Mais informações sobre o “recall” – 4

15 de julho de 2013 § 25 Comentários

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(4º de uma série sobre voto distrital com recall. O 3ro neste link)

  • O recall funciona mais ou menos como a bomba atômica: não é preciso necessariamente usá-lo para que ele faça efeito. Basta tê-lo ao alcance da mão para que o político que pode ser alvo dele mude radicalmente de comportamento.
  • Bem utilizado e balizado por normas claras, o voto distrital com recall não aumenta a instabilidade dos processos político e de administração pública. Ele reafirma e dá consequência prática ao princípio fundador da democracia que é o de que o povo é a única fonte de legitimação do poder e, com o tempo, produz o efeito contrário.
  • Em uma boa parte dos processos de recall iniciados nos vários países que usam essa ferramenta o político ou funcionário visado renunciou antes que o processo fosse adiante.
  • Nenhum deputado federal chegou a perder o mandato por recall nos Estados Unidos onde o instrumento está em uso ha aproximadamente 100 anos. Os merecedores desse tratamento tendem a ser abatidos antes de chegar a essas alturas.
  • Só dois governadores de estado dos EUA sofreram recall em toda a história do país: o de North Dakota, Lynn Frazier, em 1921, e o da Califórnia, Gray Davis em 2003. Em 2012 o de Wisconsin, Scott Walker, tornou-se o primeiro a sobreviver a um recall.

RE5

  • O Canadá, com sólida cultura democrática, só instituiu o recall em 1995 e ninguém, nem o primeiro-ministro em exercício, está isento dele. Mas dificilmente se apresentaria uma situação onde coubesse um recall por ação direta do eleitorado em instância tão alta. Incluir o primeiro-ministro na lista de alvos possíveis tem mais sentido dissuasório que prático. Até janeiro de 2003, 22 ações de recall tinham sido abertas, sempre nas instâncias mais baixas do sistema. Ninguém chegou a ser cassado (por decisão dos eleitores). O único a cair foi um representante que renunciou antes do fim do processo.
  • Entre 1846 e 1869 cinco cantões suíços instituíram o recall. Eles foram os pioneiros no mundo (embora os Estados Unidos já considerassem adota-lo desde as primeiras colônias de Massachusetts de 1631). Em 1988 um sexto cantão suíço, Uri, também adotou a ferramenta e em 2001 o sétimo, Ticino, veio juntar-se aos outros. Todos contam também com os instrumentos das leis de iniciativa popular e do referendo popular que permite derrubar leis passadas pelos legislativos, igualmente comuns nos Estados Unidos. Na Suíça, portanto, a arma está ao alcance da mão ha 167 anos mas os eleitores nunca chegaram a sentir a necessidade de usá-la contra alguém.

RE9

  • Dezoito estados americanos incluem o recall entre suas ferramentas institucionais. Sete exigem uma denuncia formal de comportamentos previamente tipificados na petição e o acusado tem direito a defesa em torno dessa tipificação antes do recall ir ou não a voto. O processo passa pelo Judiciário antes de voltar ao povo, o que me parece uma distorção grave do princípio fundamental da democracia. Os outros 11 permitem que os eleitores convoquem um recall por qualquer razão que lhes aprouver. Ou seja, basta sentir que aquele indivíduo “Não me representa” mais, para lembrarmos a frase-símbolo das passeatas de junho. Se a maioria dos eleitores daquele deputado concordar com isso é o quanto basta para remove-lo.
  • As porcentagens de eleitores assinando a petição de recall requeridas são diferentes em cada estado, variando de 2% a 7% e o tempo para a coleta dessas assinaturas depois de disparado o processo também varia.
  • Houve 150 ações de recall em 73 distritos eleitorais de 17 estados norte-americanos em 2011. 75 funcionários perderam o seu posto em função delas e 9 renunciaram antes do fim do processo.

RE6

  • Como nos Estados Unidos a maioria dos funcionários com funções executivas importantes para as comunidades tais como policiais, xerifes, gestores da educação e da saúde públicas, membros do Ministério Público, etc., que por aqui são nomeados pelos políticos, são diretamentamente eleitos pelo povo, esse número não é alto. 52 das eleições convocadas depois dessas ações de recall foram para membros de City Council, onde se sentam as cinco pessoas mais importantes da hierarquia municipal, 30 foram para prefeitos, entre eles o de Miami, e uma para um membro do equivalente ao nosso Ministério Público. O resto para funcionários mais baixos.
  • Alguns recall contra senadores foram tentados no passado mas nenhum conseguiu passar as barreiras jurídicas que foram erguidas para detê-los. Neste ano de 2013 foi aberto um recall contra o senador democrata do Colorado, John Morse, que ainda não chegou ao fim, e outro contra a senadora do mesmo estado, Angela Giron. Este ultimo já foi mais longe no processo de homologação e a eleição para o substituto dela (ou não) já foi marcada. A razão é que os dois votaram leis limitando a posse de armas contra a vontade expressa de seus eleitores. Você pode acompanhar esses processos diretamente pela internet. A briga judicial virá depois.
  • Várias organizações norte-americanas dedicam-se a limpar as barreiras jurídicas contra o recall de representantes federais que, segundo juristas importantes, está garantido pela Décima Emenda à Constituição. Os processos ganhos até hoje por senadores que sofreram recall basearam-se em aspectos laterais das causas. Não ha, ainda, uma jurisprudência constitucional solidamente estabelecida a respeito.

RE8

  • Em alguns estados da Costa Oeste, os mais avançados em matéria de instrumentos de participação popular na política, já se discute o recall de juízes e até o de sentenças judiciais. Os “contra” argumentam que para isso os juízes teriam de ser eleitos e que as necessidades da campanha os tornaria vulneráveis ao poder econômico. Os “a favor” respondem que todos os juízes, eleitos ou não, são vulneráveis ao poder econômico assim como o resto dos mortais, e que eles se sentem mais seguros sabendo que os seus juízes vulneráveis ao poder econômico, assim como as sentenças injustas que possam emitir, são demissíveis por recall.
  • O artigo 72 da Constituição da Venezuela permite o recall de qualquer funcionário eleito, inclusive o presidente. Ele foi usado no referendo de 2004 que tentou destituir o presidente Hugo Chávez. Lá o recall pode ser tentado depois de cumprido metade do mandato contra a assinatura de 20% do eleitorado. Mas de todo o eleitorado. Não ha o componente distrital, o que faz desse sistema um sistema de plebiscitos nacionais. O sentido desse tipo de recall é o inverso dos até aqui descritos. Um esquema que torna praticamente impossível uma iniciativa vinda de pessoas comuns mas facilita golpes pelos grupos em posições de poder com condições de mobilizar grandes massas. O caso da Venezuela ilustra perfeitamente a importância fundamental do voto distrital nos sistemas realmente democráticos de recall.
  • De modo geral o recall de funcionários eleitos por eleições majoritárias é evitado ou dificultado ao máximo em função da polarização e da instabilidade que tal possibilidade tende a provocar. Isso para não falar na facilitação para a armação de golpes que essa polarização enseja em sociedades politicamente menos amadurecidas. Para remover esses funcionários usa-se, mais frequentemente, o instrumento intermediado do impeachment a ser decidido por representantes, estes sim, passíveis de recall.

RE3

  • O “recall” tende a ser tanto mais seguro, justo e eficiente quanto mais próximo da base do sistema estiver o alvo visado. O que ele proporciona de mais interessante, duradouro e sólido é o efeito “sistêmico” de higienização recorrente dos organismos político e de administração pública a partir das suas raízes e bases. O recall tende a ser melhor aplicado na instância municipal onde os eleitores de cada distrito e os candidatos em geral se conhecem pessoalmente. Como, em toda parte, o político é um profissional que precisa fazer uma carreira, quando ele chegar a se candidatar aos cargos mais altos no âmbito nacional já terá passado duas, três ou mais vezes pelas frentes de batalha municipais e estaduais onde o uso da “munição viva” do “recall” pode ser feito em ambiente mais seguro e bem delimitado.
  • O recall não é, portanto, uma panacéia capaz de consertar tudo no dia em que for instituído. Seu efeito dissuasório passa a ser sentido desde o momento em que é aprovado mas, a médio prazo, ele produz um efeito desinfetante, profilático e educativo cada vez mais sólido e duradouro sobre todo o sistema, mesmo sobre os segmentos dele onde não é diretamente aplicável.

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TODA A SÉRIE SOBRE VOTO DISTRITAL COM “RECALL”

https://vespeiro.com/2013/08/21/democracia-a-mao-armada-9/

https://vespeiro.com/2013/08/14/a-travessia-do-deserto/

https://vespeiro.com/2013/08/02/porque-nao-ha-perigo-no-recall-7/

https://vespeiro.com/2013/07/23/recall-sem-batatas-nem-legumes/

https://vespeiro.com/2013/07/20/discutindo-recall-na-tv-bandeirantes-6/

https://vespeiro.com/2013/07/15/mais-informacoes-sobre-a-arma-do-recall/

https://vespeiro.com/2013/07/12/voto-distrital-com-recall-como-funciona/

https://vespeiro.com/2013/07/10/a-reforma-que-inclui-todas-as-reformas/

https://vespeiro.com/2013/06/25/voto-distrital-com-recall-e-a-resposta/

 

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