A falta que a caça faz

18 de maio de 2015 § 13 Comentários

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Subi para cá correspondência trocada com Luiz Barros nos comentários de artigo anterior em função da importância do tema:

Fernão,

Estou aqui lembrando de uns tios queridos de minha infância, e nisto vejo o Renato, de Taubaté. Ele era exímio caçador.

Acho que foi a falta de amantes da caça e da pesca que dificultou a preservação da fauna e flora, porque os esportistas, como ele era, faziam mais bem para a preservação, com amor verdadeiro aos bichos, do que os vigiólogos de gabinete.

(…) só conheço um pouco de pesca, nada de caça. Você poderia por gentileza me dizer se a descrição que faço de um homem e seus perdigueiros é correta?

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Renato chegava ao sítio bem cedinho (…) com seus dois ou três perdigueiros (…) Vestia aquelas galochas que vinham até o peito e se prendiam por suspensórios ao ombro, qual macacão fossem: para entrar no brejo, se os cães para lá o levassem.

Cão e caçador sincronizavam instinto e ação e, enquanto um levantava a caça o outro fazia mira, acompanhando o voo rápido ascendente ou rasante, em linha reta ou ziguezagueante…

Resposta:

Não ha, felizmente, falta de caçadores e pescadores esportivos no mundo, Luiz, e digo felizmente porque é como v diz: o que sobrou no planeta de natureza conservada sobrou por causa deles.

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Aqui os caçadores (os esportivos, digo, porque quem vive no mato continua como sempre foi) estão quase extintos porque o Brasil é exceção no mundo, aí incluidos ate paises como Cuba, e persegue-os furiosamente desde 1983, ultimo ano em que a caça foi aberta legalmente por aqui (com exceção do Rio Grande do Sul).

Os caçadores são essenciais pelo fato elementar de que fazem perdiz, por exemplo, valer muito mais que soja, o que torna um excelente negócio, nos países onde eles continuam livres para prestar esse serviço às gerações futuras, comprar areas de cerrado (ou savana como chamam la fora) para mantê-las íntegras o bastante para continuar produzindo o que produziram naturalmente nos ultimos bilhões de anos até que, como dizia Nelson Rodrigues, os idiotas descobrissem que são maioria e passassem a nos oprimir: isto é, perdiz.

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Nos EUA a economia da caça e pesca esportivas gira em torno de US$ 400 bi/ano (isso mesmo! ⅓ ou ¼ do PIB brasileiro. Procure o site dos censos americanos; uma edição sim, outra não, faz-se esse censo nacional, detalhadíssimo, por lá). Eles são o pais com mais área selvagem conservada do planeta, ai incluidos os africanos. Todos os seus bichos nativos têm hoje rebanhos maiores que os que se calculava que existiam no Descobrimento, graças ao que rende esse negócio.

Ainda na semana passada vi, também o balanço anual de caça da França: 1 milhão e 200 mil peças foram abatidas em 2014 (considerados só mamíferos como javalis, cervos e caprinos dos Alpes, na caça de alta montanha) gerando bilhões de euros que são investidos na compra e conservação da quantidade de florestas íntegras que é preciso manter para garantir colheitas de quantidades como essa sem abalar o equilíbrio (as cotas são estabelecidas a partir de censos anuais de caça feitos pelos cientistas e pesquisadores de campo). São milhares de empregos, entre guiagem e hotelaria, aí incluídos os de cientistas e gestores de fauna que tratam de aprender com a natureza em vez de cagar regras sobre ela como gostamos de fazer aqui.

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Também nesse tema vamos, como em tudo o mais, pelo avesso do mundo, portanto.

Aqui o cerrado, produtor das perdizes, é o bioma mais ameaçado de todos. Na verdade está praticamente extinto, condição que acredito que já seja irreversível, dada a fragmentação do pouco que sobra, o que terá implicações dramáticas para o armazenamento de água no subsolo do Brasil dos nossos filhos e netos.

O cerrado, minha primeira grande paixão de natureza, é uma floresta de cabeça pra baixo, com uma trama de raízes que penetram a grande profundidade no solo com um volume de matéria vegetal muito maior que o que ela mostra acima do solo, o que proporciona a formação dos aquíferos como o Guarani, um oceano subterrâneo de água doce que cobre mais de um terço do nosso território e gera as nascentes de mais de metade dos nossos rios. Essa trama de raízes do cerrado é que mantém o solo poroso e nas temperaturas necessárias à continuação do processo que resulta nos aquíferos.

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Hoje está tudo compactado e cada vez mais impermeável logo abaixo da superfície totalmente tomada por gramíneas africanas e leguminosas asiáticas, e isso porque nossos “ecologistas” de bermuda colorida e chinelo de dedo acham que esta é uma questão “ética” a ser tratada por critérios emocionais e decretaram “imoral” a prática diuturna de todos os demais seres vivos, animais e vegetais (caçar e ser caçado), a mesma que alimentou seus ancestrais até que dominassem o planeta a ponto da cretinice deixar de ser punida com a morte, como continua sendo na natureza, e dar o resultado que tem dado.

Sorte do Blairo Maggi!

Nos tempos em que este país ainda pensava com a cabeça havia caça regulamentada, sim, e quando abria a temporada via-se gente feliz carregando suas espingardas pelo país afora pelas ruas, nas estações e nos trens que chegavam até o Mato Grosso (a unica via para la então), e o mais que continua acontecendo em todos os países civilizados do mundo, sem que ninguém se assustasse com isso.

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Mas como aqui a Globo mancheta todo dia que “as armas de fogo mataram não sei quantos este ano”, o que me remete sempre à curiosa ideia de revólveres com pernas andando por ai e atirando em gente por conta própria, possuir uma arma de caça, ainda que não possam ser confundidas nem com os revólveres e pistolas do crime desorganizado, nem com os fuzis do organizado, é visto como um crime mais grave, mais comentado, mais noticiado e mais perseguido que os dos autores dos 56 mil assassinatos por ano com que convivemos numa boa. É prático e fácil porque quem tem arma registrada tem endereço certo e sabido, sendo portanto muito mais fácil e seguro de infernizar do que quem não tem e dá tiros na cara de quem lhe enche o saco ou até por menos que isso.

Na Globo o cara por traz da arma não conta, o crime não é crime, que supõe culpados, é “violencia” que significa outra coisa, sem dono, do que resulta que os criminosos passam a ser “infratores” que não devem ser tirados das ruas onde andam os nossos filhos porque a prisão não consegue “recupera-los”. Foda-se quem vier a ser morto por isso…

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Enfim, nós somos brilhantes, Luiz, sabemos mais e melhor que o mundo e por isso colhemos os resultados que colhemos. É justo que seja assim!

Já o seu personagem, conheci inúmeros como ele de quem morro de saudades. Também eu tive tios caçadores a cujas expedições aderi a partir da segunda metade dos anos 60. Era o tempo em que o sertão começava ali por Araçatuba, a Mata Atlântica ainda estava agarrada ao mar no litoral entre Rio e SP, quase virgem, e ia assim até a foz do Rio Doce, um dos nossos paraísos destruídos. Só recuava para Oeste da metade da Bahia para cima. O sertão da Bahia emendava com o do Rio das Mortes e daí, Amazônia acima, ia intacto até o Caribe. Conheci esse Brasil selvagem e seguro e cordial como nunca foi o “civilizado” de ponta a ponta e isso foi crucial na minha formação.

Ser caçador não é uma escolha, é uma condição de quem tem a felicidade de nascer sujeito a ela. Instala-se no imaginário do portador antes da capacidade de raciocinar. É anterior e mais forte que ele.

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A sua descrição remete a um caçador de batuíras, aves do brejo, vôo rápido e errático como o de uma borboleta à jato, tiro muito difícil, cozinha excelente, bom desafio pros perdigueiros. Vê-los caçar; recuperar o instinto ancestral como numa transfiguração instantânea assim que pisam um campo com caça, oferece ao observador a primeira experiência mais íntima com as forças do atavismo. Eram muito comuns — eles e as batuíras — no iterior de SP no tempo em que ainda havia a natureza em pé que nossos ecologistas fizeram questão de entregar para a agricultura, unica maneira legal de fazer terra render dinheiro neste país infeliz. O interior de SP era famoso pelas areas de banhados — brejos de cabeceiras dos seus muitos riozinhos onde pelo mês de outubro ocorriam as eclosões de vagalumes aos milhões que, ao anoitecer, pareciam trazer o céu ao chão. Hoje estão quase todas devidamente drenadas para que a agricultura e a “civilização” se instalassem até sobre o ultimo centímetro disponível, onde as batuíras e batuirões, também ditas narcejas ou corta-vento lá no Rio Grande do Sul (“bécasse” e “bécassine” nos restaurantes do mundo) eram rainhas.

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Agradeça aos nossos herois da natureza a extinção de tudo isso. Eles acreditam piamente, e assim ensinam às nossas crianças, que os alimentos vêm dos fundos dos supermercados, devidamente embalados em plástico e sem sangue, e que o verdadeiro amor à natureza, sem o incomodo dos insetos, do calor e dos demais componentes dos “programas de índio” (aqueles que ainda fazem parte do currículo escolar do resto do mundo, como acampar no mato e entender o que de fato acontece lá dentro), deve ser vivido em manifestações no vão do Masp, com cartazes “criativos” e fantasias de caveira contra a caça e etc..

Historicamente falando ha duas correntes de ambientalismo no mundo. A que nasce nos EUA (o Boone & Crocket Club, frequentado pelo presidente Theodore Roosevelt,  foi a origem de tudo) e na Inglaterra, onde chegou a haver uma filial dele, pela mobilização de caçadores e pescadores, seguidos de pesquisadores e cientistas que, como v diz, amam e entendem como funciona a natureza real (não a que está na cabeça dos nossos urbanóides) e deu origem à linha do WWF (World Wildlife Fund), que usa a caça e a pesca esportivas como ferramentas de conservação, e a corrente ideológica e urbanóide que surgiu de militantes franceses (como os que vieram para a USP, hélas!) que resistiam à explosão de uma bomba atomica em Mururoa no pesqueiro Rainbow Warrior e deu origem ao Greenpeace, anti-caça e bom de discurso, de marketing e de midia. WWF era “dono” das florestas, Greenpeace dos mares, até que este veio se meter na Amazônia com a minha ajuda (sem muitas ilusões, vim a ser diretor do Greenpeace do Brasil, cargo de que me demiti “atirando” em pouco mais de um ano, história que ainda conto aqui num outro dia).

É esse o ar que assume a nossa crassa ignorância sobre tudo nesse campo particular, Luiz…

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§ 13 Respostas para A falta que a caça faz

  • Helena Maria de Souza disse:

    Femasin deswculpe-me, não tem nada a ver co o tema de hoje, mas você já assistiu a este vídeo?
    Clique no link abaixo

    Entre no Youtube e digite na busca: “DEPOIMENTO FANTÁSTICO de Fernando Holiday

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  • Dr.Eduardo Gonsales de Ávila disse:

    É isto ai LUIZ, o FLM é um Expert no assunto. O artigo é impecável. Faltou dizer o quão equivocada é a politica ambientalista, toda ela baseada em influencia alienígena á realidade de nosso pais. Como pode ser efetiva manter reservas florestais entremeada com a ocupação humana, a atividade agrícola utiliza defensivos (pesticidas) que acabam por exterminar pássaros abelhas, que são fatores de polinização da selva. Então, há longo prazo tais reservas estão condenadas á auto-extinção. Sem dizer que esta não ocupação de área, legalmente na marra devendo ser intocadas, acabam servindo como pressão para a abertura de novas fronteiras agrícolas, acarretando novos desmatamentos. Reservas Florestais além de preservarem coisa alguma, não rendem (impostos) um centavo para a economia. O pais joga no lixo uma enormidade de potencial na caça e pesca (turismo). Sem tocarmos no aspecto da utilização de fogo para a abertura do campo, mal sabem que o fogo queimando superficialmente o solo, acaba com o ion aluminio, que é anti-bactericida determinando a proliferação de uma flora bacteriana que fixa nitrogênio (adubo) no solo tornando-as de mais alta produtividade. As terras mais produtivas do mundo são limítrofes a atividades vulcânicas. (vesúvio). .

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  • José Luiz de Sanctis disse:

    Excelente texto que aborda com precisão a arte da caça e o imenso prejuízo da sua não prática. Aqui, além cegueira ideológica dos ecologeiros de gabinete, tem a questão ideológico-totalitária desarmamentista. Como regulamentar a caça (para a atividade são necessárias armas de fogo) se o governo comunista quer desarmar a população para nos impor sua ideologia liberticidas e assassina? Recordo aqui uma matéria publicada neste blog sobre um ecologista que reconheceu o erro em se proibir a caça. Como a proibição da caça acabou com os leões de Botswana. https://vespeiro.com/2014/06/27/como-a-proibicao-da-caca-acabou-com-os-leoes-de-botswana/

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  • ticianomazzetto disse:

    Muito triste Fernão…………texto lúcido, infelizmente os preconceitos só nós levam ao atraso.
    Abs
    Tici

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  • Flávio Fraccaroli Martins Fontes disse:

    Excelente artigo e é a mais pura realidade.Triste para nós esportistas e conservacionistas que sabemos que temos que conservar para caçar.

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  • Dr.Eduardo Gonsales de Ávila disse:

    ÍNDIO PAJÉ manda avisar que índio bota fogo em mata, faz Terra Preta e é mais sábio que cara-pálida Branco.
    http://www.pt.wikipedia.org/wiki/Coivara

    http://www.pt.wikibooks.org/wiki/Civilizaçao-Tupi-Guarani/Sociedade

    http.www.youtube.com/watch?v=58VXW9EaQk0

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  • Dr.Eduardo Gonsales de Ávila disse:

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  • Mário Knichalla Neto disse:

    Ótimo texto. Parabéns!

    Gostaria apenas de fazer um comentário sobre a regularização da caça. Hoje, está liberada a caça de javali e seus cruzamentos em todo território nacional. Foi regulamentada de acordo com a Instrução Normativa Ibama 03/2013, de 31.jan.2013.

    Eu faço parte de um amplo grupo de colaboradores, que trabalham para o controle da “praga invasora”, coleta de matéria biológico para que a Embrapa faça monitoramto de doenças e preservação do meio ambiente. A bem da verdade, usando da minha desnecessária sinceridade, uma ótima discuta para fazer o que mais gosto com orgulho e cabeça erguida, sem preocupar com perseguições policiais ou de comedores de alface. Inclusive, com argumentos legais, para discutir com estes maconheiros de sofá, que eu, caçador declarado, contribuo muito mais do que o eles seriam capazes de se imaginar fazendo para preservar o meio ambiente.
    Além de tudo, ainda tenho a alegria de poder compartilhar os meus momentos no mato com todos amantes da natureza. Tenho vídeos e fotos postadas, sem nenhum receio de estar cometendo alguma irregularidade.

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  • José Luiz de Sanctis disse:

    A falta que a caça faz, além do meio ambiente, à economia. Está é apenas uma das dezenas de lojas dessa rede. Fora a concorrência, que no mínimo é igual. http://www.ilovememphisblog.com/2015/05/24-hours-in-the-bass-pro-pyramid/

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  • Ronaldo Sheldon disse:

    Fernão, excelente artigo. Fez-me lembrar dos bons momentos de curtição da natureza em seu estado puro, no mato, no mar, nos rios, caçando, pescando, mergulhando, enfim aproveitando tudo que tínhamos e que hoje foi entregue a exploradores da monocultura, da madeira ilegal e da pesca predatória. A moncultura canavieira desvairada toma municípios e municípios continuamente, devastando a flora e a fauna antes existentes. É uma desolação andar no meio de um canavial no interior de São Paulo. Terras que antes tinham canários da terra, viras, sabiás, colerinhas, tizius, tesourinhas, andorinhas, rolinhas, nhambus, codornas, perdizes, emas, lobos guarás, tatus, pacas, capivaras, etc. agora estão quietas e desoladas e só se ouve o barulho do vento nas folhas do canavial. O sertão está triste, silencioso, reverenciando a sua destruição.
    Pena que nossos filhos e netos não saberão o que é Sertão, Cerrado, mata atlântica, praias desertas, rios piscosos, …. É muito triste. Viva os caçadores e pescadores esportivos!

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