Que tal mudar a mudança?

22 de agosto de 2014 § 7 Comentários

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Artigo para O Estado de S. Paulo de 22 de agosto de 2014

Passados nove dias da morte de Eduardo Campos em que a imprensa serviu doses maciças de revisões e análises da crucial eleição de 2014 onde todos se apresentam como representantes da “mudança”, nenhum fato que possa servir de referência foi fincado fora do terreno pantanoso da propaganda em que tudo continua boiando para balizar a eleição por esse critério que a unanimidade dos candidatos adicionou pelo menos ao rótulo da embalagem com que se apresenta ao público.

Mudança em relação a quê?

Desde as ruas de 2013 não ha político nem marqueteiro que tenha conseguido formular qualquer coisa de convincente.

Mas existe uma chave para esse mistério. A única mudança que não merece aspas nem é unanimidade entre todas as que aparecem nas propostas dos candidatos é aquela que, inexplicavelmente, menos para os seus protagonistas, ninguém menciona.

Mais do que propor, o partido de Dilma Rousseff impôs à mesa a carta de uma mudança daquelas que é para ser infinita enquanto durar. Continua em vigor, fazendo tres meses agora, o Decreto Presidencial nº 8243, de 25 de maio de 2014, assinado por ela, que revoga o sistema representativo eleito pelo voto universal e tira do Congresso Nacional as prerrogativas que são exclusivas dele numa democracia.

Não foi a única tentativa. Mas entre esta e a primeira muito mais coisa mudou no Brasil do que a incorporação de suites especiais ao Presídio da Papuda.

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A medida da gravidade da intoxicação que acomete o país não está no fato do PT ter apresentado uma nova modelagem do seu DNA antidemocrático desde sempre conhecido mas sim na enormidade que é, depois de impo-lo ao Brasil na forma de um édito de sua majestade em pleno Terceiro Milênio ele não ter sido mencionado uma única vez em todo o debate eleitoral, nem pelos candidatos, uns interpelando os outros, nem pela imprensa cobrando de cada um que se posicione em relação a ele.

Quem, afinal, está em desacordo com isso?

A docilidade com que o Poder Legislativo segue permitindo que o seu pescoço permaneça acomodado no cêpo de uma guilhotina com a lâmina já destravada, posto que decretada e não meramente proposta a execução está, é de arrepiar os cabelos.

O Congresso Nacional, vá lá, é o que foi feito dele. Mas sendo ainda uma criatura da democracia, sempre acaba dando sinais de vida desde que a imprensa cumpra a sua função de fustigá-lo com os necessários rigor e pertinácia, tanto que esboçou reação antes que a Copa esvaziasse a pressão.

É assim mesmo que funciona.

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Perseguir a corrupção faz, sim, parte do “metier”. Mas o tema da quantidade de máculas carregada por cada candidato num quadro institucional que não admite trânsito isento de vício é insuficiente para criar uma distinção livre de argumentações teóricas desviantes, ainda que as diferenças de grau possíveis nesse quesito e suas funestas consequências sejam as que se conhece. Essa linha de ação, portanto, mais serve para igualar coisas que são diferentes do que ajuda o eleitor a diferenciá-las. Não é por acaso que o “Eu sou, mas quem não é”? foi transformado, desde a segunda semana do Mensalão, praticamente na divisa armorial do brasão do lulismo.

Ha valores muito mais importantes em jogo. E, no entanto, Eduardo Campos morreu a 53 dias da decisão sem nunca ter sido instado a nos contar como se posicionava diante deste édito tão cheio de consequências definitivas da contendora de quem já tinha sido um aliado e um servidor. No país dos 30 e tantos partidos políticos, quase todos “socialistas”, aliás, qual seria a diferença entre o “socialismo” do PT, o “socialismo” de Eduardo Campos e o “socialismo” de Marina Silva?

Ninguém disse nem jamais foi-lhes perguntado.

O de Aécio Neves declara-se formalmente “democrático”, “social democracia” que seria. Mas, mesmo a ele, como aos demais, não conviria peguntar diretamente, olho no olho do eleitor, como se posicionam em relação ao menos a algumas daquelas 521 alterações na Constituição da Republica que integram o “Plano Nacional de Direitos Humanos”, programa oficial de governo do PT que, segundo a nova “Política Nacional de Participação Social” decretada pelo Palácio, passarão a ser implementadas ou não segundo o que for decidido entre o presidente e os “movimentos sociais” que o Secretário Geral da Presidência houver por bem selecionar?

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Concordam, por exemplo, que todos os professores e alunos do país sejam submetidos a um programa de reeducação para entender qual a nova interpretação que o governo exige que se aceite em ordem unida, do conceito de direitos humanos? Estão de acordo com que a confirmação ou não da posse de propriedades rurais ou urbanas invadidas deva sair das mãos do Poder Judiciário e passar às dos “movimentos sociais” que tomarem a iniciativa de invadí-las? Que todas as polícias do país passem a depender e obedecer exclusivamente ao presidente? Que os ungidos do senhor secretário passem a determinar que leis os representantes eleitos de todos os brasileiros poderão examinar, o que cada um de nós poderá ou não ler e a imprensa publicar?

E à própria candidata à reeleição, não cabe pedir que nos explique, ponto por ponto, por qual tipo de matemática pode-se demonstrar ao eleitor que as novas Organizações Não Governamentais Organizadas pelo Governo (ONGOGs) o representam melhor que o representante em quem ele votou?

É da permanência ou não do Brasil no campo democrático que se trata. Ha 12 anos o país tem vivido num empurra-empurra para fora, mediante todo tipo de expediente tipificado ou não no Código Penal, e de volta para dentro dele na undécima hora, e é isto que explica porque está ficando tão difícil trabalhar aqui. E a cada tentativa abortada o elemento de resistência tem sido sumariamente eliminado, tenha o peso institucional que tiver. O que esta eleição pode mudar é acabar de uma vez por todas com esse tipo de mudança, reverter os pedaços dela que nos foram impingidos ilegalmente e reafirmar como indestrutível o pacto deste país com a democracia para que todos possamos recomeçar a trabalhar em paz.

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§ 7 Respostas para Que tal mudar a mudança?

  • José Luiz de Sanctis disse:

    A Marina achou uma beleza esse decreto totalitário e o silêncio do PSDB pode ser entendido como uma ferramenta a ser utilizada caso vençam a eleição. Os velhos socialistas que comandam o PSDB vestidos com pele de democratas, certamente enxergam a utilidade desse absurdo e ainda poderão alegar que não foram eles que aprovaram.

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  • honorio sergio disse:

    “Muda a merd… mas as varejeiras são sempre as mesmas” me desculpe as palavras de baixo calão, mas já não suporto mais tanta iniquidades neste nosso páis!

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  • Ronaldo disse:

    Atenção, atenção, perigo, perigo,……nosso Legislativo está em risco de perder sua independência!!!! Atenção atenção, perigo, perigo!!! Atenção Deputados e Senadores: medidas urgentes são necessárias para salvar os seus e os nossos pescoços. Atenção, atenção, perigo, perigo, Urgente, Urgente, Ugente!!!! Manifestem-se pelo amor ao Brasil e à sociedade!!! Urgente, urgente!!!

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  • nandoathayde disse:

    Esse silêncio meio cúmplice, faz parte do caráter (ou falta dele) do brasileiro nestas épocas eleitoreiras. TODOS teem medo de assuntos ‘polêmicos’ em épocas ‘cata-votos’. Só isso! No fundo, todo mundo sabe o desatino que é esse famigerado Decreto 8423. Coisa da PeTralhada e, logo, coisa de gente doente, que é o que elles são. Lulla, Dillma et caterva ….

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  • gustavo disse:

    Escrevo estas linhas estando deitado na cama de uk hotel na florida. Nasci em 81 e lembro um pouco da dolorosa decada da inflacao. Fui criado por pessoas que nos chamavam de “a geracao do futuro”. Por mto tempo realmente me importei com o Brasil, e dentro das minhas capacidades procurei estudar sobre o pais e me juntar com outros que tb se importassem. MAS a verdade eh que estamos no fundo do poco… pessoas de quem se espera um bom exemplo sao as mais omissas, pois estas tem medo de perder os cargos….. os que tem coragem de dizer ou fazer algo sao frequentemente xingados e perseguidos…. o Brasil sofre de pobreza moral, que torna-se cada vez mais aguda com a absuda carga tributaria e com a forma que ela eh aplicada. Essa carga tributaria deixa a populacao cada vez mais pobre e dependente do estado. Gostei da observacao de que so existe partidos socialistas no brasil, pois ja tinha observado tambem, bem como so temos educacao socialista, politicos socialistas e movimentos sociais socialistas. Me parece que os militares sao fans dos socialistas. Nao por menos cassaram JK e Carlos Lacerda, enquanto lambiam as frieiras dos pes de todos esses politicos esquerdistas de hoje. Eh bom lutar contra o comunismo e a mentalidade revolucionaria, mas devemos ter em mente tambem que os militares brasileiros nao sao, nem de longe, uma referencia de luta pela democracia e espero que nunca mais saiam dos seus quarteis.

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  • VALDIR disse:

    TAO GRANDE E A DESINFORMAÇAO E DESINTERESSE DESTE POVO ORDEIRO DEMAIS QUE ESTES QUE AI ESTAO SE AVENTURAM A VOOS MAIS ALTOS EMDIREÇAO A SEUS TORPES PROPOSITOS QUE VISAM SE LOCUPETAR NAO IMPORTANDO A QUEM ESTAO LESANDO. O MOLUSCO TEM A CARA DE PAU DE AUFERIR PARA SI O MELHOR GOVERNO DESTE PAIS NAO TOCANDO NUNCA NO FATO DE QUE NUNCA EM EPOCA NENHUMA SE ROUBOU TANTE E SE EXTORQUIU TANTO O BRASILEIRO ;OS IMPOSTOS ANTES SOBEJAMENTE DENUNCIADOS PELO LULA ;SE TRANSFORMARAM EM ABUSIVOS ALIMENTADORES DA LADROAJEM QUE ESTAMOS VENDO PELOS CANAIS DE NOTICIAS E DESMENTIDOS CINICAMENTE PELOS REPRESENTANTES DO POVO . FORA PT!!!!

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