Sexo, mentiras e rock & roll

28 de março de 2014 § 3 Comentários

A escola não é uma panaceia.  A educação talvez seja. Mas educação não é o que se entrega em nossas escolas. Nem nas públicas, nem nas privadas, salvo as raríssimas exceções que confirmam a regra.

Em alguma medida a escola sempre acaba por ser transformada em mecanismo de reafirmação, para os futuros súditos, das “verdades” que sustentam o sistema de poder vigente. Especialmente a escola pública mas não apenas ela.

E o sistema de poder vigente entre nós é o que é…

A universidade, nesse sentido, nasceu revolucionária. Mas também acabou por enquadrar-se. Falar do ideal universitário do Iluminismo; da ciência pura e do culto à crítica no Brasil dos tempos que correm, assim como manifestar qualquer outro traço de idealismo, é quase um atestado de insanidade ou, no mínimo, de alienação.

Esse espírito nunca prevaleceu entre nós salvo, talvez, nas duas ou três primeiras turmas formadas pela USP, a única instituição de ensino nacional que, ao menos no momento da sua implantação, foi estruturada tendo esse ideal como modelo.

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No mais, tudo aqui já nasceu para o propósito avesso, no melhor espírito da Contrarreforma a cargo da polícia do pensamento jesuíta que, não por acaso, teve por séculos o monopólio da educação no mundo Ibérico do qual a nossa “flor do lácio” foi sempre “a última” a se distanciar.

Quando uma parte substancial da educação ainda estava a cargo das famílias havia, ao menos teoricamente, uma válvula de escape desse grande “afinador” do  pensamento nacional – ou desse grande desafinador se quisermos ter por referência o mundo que existe para além da nossa ilha cercada de catolicismo e língua portuguesa por todos os lados.

Depois do advento da televisão que, especialmente no Brasil, roubou essa atribuição dos pais e das mães passando a ditar não só o modo “correto” de pensar mas também a única forma “aceitável” de cada brasileirinho e cada brasileirinha se comportar, a vaca literalmente afundou no brejo.

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Hoje juntei mais três pecinhas do quebra-cabeças particular com que vou tentando decifrar o Brasil.

Voando ontem da Argentina para cá, repassei no iPad a sequência das minhas anotações à margem do 1889 de Laurentino Gomes, exercício que os e-books tornaram muito mais fácil e interessante de fazer ao permitir a leitura de todas elas em sequência sem as dificuldades de decifração que a nossa própria letra enfiada nos espaços exíguos das margens de livros de papel impõe.

Hoje, no início da tarde, a partir de uma referência qualquer, assisti à entrevista de José Serra sobre os 50 anos do golpe de 1964 no UOL (aqui).

Agora ha pouco captei por acaso, na Globonews, a “reprise” da entrevista do ministro Joaquim Barbosa que estreou o novo programa de Roberto D’Avila.

O relato dos primeiros passos claudicantes da República no país, no 1889, é uma crônica eloquente dos desastres produzidos pela completa ignorância, não direi do povo, mas da elite brasileira da época, incluindo de Rui Barbosa para baixo, a respeito do que quer que tivesse a mais remota relação com os equipamentos institucionais de um Estado moderno e muito menos ainda com qualquer equipamento de um Estado democrático de seu tempo.

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Serra repete quase que integralmente esse mesmo relato quando descreve o quadro de desorganização econômica aguda com que se viu às voltas João Goulart, mais de 80 anos depois, e o seu completo despreparo para imaginar qualquer linha de ação que fizesse sentido para enfrentá-lo, o que, muito mais que os empurrões que vinham da direita, explicam porque ele voltou correndo para os bois e cavalos a que estava acostumado em São Borja antes mesmo que qualquer “milico” de 64 desse um espirro que fosse.

Joaquim Barbosa, finalmente, guardando os cuidados com a língua que ele tem tido sobradas razões para esquecer nos embates que tem enfrentado no STF (onde “com toda a polidez afirma-se o inaceitável“, conforme ele registrou na entrevista), tratou de explicar também que, no seu modo de ver as coisas “o Direito não se basta” (o que é ainda muito mais verdadeiro, acrescento eu, quando se fala de “direito romano” versão brasileira prática), e que “um juiz especializado no direito do Estado, no direito Constitucional, tem de sorver cargas pesadas de História, de Sociologia, de Ciência Política e de Literatura para estar à altura de interpretar os temas que lhe chegam às mãos” nesse campo como, por exemplo, no caso do Mensalão.

Educação, enfim. Ou até mais que isso, de “cultura” que é educação farta e variada “digerida” e “metabolizada” pelo indivíduo é do que ele estava falando.

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A cada vez que me deparo com essas encruzilhadas da vida brasileira vêm-me à mente as manifestações de junho de 2013.

Virgens de educação como seguimos, vamos indo, os condenados a reinventar a roda de geração em geração, re-ensaiando o que já foi ensaiado, representado e descartado centenas de vezes pelo mundo afora, inclusive aqui mesmo. E quando trombamos, ao fim de cada repetição, com o mesmo desastroso resultado de sempre, não aprendemos mais que mais um “não”, ante-sala para partirmos de volta para o mesmo erro e outro “não” quando a última repetição do percurso da mesma batida picada já tiver doído o suficiente, só que numa nova geração sem as memórias da anterior.

Sem memória histórica e conhecimento do nosso próprio passado e afastados de todo conhecimento especialmente nos campos do saber que têm alguma influência na estruturação de novas instituições para balizar as relações de poder entre governantes e governados, empregados e empregadores, produtores e consumidores e assim por diante, seguimos incapazes de formular qualquer proposição em torno da qual se possa arregimentar um “sim”, o que nos torna presa fácil para cair em mais um giro da velha roda, conduzidos pelo “salvador da pátria” da hora e embalados pelo mesmo vazio absoluto de know-how institucional.

Somos o tipo de cego acostumado à cegueira; recusamo-nos a importar tecnologia institucional moderna como fazem os asiáticos, por exemplo, o que é ainda mais burro do que seria recusar o uso da penicilina ou dos computadores só porque não foram inventados aqui.

Como consequência nossa vida política tem sido dar voltas no escuro no mesmo circuito de sempre.

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A Primeira Republica que nasceu com um golpe (o “não” contra a monarquia) e prosseguiu com duas rodadas  de ditadura militar e a criação de uma nova “nobreza de ceva” engordada nas tetas do Estado; a Segunda que, do “não” a essa falsa elite “carcomida” da Primeira, mergulhou de 1930 em diante, por absoluta ausência de “sins”, novamente na ditadura e na criação de mais uma fornada de “carcomidos” fabricados pelo Estado, desta vez nas duas pontas do Sistema, a do Capital e a do Trabalho, cujos restos incluem a falsa elite pelego-sindical que está de volta e nos governa hoje; o golpe de 64, nascido como “não” ao golpe contra a volta “no tapetão” do getulismo a cujas mãos nos devolveram os porres de Jânio Quadros e que, por completa incapacidade de formulação de “sins”, projetou-nos de volta ao estado ditatorial natural e à criação de nova “elite” econômica, “de compadrio” como sempre, cujos restos ainda vagam por aí.

Assim vimos seguindo pelo mesmo caminho, com a corrupção que vem de cima engolindo uma nova fatia da sociedade a cada volta no mesmo círculo de ideias mortas, até os atuais “barões do BNDES”, as ONGs chapas-brancas, as “organizações sociais espontâneas” sustentadas por impostos, os 70 milhões de cheques por mês que o governo emite para eleitores e à ditadura comprada que se esboça no horizonte outra vez sob um coro de “nãos” e a absoluta ausência de “sins” da classe média que sustenta essa festa que junho de 2013 expressou tão literalmente…

No meio do caminho um acidente para o bem, para variar, guindou Fernando Henrique Cardoso e a geração virtuosa da USP mesclada a outros estranhos no ninho que tiveram a oportunidade de estudar fora do Brasil e assim municiar-se de alguns “sins” e outros tantos raríssimos “comos” que propiciaram que se arrumasse a casa e desviasse por alguns anos o Brasil da sua rota cega só de “nãos”, sempre colecionados a duríssimas penas e acachapantes trambolhões.

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Mas uma vez partidos esses “alienígenas” de volta para o isolamento de que os cerca a ignorância ampla, geral e irrestrita a respeito de tudo que ultrapasse a generalidade e o diktat incutido pela “patrulha” que domina as escolas e as televisões, eis-nos de volta ao que somos, tangidos com mais força ainda para trás pela atual obsessão da Globo de redimir-se do seu próprio passado para arreglar-se com os novos donos do poder, pauta que a jornalistada em peso se sente na obrigação de acompanhar como manada.

É o que nos obriga — enquanto o mundo pensa 50 anos para frente — à essa romaria diária a 50 anos para trás em que vimos vindo desde muitos anos antes da data de comemoração dessa efeméride para reescrever “verdades históricas” de conveniência, o que obrigatoriamente se faz revivendo o jargão e os esquemas ideológicos emburrecedores de meio século atrás que, por sua vez, “confirmam”, solidificam e sacramentam o discurso idêntico que vem sendo martelado na cabeça de nossas crianças em todas as escolas do país.

Já não sei se foi Serra, já não sei se foi Barbosa quem lembrou que essa necessidade “purgativa” da Globo põe este país gigante, no limiar do Terceiro Milênio e da Inteligência Artificial, discutindo mais apaixonadamente que qualquer outra coisa a “verdadeira história”… de 50 anos atrás, “como se tentássemos resolver os problemas de hoje aplicando os remédios dos anos 60 ou fizesse sentido aplicar os dos anos 30 para resolver os daquela época…

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A par disso, o único outro grande tema que mobiliza a “intelectualidade” e a “militância política” nacionais a ir às ruas exigir o que “é seu” é tudo quanto se refere à outra estranha obsessão, esta de natureza freudiana, da nossa Vênus Platinada que, na sua cruzada para “reeducar” sexualmente o brasileiro segundo os padrões da ponta mais apodrecida da elite carioca, tem percorrido no horário nobre todas as variações do Kama Sutra e costurado os mais díspares emparceiramentos entre todas as variações de gênero, sub-gênero, trans-gênero, idade, graus de consanguinidade e distúrbios psicológicos e motores que a humanidade produz, amarrando uns aos outros, nos “pares românticos” das novelas que a família brasileira traga reunida, duplas que se montam e desmontam, embaralham e misturam, traem, destraem e re-traem-se umas às outras, sempre com o endosso geral do vale-tudo moral do baixo Leblon, a ver se transformamos o sim em não, o não em sim e tudo em mais ou menos do Oiapoque ao Chuí e nos tornamos mais bandalhos um pouco a cada dia, enquanto o país se pergunta, perplexo, de onde vem a brutalidade e a violência sem limites que assola nossas ruas, extensões dos lares constituídos sob essa boa norma.

E pra frente Brasil que atrás vem o mundo!

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 Leia sobre tecnologias institucionais modernas neste link

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§ 3 Respostas para Sexo, mentiras e rock & roll

  • Marcos Ronald Roman Gonçalves disse:

    Discordo apenas da última linha.
    O mundo não está atrás do Brasil. É o meu país que está atrasado e muito do mundo de cultura ocidental judaico-cristã. Tão atrás que nem se vê a poeira do penúltimo da fila.

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  • Excelente artigo, infelizmente eu já havia constatado essa verdade… Lamentável ver a complacência do jornalismo brasileiro frente ao que vem acontecendo neste país. Lamentável ver a Globo alucinando os brasileiros para desviar do assunto que realmente interessa, e mais impressionante que tudo isso é ver que ela consegue levar a manada para onde quer.

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  • José Luiz disse:

    A educação liberta, sabem muito bem esses crápulas da “nobreza de ceva” e os “salvadores da pátria”, por isso ela não existe aqui. Um povo ignorante é mais fácil de ser dominado, tangido. E não há interesse nem força capaz de quebrar esse círculo vicioso.

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