quem viesse me desafiar. A rua estava vazia e eu não sabia de onde viria o inimigo.Eram onze e meia em meu “relógio-visão” quando pensei diferente:

    “Se querem me matar, vão ter de vir à minha toca. Me pegar no meu lugar”.

    Voltei para o rancho, afastei a cama das crianças e a da Mônica e deitei-me num acolchoado bem em frente da porta. Antes de deitar, no entanto, peguei um facão de cozinha e segurei-o na mão direita, firme, pronto para dar o golpe se alguém invadisse o lar de minha fa¬mília.
    De manhã cedo, Mônica encontrou-me dormindo no chão com a faca do lado.

    Enquanto eu esperava a meia-noite, dormi… E não morri.

    – 7 –

    Fui a um churrasco no interior, na casa de um tio meu.

    Eu estava de bermuda curta, camiseta leve e um par de chinelos.

    Cheguei lá ha¬via aquela festa toda, todo mundo animado, festeiros mesmo e eu me senti muito mal porque todos estavam vestidos muito bem, traje es¬porte fino e só eu de bermudas e chinelo.

    Como acontecia em outras crises, eu havia emagrecido em poucos dias mais de dez quilos.

    Percebi que as pessoas me evitavam na festa e às vezes olhavam para mim de soslaio. É claro que me olhavam de soslaio e evitavam vir falar comigo porque eu estava em delírio. Devia estar muito estranho. Mas eu achei que estavam me evitando porque eu estava com AIDS. Percebendo minha magreza, olhando minhas pernas finas, logo concluí que de fato eu estava com AIDS.

    Chamei a Mônica para irmos embora. Enquanto ela e as crianças almoçavam rapidamente fui para fora da casa, esperá-los na rua. Minha tia quis me levar de volta para a festa, me dar comida e tal e eu nada. Queria ir embora prá casa, deitar na minha cama.

    Quando Mônica veio com as crianças, pegamos o carro e fomos em¬bora. Havíamos andado uns vinte quilômetros talvez, sem falarmos nada um ao outro, quando cheguei-me ao ouvido dela e falei baixinho:

    -Eu estou com AIDS.

    Ela me respondeu:
    -Fique quieto. Não fale uma palavra!

    Dirigiu até um retorno que havia na pista, onde pode parar o carro num lugar seguro. Mandou as crianças brincarem num canto da praça e sentou-se comigo no meio de um gramado.

    Disse-me, então:
    – Fala Lucas. O que está acontecendo?
    – Eu estou com AIDS, Mônica. Peguei AIDS.
    – Você fez alguma coisa para achar que tenha pego AIDS? Você saiu com alguém, fez alguma coisa assim?

    -Não. Eu juro que não fiz nada. Mas veja minha magreza. Veja como as pessoas me evitaram na festa…

    – Você está magro porque está em crise, isto sempre acontece. Quanto às pessoas, foi você quem as evitou. Você quis vir embora, não quis falar com ninguém.

    – Eu estou com AIDS!

    – E como você pegou?

    – Pelos mosquitos, você sabe. Pela picada dos pernilongos.

    – Lucas, AIDS não se pega assim, você sabe disto. Agora, vou lhe falar uma coisa e você preste muita atenção senão eu vou ficar muito brava com você. Nós estamos no meio da estrada. Faltam duas ho¬ras pra chegar em casa.

    Nós vamos entrar no carro e ir embora pra casa. Lá nós conversaremos com calma. Mas, por favor, ouça o que es¬tou lhe dizendo; isto é uma coisa muito séria: você não vai falar mais neste assunto até chegarmos em casa. Nós temos dois filhos pequenos que não podem ficar pensando que o pai deles está com AIDS apenas porque você está delirando. Entendeu?

    – Entendi.

    – Então vamos embora. Vou chamar as crianças.

    Viemos para São Paulo sem conversar uma palavra sequer durante a viagem. Passei quase uma semana obcecado pela idéia de AIDS e pernilongos. Às noites, eu ficava acordado com uma toalha de rosto na mão matando pernilongos no quarto das crianças.

    Minha obcessão era evitar o contágio das crianças e para mim, em meu delírio, as formas de contágio foram se multiplicando. Ao fim de alguns dias eu tinha separado para meu uso exclusivo, copos, louças e talheres e não deixava ninguém usá-los além de mim.

    Estranhamente, o sexo, a própria forma de contágio da AIDS, não me incomodava. Eu não achava que a Mônica, minha parceira sexual, es¬tivesse com AIDS. Apenas eu estava. Tinha pego dos pernilongos.
    Daí ela teve de pegar os livros que tínhamos em casa sobre AIDS e me fazer reler, explicando-me como se pegava a doença, como se eu nunca tivesse sabido.

    Depois me disse:
    -Se você está tão preocupado, vá fazer um exame de sangue. Mas eu lhe proponho outro teste. Você sabe que eu não estou com AIDS. E que sou uma pessoa consciente, lúcida, que não quero pegar AIDS. Pois você também não tem, e para Você ter certeza disto eu lhe ofereço o meu corpo. Venha deitar comigo.

    – 8 –
    De uma das vezes em que estive internado, lembro-me de estar amarrado na cama num dos quartos do Bezerra de Menezes e pensar que estava enterrado vivo numa espécie de catacumba que eu imaginava ser vizinha do cemi¬tério do Araçá.

    Neste dia eu fiquei, talvez, amarrado das dez horas da manhã até quatro da tarde. O delírio evoluiu. Após algum tempo eu não estava mais enterrado vivo. Eu era um morto sem condições de ser en¬terrado.

    A catacumba onde eu estava era uma espécie de purgatório com ob¬jetivos de purificação. Era um lugar intermediário entre o Hospital das Clínicas e Cemitério do Araçá para onde eram mandados os mortos de graves doenças infecciosas. Havia um pessoal burocrata que decidia quem podia ser enterrado e quem podia subia pelo elevador até o cemitério. Quem não podia, continuava amarrado. (Não havia elevador no local).

    Meu corpo estava numa estranha transmutação e de repente, eu não era mais eu. Perdi todas as esperanças de ser solto pois eu era, afi¬nal, o vírus da AIDS que tinha sido isolado naquele estranho lugar para ser estudado pelos médicos.

    Eu era um vírus e tinha sido captu¬rado.
    ]
    Meu corpo todo tinha sido envolto por uma película plástica para que não contaminasse ninguém. Após um tempo, perdi as esperanças de ser solto e parei de gritar. Foi quando, um tempo depois, fui solto da cama.
    Andei até a sala de televisão sem ver ninguém e fiquei sentado num dos bancos de madeira que havia no local.

    Os bancos estavam pos¬tos em L, como devem estar até hoje, e assim pareciam delimitar um espaço máximo de ação de cerca de dez metros quadrados. Daí eu vi ao meu lado, sentado, assistindo televisão, um companheiro paciente. Era um preto gordo, já um senhor, bonacheirão, com um gorro enfiado na cabeça.

    Eu não sabia que ele estava vendo televisão. Nem sabia que ali havia televisão – eu não a via, pendurada alta na parede. Para mim, eu continuava preso para toda a eternidade naquele quadrado de¬limitado pelos bancos e o preto era o meu vigia.

    – 9 –

    O Haldol, assim como outros neurolépticos, causa efeitos colate¬rais, comumente chamados de “impregnação” e que consistem basicamente numa crescente robotização dos movimentos por uma rigidez muscular que se espalha pelo corpo todo. Para deter a impregnação usam-se ou¬tros remédios junto com os neurolépticos.

    Neste delírio, após ser medicado em São Paulo, fui para a praia com Mônica e as crianças e também com meu irmão médico e sua família.
    Desta vez tive a maior impregnação de Haldol de todas as minhas crises. Aliás, mesmo em minhas internações, nunca vi ninguém tão im¬pregnado quanto eu fiquei. O Akineton não foi suficiente para deter a impregnação.

    Primeiro meu corpo ficou todo rígido e eu só me movimentava muito lentamente, com o andar estranho dos robôs.

    Depois, uma tarde, fui acometido por um repuxamento muscular na nuca e no pescoço e eu ficava com o rosto de lado, com a musculatura toda estirada. Meu maxilar se travou e o trisma não permitia que eu abrisse a boca.

    Minha cunhada deitou-me numa esteira de taboa e me fez massa¬gens. Assim fiquei sabendo que massagens não adiantam nada para isto.

    Meu irmão me pegou pelo braço, pôs-me no carro e levou-me até a farmácia em Boissucanga. No caminho, havia enormes máquinas de terra¬planagem que abriam naquele tempo o novo leito da Rio-Santos.

    Durante todo o percurso, eu achava que seríamos esmagados por aquelas máquinas imensas. Estava certo que eles estavam ali apenas para nos perseguir, triturando-nos entre suas pás e esteiras. Os bar¬reiros que havia no caminho tinham sido feitos de propósito pelas má¬quinas para nos fazer atolar. Depois elas viriam e nos esmagariam en-quanto estivéssemos atolados.

    Em Boissucanga, na farmácia, na calçada do lado de fora, lembro-me de uma mulher índia com um facão na mão que olhava para mim des¬confiada. Eu tinha medo que ela me atacasse com o facão.

    De fato, como eu estava, com a cabeça estirada de lado, o maxi¬lar teso, repuxando músculos faciais e andando feito robô – acho que ela estava me estranhando. Lembro-me até hoje de seu olhar fixo e seu facão enorme seguro pelo braço direito, em posição de alerta.

    Na realidade, ela estava mesmo preparada para me atacar, tanto que meu irmão me puxou para dentro da farmácia, dizendo-me:

    – Cuidado com a índia. Você não vê o facão dela e que ela está pronta para atacar? Ela está com medo de você. Fique comigo. Não vá mais lá.

    Daí meu irmão me fez beber meio vidrinho de Fenergan e poucos minutos depois, como por milagre, toda minha musculatura se relaxou e eu livrei-me da impregnação. O delírio com as máquinas de terraplana¬gem, no entanto, continuou e eu vivi na volta até Barra do Una o mesmo terror de que elas iriam nos triturar.

    – 10 –

    Uma noite, na praia, fiquei de meia noite até sete horas da ma¬nhã condicionando um bagre num balde de água.

    Eu estava certo de estar progredindo em meu intento que era o seguinte: cada vez que eu batesse no balde três vezes “toc, toc, toc”, o bagre viria até a superfície falar comigo. Então eu batia com um pau no balde “toc, toc, toc” e em seguida jogava comida de peixe na água.

    De manhã cedo, me vendo na faina com o balde, depois de eu ex¬plicar o que estava fazendo, meu irmão me disse: “Agora é hora de es¬covar os dentes, olha a pasta para o bagre”.

    E eu, acreditando mesmo no que fazia, peguei um pouco de pasta de dente e “toc, toc, toc”, joguei nágua para ele.

    Nesta manhã meu irmão me trouxe para São Paulo para medicar-me e eu só concordei em vir depois que ensinei o pedreiro de minha obra a tomar conta do bagre.

    Foi assim: eu fui com ele até o rio, soltei o bagre na margem e ele logo sumiu na água funda. Eu disse para o Armando:

    – Você não se preocupe. Ele está logo num buraco ali. De tarde você vem até aqui e bate com este pauzinho na beira. Vai fazer “toc, toc, toc”.

    Daí ele vem e você dá comida pra ele. Vê se cuida bem do meu bagre enquanto eu estiver em São Paulo.

    – 11 –

    Estava em transcurso uma revolução separatista. São Paulo nova¬mente lutava contra o Brasil. (Hoje acho engraçada esta versão, pois, como paulista, nunca aceitei a expressão “revolução separatista” e sim “revolução constitucionalista”). Sou paulista ferrenho.

    Desci a serra, com Mônica e as crianças, para Barra do Una. Minha missão era no litoral. À noite, antes de deitar, angustiado, eu disse à Mônica sentado na cama, dentro do rancho:

    – Se eu morrer, você diz ao Governador que eu morri por São Paulo? Ela disse que sim. Eu insisti:

    – Você promete? Ela prometeu.

    Dormi.

    Acordei com Mônica vestindo o biquini. Ela estava defronte à ja¬nela aberta, de costas para a cama, amarrando o sutiã do biquini. Eu comecei a chorar. Eu era um covarde. Minha mulher precisava ficar mostrando os peitos para o inimigo, pela janela, para que não bombar¬deassem o meu rancho.(A praia era deserta e entre o rancho e a praia ha-via uma touceira de bambu; Mônica não estava se exibindo, apenas es¬tava à vontade, como o local permitia).

    Saí para levar meus filhos para a praia. Grudei o menor deles para atravessar o rio. (Entre meu terreno e a praia existe o Rio Una. Havia chovido muito e o rio estava com grande correnteza).

    Logo per¬cebi que o inimigo, para me capturar, havia lançado mão de um inte¬ressante ardil: ele baixara o nível do mar para o rio correr ligeiro e eu me atrapalhar na correnteza.

    Vocês acham que isto é impossível porque não conhecem a astúcia e os recursos de meu inimigo: ele fazia isto com gigantescas bombas hidráulicas na barra do rio, onde o rio en¬contra o mar, escondido por trás da restinga de areia. Pus o menino no barquinho e saí remando em diagonal à correnteza.

    Dei risada. Era a força bruta deles contra a minha habilidade. Deixei o menino na praia e vim buscar o outro, do lado de cá do rio. (O barco era pequeno; o rio estava forte: não dava pra levar os dois ao mesmo tempo). No meio do rio o barco começou a afundar.

    Logo percebi o que houve. O inimigo tirara a tampa do barco com sensores remotos. Percebi a tempo que o barco estava destampado e voltei a tampá-lo. Sorri comigo mesmo. Eram os sensores remotos deles contra minha per¬cepção e rapidez. Mudei de lugar no barco e controlei o nível dágua. Remei com vigor e cheguei a margem de casa, muito abaixo de meu ter¬reno, devido a correnteza. Meu filho chorava, gritando do lado de lá do rio, na praia:

    – Paiê, Paiê, vem me buscar…

    – Já vai, meu filho. Não sai daí. Não tenha medo, eu já vou vol¬tar. (Entre nós havia um rio de 40m de largura, correndo em grande correnteza).
    Os vizinhos vieram me ajudar a esvaziar o barco. Eles estavam de óculos escuros: eram inimigos. Deixei eles fazerem força sozinhos para esvaziar o barco, não sou besta, vou deixá-los cansados.

    Eles esvaziaram o barco e levaram-no até em frente a minha casa, no lugar de atravessar de novo. (Perderam a tampa do barco mas eu sabia que era espionagem, roubaram a minha tampa).

    – Paiê, Paiê, me tira daqui…

    – Espera, espera. Não saia do lugar!

    Corri até o rancho. Encontrei uma tampa de lata de spray e peguei a faca. Cortei um pedaço do plástico para ajustar no local, arranquei o pedaço com o dente – meu inimigo me olhando, vendo onde eu ia fa¬lhar para ele atacar – tapei o buraco do barco e atravessei de novo o rio.
    Peguei meu filho e voltei para casa.

    Falei para a Mônica:
    – Não dá pra ir à praia hoje. Os inimigos estão todos por aí. Fizeram uma correnteza no rio que você precisa ver. Quase me pegaram.

    – 12 –

    Logo após a publicação de Memórias do Delírio, uma série de artigos e resenhas sobre o livro foram publicados pela imprensa. Para a resenha da revista Veja eu fui entrevistado. A reportagem que a revista publicou, com uma foto minha, ainda que de costas, deu-me uma sensação incrível de desconforto pela grande exposição a que eu me submetia e principalmente pelo fato de que considerei que a matéria foi muito crua e dura, ainda que desse grande destaque ao livro.

    Logo comecei a desestabilizar-me. E em poucos dias eu estava em delírio. Semanas antes havia sido publicada uma resenha em Curitiba. Por um êrro de composição do jornal, a matéria que saiu sob o título da resenha e ao lado de uma reprodução da capa do livro era uma notícia sobre o Cartel de Medelin.

    No dia seguinte é que o jornal publicou corretamente a resenha. Mas eu fiquei com este fato na cabeça e quando a reportagem da Veja desestabilizou-me eu passei a achar que o jornal de Curitiba estava me mandando uma mensagem cifrada.

    Que como eu falava mal da maconha no livro eu seria alvo dos traficantes do Cartel.

    Passei uns quinze dias sendo perseguido pelo Cartel de Medelin.

    Para cada instante eu esperava um ataque. Minha família, como de hábito, de início lutou contra minha convicção delirante mas, a partir do momento em que ficou claro que eu estava com o delírio estabelecido, em seguida entrou no jogo.

    Não me contrariavam e apenas diziam que para que os traficantes pudessem me pegar, teriam de pegar todo mundo. Em que pese o ligeiro alívio em termos de segurança que eu sentia , passei a ficar muito preocupado com todos da família e a sentir-me culpado pela insegurança em que agora todos viviam.

    Apenas ao final de meu delírio, quando comecei a duvidar de minhas certezas é que meus pais e irmãos fizeram força para me convencer de que ninguém me perseguia.

    Há sabedoria no ditado que diz que não se deve contrariar os loucos. Dá conforto ter gente a seu lado que “acredite” nas percepções desvairadas. Negar, fazer força contra na hora errada, além de nos tornar mais isolados às vezes faz com que pensemos que quem está contrariando a evidência do delírio está do outro lado, faz parte dos “inimigos”.

    – 13 –

    Em 1993, minha instabilidade era tão grande, entrando e saindo sucessivamente de crises alternadas de depressão e euforia que meu médico sugeriu-me e acabou por convencer-me e à minha família de que seria interessante tentar uma nova medicação.

    Havia também a conveniência de se tentar um novo neuroléptico pois que o uso já a longo prazo que eu fazia do Haldol estava iniciando sinais de estabelecimento da discinesia tardia. (A discinesia é um sintoma colateral da medicação e que se caracteriza por aqueles esgares de lábio tão marcantes da loucura. Em grande parte dos casos é efeito de remédio e não sintoma da doença).

    Eu concordei, esperançoso, e entrei na “aventura” de ser sujeito experimental de um medicamento que estava em teste no Brasil, antes de ser lançado no mercado. Era a Respiridona. O experimento foi conduzido na USP e na UNICAMP e eu fui inscrito no grupo piloto do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

    Quando iniciei com a medicação eu estava em leve crise mas logo a seguir entrei em forte delírio. Um tipo novo de delírio que eu ainda não conhecia. Tive meu primeiro delírio cenestésico.

    Os delírios cenestésicos ou proprioceptivos são delírios que se caracterizam por fortes dores e sensações musculares e corporais.

    O que eu sentia era uma tremenda e insuportável dor toráxica e nas costas. Era uma dor aguda e lancinante que me atravessa em diagonal desde o peito até a base da coluna, verticalmente.

    Eu tinha certeza de que havia uma espada enorme, do tipo das que os cruzados usavam, afiadíssima, atravessada em minhas costas e em meu peito, fincada de baixo para cima.

    E eu não podia me mexer, pois a cada movimento a espada cortava mais. Ficava horas sentado, parado numa mesma posição retorcida para tentar evitar a dor.

    Neste mesmo delírio eu quase explodi. Literalmente. Mexendo, um dia, com minha binga (aquele tipo de isqueiro antigo), eu, ao abastecê-la de fluido, derramei grande quantidade de líquido na mesa e sem me aperceber inalei todo o gás que se volatilizava.

    Quando me dei conta do sucedido, passei a ficar apavorado de que eu iria explodir. Principalmente porque, fumante inveterado, mesmo diante da minha absoluta convicção do risco de explosão, eu não deixava de acender um cigarro atrás do outro.

    Mas eu fumava com uma tremenda preocupação em não peidar, porque estava certo de que se eu peidasse ocorreria uma explosão. Eu me sentia uma bomba ambulante.

    O único cigarro que fumei tranqüilo, neste dia, foi no consultório de meu médico, que me garantiu que eu podia fumar e peidar o quanto quisesse que não explodiria. Lembro-me até hoje da esdruxula conversa que tivemos, ele divertido e sério a me explicar que eu não corria o risco de explodir.

    A experiência com a Respiridona não deu certo para mim; pelo contrário, foi aterradora por deflagrar minha fase de delírios proprioceptivos. Tive notícias, no entanto, de que o uso do remédio foi aprovado e de que alguns doentes tem se dado bem com ele.

    Mesmo sem questionar a competência e a ética dos médicos que conduziram este experimento, duvido, entretanto, que o protocolo final deste teste discorra sobre a possível interferência desta droga na instalação de delírios cenestésicos.

    Possivelmente porque sou uma irrelevância estatística.

    – 14 –

    O uso da Respiridona, ainda que por pouco tempo, deixou-me de herança os delírios proprioceptivos que voltei a ter mesmo sem estar mais usando esta droga. Sei lá o que aconteceu, ela deve ter aberto algum novo tipo de sinapse patológica no meu repertório neurológico.

    Sei que um dia eu precisava ir a um cartório no centro da cidade para passar a escritura definitiva de um imóvel que eu havia vendido muitos anos antes. Peguei meu carro e fui.

    Ou antes, tentei ir.

    Não pude lá chegar porque a meio caminho envolvi-me no centro de uma revolução. Era, para repetir o enredo, alguma coisa de confusão de São Paulo com o resto do país.

    Mas, de repente a revolução virou uma guerra e eu de paulista virei brasileiro e tudo se tratava de defender o solo pátrio.

    Só que as forças armadas não se entendiam e o exército não se dava com a marinha e nem os dois com a aeronáutica.

    Eu era um agente de informações e espionagem da marinha.

    E quando eu estava passando pela Rua Santo Antônio, no Bexiga, em frente a um posto de gasolina, levei um tiro na perna, certamente desferido pelas forças da aeronáutica.

    A dor foi lancinante e tive uma tremenda contração. Sorte que o trânsito estava parado e então eu coloquei o pé sobre o painel do carro e então pude massagear a perna.

    O frentista do posto de gasolina me olhava com estranheza e o mesmo fazia um motoqueiro parado a meu lado e assim, logo que o farol abriu, eu saí dirigindo com dificuldade porque eles eram inimigos e eu não podia me expor mais, inda mais agora que estava ferido.

    Desisti de ir ao cartório e resolvi dirigir-me de volta ao Pacaembu, para voltar para casa e buscar socorro. Minha perna direita doía violentamente e pesava uns quinze quilos.

    Eu tinha de fazer uma força enorme para não deixar meu pé afundar no acelerador. Observei que não havia sangue no lugar do tiro mas isto não me surpreendeu pois estava claro que eu havia sido atingido por uma arma nova que me introduzira na barriga da perna um projétil de chumbo líquido, razão pela qual eu também não localizava a bala quando nas paradas do trânsito voltava a massagear a perna.

    Na Rua Maria Antônia havia um pedágio de calouros do Mackenzie.

    Perto da Rua Sergipe, com um trânsito novamente parado, chegou-se à minha janela um estudante em trote e pediu-me um trocado para o chope dos veteranos e eu, sem querer e sem poder evitar, talvez passei-lhe o grande trote de sua entrada na faculdade.

    Eu precisava de socorro. Não achava que agüentaria chegar ao Pacaembu e, desesperado de dor, contei-lhe do tiro que eu levara, pedi socorro, que ele providenciasse um médico. Meu sofrimento e minha dor eram tão autênticos que ele, mesmo sem entender nada e mesmo sem o sangue que seria a evidência do tiro, parece de fato ter acreditado na história toda.

    Ao mesmo tempo que as manifestações cenestésicas se intensificavam, minha cabeça não parava e eu via naquilo tudo, de o calouro de engenharia do Mackenzie tentando me ajudar, a mim, um ex-estudante de Filosofia da USP,uma amostra de como o destino dá voltas e de como os inimigos de ontem podem ser os aliados de hoje na história das verdadeiras guerras.

    Tudo foi, afinal, tão rápido que sequer deu tempo de o rapazola sair da estupefação em que o coloquei, posto que em seguida achei que o melhor mesmo era eu ir até em casa e num ato reflexo, para despistá-lo, apontei com vivacidade para a esquina da frente disse-lhe ele visse… se ele não tinha visto aquele carro assim-assim atropelar a moça que atravessava a rua e ele, ao se virar para mais esta insuspeita ocorrência,distraiu-se de mim e eu saí quase cantando pneu em direção à minha casa.

    Por rápido que tudo fosse, o tempo ainda foi suficiente para eu colocá-lo a par de importante mensagem, de cujo teor não lembro, que ele deveria por questão de vida ou morte fazer chegar a um alto líder nacional, depois de eu ter-lhe declinado minha patente, para o caso de eu ser morto no caminho.

    Sei dizer que pelo espelho vi o rapaz sair correndo para um grupinho de estudantes, tão logo meu carro se afastava.

    O que ele contou aos outros e o que pensou de mim e desta estranha guerra que eu travava eu não sei. Mas naquele momento eu dava de mim o melhor para minha causa e minha causa era o meu país.
    Ao chegar em casa, vi que eu estava isolado.

    Em casa não havia ninguém e trabalhando ao longo dos fios telefônicos de minha rua, bem em frente de onde eu moro, havia muitos homens fazendo reparos nos postes, erguidos por aquelas caçambas automáticas dos caminhões de serviço. Tudo aquilo nada mais era do que uma operação para interferir com minha linha telefônica de tal forma que eu estava incomunicável.

    Tanto isto era verdade que todos os números para os quais eu tentava ligar davam ocupado ou eram ligações para o número errado. Só conseguia falar com gente estranha que me desligava o telefone na cara.

    Um lampejo de lucidez alucinada me conduziu a procurar meu médico. Mas não sem antes render-me à dor e deitar-me na cama para não exaurir minhas forças.

    Minhas preocupações eram três, entre outras, durante os minutos em que descansei em meu quarto.

    Preocupava-me sobretudo a morte que adviria de duas formas certas.

    A primeira, inexorável se eu não conseguisse socorro médico imediato e não tivesse minha perna amputada, era que o chumbo líquido se solidificaria e causaria uma gangrena que se estenderia pelo meu corpo todo.

    A segunda preocupação com a morte era que eu poderia a qualquer momento ser atingido por um tiro de longa distância, disparado pelo vão da janela de meu quarto, razão porque eu precisava ficar deitado sem travesseiro para não deixar minha cabeça à mostra, na linha de tiro.

    A terceira grande preocupação era com meu seguro de vida para garantir a educação de meus filhos depois que eu morresse.

    Acabei, afinal, localizando meu psiquiatra por telefone, justamente para que ele me providenciasse a urgente remoção que eu necessitava para um centro cirúrgico a fim de amputar minha perna.

    Ele acabou por convencer-me de que meu problema estava na cabeça e não na perna e de que eu precisava era de uma consulta e uma medicação com urgência. E a única alternativa rápida que havia para isto era eu ir até o seu consultório na Vila Mariana pois de lá ele não tinha condições de sair naquela hora.

    Andei mancando o quarteirão que me separa da avenida e tomei um taxi.

    Para meu azar o motorista era inimigo.

    Pois a guerra continuava e durante dias ainda se estendeu. Mas eu sabia como lidar com este inimigo que estava no volante.

    Para não deixar ele raciocinar resolvi contar-lhe piadas e assim fui durante a meia hora do trajeto.Não sei de onde minha memória foi sacar tanta piada, eu que não sou de contar piada. E as piadas se sucediam sem cessar, todas com duplo sentido e, ainda, por requinte,tenho a lembrança de que a maioria delas era de política e de caserna.

    Só que o cara não ria. E eu gargalhava sozinho, mas isso não importava porque cada piada que eu conseguia terminar representava uma vitória minha.

    Cheguei salvo ao consultório. E de lá saí, noitinha já, com minhas receitas e a recomendação expressa de meu médico de ir direto para a farmácia e para casa, sem parar em lugar nenhum, sem conversar com pessoa qualquer a respeito de assunto nenhum e principalmente sem contar piadas.

    O taxi que eu tomei na volta para casa era dirigido por um velho veterano da defesa civil, que também participava do esforço de guerra. Com ele não falei nada durante o trajeto, seguindo a orientação de meu médico, mas fiquei alarmado com as mutações que seu rosto assumiu durante a corrida, fruto de alucinações visuais que comecei a ter naquele instante.

    Era particularmente desagradável o fato de durante todo o caminho o velho vir pondo e tirando o céu da boca, enquanto dirigia.

    Para meu conforto, ao chegar em casa meus pais ali estavam e com eles e meus remédios reiniciei minha verdadeira e permanente guerra que é a luta contra a loucura.

    Ao cartório fui no dia seguinte, de Metrô, amparado por minha mãe que me guiou pelos labirintos das escadarias das estações e através das multidões do centro de São Paulo, porque compromisso de negócio não pode esperar a guerra acabar e eu mesmo, no fundo, sabia que honrar minha palavra numa transação comercial era mais importante do que continuar guerreando. Há anos atrás a venda daquele terreno ajudara a pagar meus remédios.

    Estes mesmos remédios de que depende a manutenção de minha sanidade mas que até hoje não conheço nenhum sem algum tipo de efeitozinho colateral.

    O efeito colateral que a Respiridona me deu foi este de me instalar na fase dos delírios proprioceptivos. Justo ela, cuja vantagem alardeada era a de não ter efeito colateral algum. Hoje faz tempo que não tenho delírios cenestésicos mas justo no lugar em que levei o tiro de chumbo líquido, na barriga da perna direita, costumo ter, agora, de vez em vez, uma cãibra feroz.

    Quando ouço falar de remédio psiquiátrico sem efeito colateral, hoje em dia, tenho um medo que me pelo. Penso que sejam efeitos desconhecidos ou não relatados na literatura médica.

    – 15 –

    Ocorre-me que talvez mais útil seja eu encerrar este texto não com o relato de mais um delírio qualquer mas com a reafirmação de que sou amnésico a respeito de meus delírios depois que eles se desfazem.

    Imagino que alguém possa achar estranha esta afirmação após ter lido várias páginas de relatos variados de delírios recentes e até bem antigos, alguns com diversos detalhes.

    Mas o fato é que o que relato é o que corresponde à minha memória mais significativa em cada caso e os detalhes são mínimos comparados à multiplicidade dos episódios que se desenvolvem em cada momento do delírio e à complexidade das sensações e emoções que vivo numa crise.

    Principalmente no que se refere à intensidade das vivências.
    Relatar um delírio dando destaque ao lado humorístico das situações, como fiz em alguns casos, é importante para realçar o surrealismo das experiências e para tentar tornar a leitura mais agradável mas pode levar à falsa impressão de que tudo não passa de uma grande curtição.

    Nada mais enganoso. A tônica onipresente em cada uma destas situações é a de um medo tenebroso. Um pavor e uma angústia inenarráveis. Nada é vivido pelo lado engraçado, exceto nas pequenas tréguas de conversações com pessoas que me conhecem muito bem e sabem me acompanhar no desvario.
    A fase de bem estar nas crises corresponde, para mim, ao início do descontrole eufórico. Seria, como se diz, a fase pré-maníaca. Quando o delírio se estabelece em plenitude, a vivência é aterrorizante. O sofrimento é superlativo.

    Cada delírio destes de que relatei passagens durou muitos dias, às vezes até duas ou três semanas, e cada minuto destes dias foi um momento de pânico, de urgência, de situação emergencial, onde alguma ameaça fatal me assolava de forma acachapante.

    O medo de vir a morrer numa explosão causada por um peido de gases inflamáveis não é menor do que o de vir a ser esmagado por uma motoniveladora no canteiro de obras de uma estrada em construção. Nem a angústia é menor.

    Diante das situações intensa e ininterruptamente vividas ao longo de vários dias e noites, aquilo que minha memória retém não passa de fragmentos. De dezenas ou mesmo centenas de delírios não guardo a menor recordação. E de muitas das crises cujos fragmentos eu relatei, minha ex-mulher ou meus pais e irmãos talvez tenham melhor memória do que eu.

    Por isto não sou um bom contador de delírios. O que deles me lembro e o que consigo transmitir numa narrativa nem de longe se assemelham à reconstituição das situações que vivi.

    A única forma de saber o que é um delírio ou uma alucinação é passando pela própria experiência. Não desejo isto a ninguém e que ninguém pense que esta é uma experiência que vale a pena. Não vale. O surrealismo vivido é a pior das realidades existentes.

    Conheço pessoas, no entanto, que admiram minha vivência. Creio que imaginam que me enriqueci espiritual ou existencialmente com ela.

    É ao contrário. Este “enriquecimento” a que se referem, algum tipo de crescimento, só se dá ao nível da expansão da consciência, não com o contacto patológico com o inconsciente. Se algum crescimento a doença me trouxe, este é referente a ela mesma e se constitui no desenvolvimento da consciência de minha fragilidade e no reforço de meu lado sadio para dar conta de suportar e conviver com as crises, tentando não destruir minha vida a cada novo episódio delirante.

    O contacto com o sublime e com o tenebroso que existe no inconsciente é de fato uma fonte de crescimento e energia e tanto mais quando nos apropriamos conscientemente de seus conteúdos.

    Mas com limites.

    Qualquer um pode fazer isto intensa e proficuamente se souber curtir seus sonhos. O lado tenebroso do inconsciente à solta na vida, dominando em delírio todas as ações e sensações é literalmente uma loucura.

    É patológico e em qualquer instante, sem mais aviso, pode me levar à morte num ato qualquer desvairado durante uma crise.

    Por isto nenhum delírio é engraçado, a despeito das situações hilariantes que possa criar.

    Quem quiser se aproximar da compreensão do que vem a ser um delírio, tome contato profundo com os seus próprios sonhos.

    Principalmente com os pesadelos.

    Experimente imaginar o que viria a ser o seu pior pesadelo e imagine o que seria de você vivendo este pesadelo ininterruptamente durante duas ou três semanas, acordado, enquanto tenta continuar dando conta da sua vida, trabalhando, cuidando dos filhos, se relacionando com as pessoas e com os fatos do mundo real.

    Misture as vicissitudes de seu cotidiano com o lado mais tenebroso de seu inconsciente e depois me diga que minha experiência ou a de qualquer outro psicótico é enriquecedora.

    Verdade é que em momentos meus de desalento e desesperança perante o mundo e as pessoas, eu às vezes já fantasiei que seria muito instrutivo para alguns experimentar uma crisezinha psiquiátrica para largar mão de tanta onipotência ou de tanto chorar de barriga cheia.

    Mas isto não passa de meus rancores.

    Na verdade, volto a dizer que não desejo a experiência a ninguém, nem mesmo a meus desafetos.

    Quanto a meu próprio destino, acalanta-me a esperança de que Deus seja sábio. Talvez ele dê o frio conforme o cobertor.

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  • Luiz

    Sem dúvida vc é uma pessoa culta erudita enfim com todas as qualidades necessárias à um escritor.

    Sem prejuízo delas essa mensagem quase me matou não pelo conteúdo mas sim pela extensão que até o impaciente John Wayne deve estar puto lá no caixão.

    Entenda o presente tão só como despropositada ao tema.

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  • Luiz Barros disse:

    Marito,
    Grato pelas palavras de incentivo. Mas se porventura é verdade haver um tiroteio em andamento, eu, que não atiro, tenho apenas como armas as palavras: por isto não fugi ao tema. Sei também que John Wayne não ficaria puto: ele é o mais paciencioso dos cowboys, com aquele rebolado característico que o faz deslizar sobre o solo como só Michel Jackson muitas décadas depois o superou com o passo da lua.

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  • Ana Lia disse:

    Agora precisamos chamar o John Wayne para investigar os Jogos Olímpicos.O Brasil passando fome e o Governo gastando 37, 7 bilhões naquela piada?

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    • Pois é Ana Lia só um irresponsável como o Lula lutou para que tivéssemos uma Copa do Mundo e Olimpíadas num período tão curto de tempo.

      Lembre-se de que dizia o “ilustre” cachaceiro” de que tudo seria com dinheiro de investidores. Deu no que deu e tem estádios verdadeiros elefantes brancos com dinheiro subsidiado as atuais concessionárias e elas não sabem o que fazer com eles. Ente todos até o Maracanã está dando imensos prejuízos. O do Corintias é um gigantes em dívidas e aqueles do norte e nordeste nem se fale.

      As obras olímpicas vão pro mesmo caminho. A propósito o John Wayne deveria examinar as contas dos times de futebol. Vendem jogadores por preços absurdos, rendas idem e estão todos quebrados endividados até a alma, sequer pagam salários e direito de imagem recebidos antecipadamente da Globo, que deita, rola e faz os jogos no horário que convém por causa das novelas.

      Acho que o John Wayne no Brasil desistiria da profissão.

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  • Ariosto Souto disse:

    Parabéns, espero q o “Xerifão” leve os meliantes para traz das grades e tbém o chefe da “camorra”, pai da mentira, petralha salafra, oriundo da escória tupiniquim, ratazana dos imundos esgotos dos tres poderes, o tal de “molusco” e sua trupe. O ParTidão deve ser erradicado com perda de mandatos de todos da gang por no minimo 30 anos!!!! Provas, existem e sobram!!!

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  • Regina T disse:

    Fernão,
    Inspiradíssimo!
    Parabéns e obrigada!

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  • GUSTAVO DOS REIS FILHO disse:

    Brilhante! Parabéns amigo.

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  • José Luiz de Sanctis disse:

    É preciso que o Xerife chegue no chefe antes que o país acabe.

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  • Se é que adianta alguma coisa.

    Melhor seria começar tudo de novo com uma boa higienizada com uso de método não ortodoxo à limpeza pública.

    Como não será possível diante de repercussões ou aguenta e vai piorar ou não sei.

    Depois que os movimentos nas ruas parece ter acabado e passaram a pressionar em Brasília é tudo que elles queriam porque resolvem com cargos.

    Mais uma vez reafirmo de que o Congresso é a melhor amostragem da sociedade brasileira.

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  • John Wayne, uma boa metáfora.

    O que fazer? Quando um ex-presidente propriamente exige que o vice Temer, indivíduo temeroso, assuma a coordenação e execução política de um governo que o deixou no escanteio por quatro anos e agora o chama para ajudar.

    Então, desavergonhadamente ele, o “temeroso”, negocia junto ao parlamento votos por cargos pra atender ao executivo do qual é subordinado o mesmo que destruiu a economia e a moralidade do país.

    Tudo por vaidade porque se tivesse vergonha na cara, palavra exata, não se submeteria à tanto, deixando que sua chefa Dilma se virasse porque ela e ninguém mais que ela e muito menos ele ,o escamoteado, participou de decisões que nos levaram a ruína da qual não sairemos tão cedo. Não nos iludamos com promessas, aliás, repetidas nos últimos 12 anos.

    O pior é que sem quaisquer temores mesmo na dignidade o temeroso atua pe$adamente conseguindo alguns resultado$ que em nada melhoram a vida da sociedade. Não satisfeitos vem o Brabosa, não aquele de quando o STF era mais sério, mas o ministro Nelson e começa a dar a dica que o ano mágico de 2016 será postergado para mais um ano pelo menos e assim será sucessivamente até o fim do mandato e daí mostrando que prepararam o governo deixando herança bendita

    Portanto, o John Wayne se pra cá viesse veria que nosso problema é de dignidade, moral, honra e tudo o que um político deveria ter e não tem, enquanto ele, o finado, nada poderia ter feito ou mesmo fazer da tumba.

    Solução? Pra que não digam que não apresento, então vai. Tchau Dilma de um jeito ou de outro e assim .Fide et fiducia

    Veja Luiz Barros, vc que é escritor e erudito como governar o que quer que seja sem ter” fé e confiança”, e começando na família.

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