A Mata Atlântica e os Ciclos da Vida

26 de março de 2013 § 21 Comentários

O Filme

O Texto

cucsFoto FLM

A pedido de telespectadores reproduzo o texto do roteiro do documentário A Mata Atlântica e os Ciclos da Vida que filmei em 2006 e acabei de escrever em 2007

Mata Atlântica. Peça fundamental do sistema de reciclagem da atmosfera terrestre. Avó das florestas do mundo, resistiu a duas eras glaciais. Cobria grande parte do litoral atlântico das Américas Central e do Sul. Hoje está reduzida a oito por cento do que já foi.

Sua beleza misteriosa remete à idéia de paraíso perdido. Parece a Terra antes que o homem começasse a modificá-la. Mas, é preciso resistir ao mito! Viver é muito perigoso! Viver sempre foi muito perigoso!

jequitiba 1Foto João Lara Mesquita

(…)

Neste cenário intrincado, onde se deixar ver quase sempre significa a morte, não se vêm coisas; só se vê movimentos. Mas, aí começa o problema: para crescer e se multiplicar, é preciso se mover…

(…)

Quando chega a primavera, o macuco sente a necessidade de atrair um parceiro para a procriação. Mas o chamado para perpetuar a espécie é o mesmo que atrai o predador que pode acabar com ela.

Do outro lado da floresta ele provoca uma resposta. É o anuncio do inicio de uma marcha que nenhum risco poderá deter. Aqui, segurança é sinônimo de imobilidade e silêncio. Mas o instinto de perpetuação da espécie é mais forte que o de preservação. Assim, o chamado vai ser retomado e respondido num longo diálogo que orientará a travessia da floresta pelos dois macucos e por seus predadores, até o encontro final entre dois deles.

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(…)

Mas nossa história começa muito longe daqui. Os primeiros sinais de vida na Terra registram-se há cerca de 3 bilhões de anos. Onze bilhões já se tinham passado desde a grande explosão que criou o Universo.

Em algum momento desse passado distante, a vida se divide em duas correntes de desenvolvimento. Uma, segue o caminho das proteínas e gera o mundo móvel dos animais, de onde vem o Homo sapiens. Hoje, seis e meio bilhões deles tentam viver do planeta Terra…

Outra toma a forma dos carboidratos e dá origem ao reino menos móvel das plantas. A certa altura, elas ganham os frutos e as flores. E isso sela o casamento entre o mundo animal e o vegetal.

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Entram em cena os “agricultores alados” ocupados em trocar néctares e frutas pelo transporte de sementes e pólen. E então, as florestas cobrem o mundo e aceleram a reformulação da atmosfera terrestre.

Nós mesmos só passamos a existir porque as florestas fabricaram um ar que podemos respirar e que nos protege dos efeitos mortíferos da luz não filtrada do Sol.

A Mata Atlântica não está onde está por acaso. Cresce por baixo deste grande regador de Deus que é permanentemente alimentado pelo ar úmido que vem do mar. Este ar bate na serra, sobe, condensa-se com a temperatura mais baixa e volta em forma de chuva.

(…)

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Existem mais tipos diferentes de formas de vida aqui do que em todos os outros ambientes da Terra.

Por que?

A floresta é um organismo vivo. Nada, aqui, é igual ao que foi ontem. Tudo está em evolução…

É a luta pela luz que molda o mundo vegetal. Nesta região de vales e montanhas, com faces apontadas para todos os quadrantes, há um regime de incidência de luz diferente quase para cada metro quadrado de chão.

Isso cria diversos “nichos de mercado” que exigem das plantas diferentes estratégias de captação.

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Foi através de ensaio e erro, adaptação ou morte, que cada tipo de vegetação aprendeu a encontrar a configuração adequada ao seu lugar na floresta. A longo prazo, esse esforço de adaptação foi conduzindo a novas espécies.

Os gigantes da Mata Atlântica precisam da luz direta do sol. Por isso, aprenderam a investir toda sua energia no crescimento. Vão retas para cima, sem se preocupar com o desenvolvimento de galhos e folhas inúteis. Só depois de alcançar o dossel é que vão tratar de engrossar.

Tomando carona nelas estão as epífitas. Milhares de variações. Algumas têm sementes dispersas pelo vento. Outras são levadas de árvore em árvore pelos pássaros. Tudo isso — sua forma, sua localização e sua tática de reprodução — foi “aprendido” num longo processo de evolução.

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Na sombra do segundo andar, palmeiras e samambaias produzem folhas quase transparentes, umas por cima das outras. Assim, a luz que passa por uma é absorvida pela outra.

As trepadeiras buscam apoio em qualquer coisa que as leve para mais perto do Sol. Distribuem suas folhas de modo que uma não faça sombra sobre a outra e consigam captar luz a qualquer hora do dia.

Algumas plantas arbustivas produzem repelentes de insetos. Outras não. Investem na produção de folhas, sem se preocupar com estratégias de defesa. Deixam-se comer e produzem mais e mais folhas para substituir as estragadas.

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Lá no chão, grandes painéis são necessários para a captação da pouca luz que chega. Dispensadas de carregar peso, as rasteiras priorizam o armazenamento de água em caule e folhas com grande densidade de líquido.

As oportunistas, como embaúbas e bambus, têm sementes leves que se espalham por toda a parte. Havendo sol, germinam. Antes, aproveitavam a insolação das margens dos rios ou funcionavam como “cicatrizantes” dos “canyons de luz” abertos pela queda de grandes árvores. Com as derrubadas, estão cada vez mais presentes…

(…)

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A forma das árvores conta a história de cada trecho da floresta. O regime mais racionado dos espigões; o excesso de água das baixadas; os anos de seca ou de chuva abundante, ficam registrados nos meandros mais ou menos tortuosos dos seus galhos.

Plantas inclinam-se sobre o “vão livre” dos rios.

A queda de uma grande árvore, abrindo uma nova “janela de luz” no “teto” da mata, desvia o rumo anterior do crescimento de suas vizinhas.

Gigantes da floresta debruçam-se sobre as encostas para alcançar um buraco no dossel. São massas enormes que se deslocam; complicados jogos de peso e contra peso, o que requer amarrações especiais das raízes para que elas se mantenham equilibradas

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Como as pessoas, as plantas também ficam marcadas pela história de suas vidas e pelo ambiente onde ela transcorreu.

(…)

Com os demais seres vivos, também é assim: a necessidade e a floresta vão desenhando os animais que, por sua vez, vão redesenhando a floresta.

Necessidades de defesa; diferentes estratégias de alimentação e acasalamento levaram ao desenvolvimento de capacidades especiais de visão; à adaptação de formas e cores ao ambiente; a formas diversas de vocalização; ao desenvolvimento de aptidões físicas especializadas; ao domínio dos diferentes níveis da floresta por diferentes espécies animais.

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Nos beija-flores, o coração é quase um terço do peso total da ave. É o motor necessário para sustentar as altíssimas rotações em que essas pequenas máquinas funcionam.

Já Zabelês, guaçus, urus e macucos se adaptaram bem à vida no chão, onde encontram comida com mais facilidade. Neste ambiente cheio de obstáculos, o vôo passou a ser um recurso só para emergências. E o corpo dessas aves foi mudando…

O macuco é a ave que tem a menor relação entre tamanho do coração e volume do corpo. Mas, aqui embaixo, há ainda mais predadores que lá em cima. Assim, ele teve de se transformar num mestre da sutileza e do cuidado.

Estudos indicam que até o seu pio pode ter sido alterado, ao longo da evolução, para aumentar seu arsenal de medidas defensivas. Hoje, ele se propaga de tal forma que só outro macuco consegue localizar, com precisão, de onde ele partiu. É mais um poderoso recurso para despistar seus predadores.

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(…)

Plantas ou animais, a lei é a mesma: adaptação ou morte. Assim, foi sendo estabelecido quem viveria em que parte da floresta. O chão é dos muito atentos ou dos muito fortes. O nível médio — a vida no labirinto dos troncos e dos galhos — requer agilidade e leveza. Lá em cima, no mundo das extremidades flexíveis das folhas e dos frutos, “braços extras” precisaram ser desenvolvidos. E os predadores de cada grupo, em processo paralelo de evolução, foram adaptando seu porte e suas aptidões para continuar atuando sobre eles.

(…)

Outro recurso que não se despreza, no permanente desafio da luta pela vida na Mata Atlântica, é a escuridão. É à noite que a floresta ferve na busca de sexo e comida pela maior parte dos seus habitantes. Todos desenvolveram visão noturna melhor que a do homem. Mas, como conseguem se orientar quando a escuridão é total?

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O chão da floresta é todo cheio de caminhos. Alguns animais usam sempre os mesmos, de dia e de noite. Eles passam diariamente por eles e vão limpando o trajeto de pequenos obstáculos. Esses “carreiros” passam também a ser “trilhas de cheiro”, através das quais eles podem se orientar no escuro.

Mas o que será que acontece no pânico da fuga? Eles fogem pelos carreiros ou a descarga de adrenalina dispara corridas cegas pela noite, aos trancos e barrancos?

Mistérios da Mata Atlântica…

Mas, nem todos estão suficientemente aparelhados para enfrentar a escuridão. Quando a noite cai, o macuco trata de buscar proteção.

É o momento em que todos se manifestam, para marcar território.

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Como todo mundo, na natureza, o macuco leva uma vida de fugitivo. No poleiro, evita até evacuar para não denunciar sua posição. E precisa mudar de endereço constantemente.

Lá no alto, sua segurança é relativa. Aqui todos os predadores sabem subir em árvores. Assim, pode-se até fazer barulho por baixo do poleiro sem que o macuco reaja. Mas, qualquer toque na árvore desencadeia a fuga…

(…)

Na sombra do chão da floresta a oportunidade de reprodução das plantas pode levar muito tempo… Por isso, muitas evoluíram para armazenar energia em torno de suas sementes, desenvolvendo frutos polpudos. Essa polpa não tem papel direto no processo de multiplicação da planta. Serve só para prolongar a vida das sementes até que encontrem as condições ideais de germinação e também para atrair os animais que vão carregá-las para pontos mais distantes.

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Só as plantas de sementes leves, “aero-transportáveis”, reaparecem nas matas que não têm contato direto com matas mais antigas. As de sementes pesadas não conseguem mais migrar até elas. Por isso correm maior risco de extinção.

(…)

Por baixo do que está à vista, existe um outro mundo de enorme diversidade. Alem dos milhões de bactérias invisíveis, existe mais variedade de fungos aqui, do que todas as plantas da Mata Atlântica e dos outros biomas brasileiros somados. Eles são formas de vida super especializadas. Cada grupo ocorre apenas em um determinado segmento da planta.

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Há também os especialistas em decomposição. Mas, a maioria dos fungos ajuda as plantas a viver e se proteger. Eles são atores coadjuvantes essenciais a todas as funções vitais da planta.

Pode estar neles o segredo da longevidade ou a solução para inúmeras doenças ainda incuráveis.

(…)

A fome impõe disciplina ao mundo animal. Como os que estão sendo caçados só continuam a existir porque sabem fugir dos que os estão caçando, não há almoço grátis… Também na natureza, é preciso trabalhar muito para comer. E quem fracassa por muitos dias nessa tarefa, vai enfraquecendo até se transformar num candidato preferencial a ser caçado. Caçar e ser caçado está no código genético de todos os seres vivos; o homem inclusive…

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A evolução tratou de atrelar a capacidade de multiplicação de cada animal à sua posição na cadeia alimentar. Na base estão os mais caçados. São os que produzem as maiores proles e também os mais “descuidados” com a sua proteção. Já, os animais com baixa taxa de multiplicação tendem a ser os mais esquivos. Como as pacas, que só saem de suas tocas nos períodos de mais completa escuridão.

(…)

Morte e transformação: é esta a essência da receita da vida. Existe uma cadeia alimentar, da qual todos os seres vivos fazem parte. É ela, que mantém as populações em equilíbrio. Os organismos produtores, as plantas, fabricam seu próprio alimento. Os consumidores, herbívoros ou carnívoros se alimentam de plantas ou de outros animais.

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Existem os carnívoros secundários, os terciários e adiante, que se alimentam, até, de outros carnívoros. E acima de todos, junto com os porcos e as aves de rapina, estamos nós, os onívoros, que comemos tanto organismos produtores quanto consumidores.

À espera de todos, estão os decompositores. Insetos, bactérias e fungos que desagregam as moléculas que, um dia, compuseram os corpos destas plantas e animais mortos. Eles as devolvem à terra para que possam ser reabsorvidas por plantas e animais vivos.

(…)

Nada se perde; tudo se transforma.

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Em ação paralela, os componentes inertes do sistema estão passando por processos de reciclagem que vão transformá-los em elementos que poderão ser utilizados na continuação da vida. Cada pequeno córrego que corta a grande muralha da Serra de Paranapiacaba é um ramal do sistema de captação das águas produzidas pelos ciclos de evaporação e chuva que sustentam a exuberância vegetal da Mata Atlântica.

O trabalho persistente da água roçando a terra vai comendo barrancos, solapando raízes, derrubando árvores e, aos poucos, escavando o perfil geológico da floresta. É através deles que vai começar a corrida dessas águas em direção ao mar. Ela mói e carrega, ano a ano, pedras, terra, restos de vegetais e animais, que alimentam outros seres vivos ao longo do caminho. Depois de descer a serra, esses detritos, reduzidos a pó, vão abastecer os oceanos de nutrientes para o fitoplâncton, elo primário da cadeia alimentar. E todo o ciclo recomeça…

São Sebastião Unit, Brazil.

Tudo acaba sendo reduzido às mesmas partículas essenciais, que se articulam e rearticulam de infinitas maneiras. Isso quer dizer que alguns átomos de carbono que compõem a pele desta mão podem, algum dia, ter feito parte de uma folha, da carcaça de um dinossauro ou até mesmo de uma pedra…

Um dia, esta mesma pele vai voltar para a terra, para ser transformada em alguma outra coisa.

Sem estes ciclos de transformação e reciclagem o planeta se transformaria numa grande lata de lixo.

(…)

Não é só a Mata Atlântica. Tudo à nossa volta está em evolução. Os próprios continentes já andaram navegando pelo globo…

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O sertão, de fato, já foi mar, e o mar já foi sertão. O que um dia foi trópico hoje está próximo dos pólos. O Norte já foi Sul e o Leste já foi Oeste…

Mata Atlântica, campos, cerrados, hiléia amazônica, tundra canadense, desertos da Mongólia; tudo é uma coisa só. E a própria Terra está inserida num grande “ecossistema” intergaláctico, onde cada peça é essencial ao equilíbrio do todo.

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A criação dos macucos começa entre os meses de agosto e novembro. É o início da primavera, quando a oferta de comida aumenta muito. As primeiras chuvas rápidas começam a devolver a cor à mata. Com a seca, termina também o silêncio dos meses do outono e do inverno. A floresta vai se encher de cantos diversos, anunciando a temporada de acasalamento.

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Depois daquela travessia tão cheia de perigos, aquele namoro, que começou lá naquela primeira troca de pios, termina num momento sublime.

O canto de trêmula satisfação da fêmea

recém coberta, que ficou para traz…

(…)

A floresta está toda dividida em territórios delimitados. Existe uma espécie de lei econômica que rege a sua ocupação pelos diferentes animais e plantas. Pássaros, répteis e mamíferos de todos os tamanhos convivem numa mesma área, em grupos contados de machos e fêmeas. As quantidades são estabelecidas pela disponibilidade de comida e pelas táticas de reprodução. Qualquer invasor da mesma espécie que entre em território alheio é rechaçado de imediato…

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O direito de procriar é exclusivo dos mais fortes. Para garantir trocas genéticas, as crias de cada espécie se misturam às dos territórios vizinhos para formar novas famílias.

Menos de 30 hectares podem bastar para uma família de macucos. Outros mamíferos e predadores ocupam territórios maiores, sobrepostos aos dos pássaros e animais de menor porte…

Uma irara pode requerer um território de caça de mais de 20 km². Já uma onça pintada, o maior predador das Américas, pode andar mais de 40 km, numa única noite, atrás de presas e parceiros.

(…)

Em ambientes ecologicamente saudáveis, o aumento da população de uma espécie aumenta também o número de seus predadores.

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Esse mecanismo, que condiciona o tamanho das populações à capacidade da área em que elas vivem de repor, num ciclo anual, o que é necessário para sustentá-las, é que define o conceito de sustentabilidade.

(…)

O ato do acasalamento do macuco é apenas o prenúncio dos mais de 40 dias de pesadelo que vão se seguir.

Para aumentar as chances de perpetuação da espécie, é o macho que choca os ovos. Depois de construírem o ninho juntos, a fêmea sai a procura de um novo parceiro para garantir mais uma postura. Ele vai permanecer 19 dias sobre os ovos, saindo apenas uma vez por dia para se alimentar. Nos últimos dias, nem isso vai fazer. E durante esse tempo todo, vai ficar exposto, dia e noite, aos predadores. E, as ameaças serão muitas…

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Qualquer contato visual ou movimento suspeito muito próximo fará com que ele abandone definitivamente o ninho.

Se sobreviverem, entre o 19º e o 20º dia, os ovos serão picados e os filhotes nascerão.

Na ultima noite, o quarto filhote finalmente pica o ovo e sai da casca. Agora a família está completa. Mas o perigo será redobrado.

O esforço da procriação impõe um reforço na alimentação. Por isso, de insetos a carnívoros, a ação predatória chegará ao auge neste período em que pais e filhotes estão mais vulneráveis. Ninguém é poupado…

Agora vão ser mais 20 dias no chão, numa corrida contra o relógio, até que os filhotes cresçam o suficiente para conseguir voar, ainda que seja até um poleiro baixo. Se algum deles falhar nesse primeiro vôo, dificilmente sobreviverá.

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(…)

Até há 60, 70 anos, ainda sobrava Mata Atlântica bastante para que a chegada de bandos de milhares de jacutingas que migravam todos os anos entre o Sul da Bahia e o Norte da Argentina fizesse parte do calendário de festas de diversas populações do litoral brasileiro.

Como vinham fazendo há 50 milhões de anos, elas acompanhavam as temporadas de produção das diversas fruteiras do mato que, com as variações de latitude e temperatura, cobriam o ano inteiro.

Hoje, com a Mata Atlântica confinada a pouco mais que trechos da Serra do Mar de São Paulo e Paraná, as jacutingas estão limitadas a migrações entre o nível do mar e o Planalto, onde as variações de altitude e temperatura distribuem o período de frutificação por alguns meses do ano. Podemos ser a ultima geração a conviver com elas…

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(…)

O resto da criação vive das florestas e trabalha para a sua manutenção. O homem vai na direção contrária. Nunca houve o “bom selvagem”. O que a ciência indica é que há 4 mil gerações, o fogo tem sido o principal instrumento de interação entre o Homo sapiens, ele próprio um produto das savanas, e as florestas.

Há apenas 13 mil anos, nossos ancestrais estavam domesticando as 12 espécies vegetais e 5 animais com as quais, até hoje, atendemos mais de 80% das nossas necessidades. Desde então, vimos empurrando tudo o mais que vive no planeta para abrir espaço apenas para aquilo que elegemos para nos sustentar.

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A penicilina foi o golpe de misericórdia. Libertou-nos de vez da lei de seleção natural. A partir daí, o homem passou a se multiplicar nas proporções de uma praga. E cada nova vitória da medicina piora a situação.

É este o grande paradoxo da condição humana: quanto maior o sucesso do nosso desempenho como espécie, maior será a ameaça que pesará contra a continuação desse sucesso.

Não há respostas fáceis para esse dilema. Com ou sem um discurso “verde”, o problema ambiental é cada um de nós. É o espaço que ocupamos no planeta, usurpado de todos os outros seres que, junto conosco, atravessaram os milênios e venceram as infinitas armadilhas da evolução, para conquistar o direito de continuar vivos, aqui e agora.

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Na crescente solidão da paisagem uniforme de que nos vamos cercando, temos trabalhado como loucos para destruir o sistema que tornou a nossa própria existência possível.

Mas romantismo e ações policiais pouco poderão fazer para reverter esse quadro. Os abatedouros industriais e a comida sem sangue dos supermercados não anulam a nossa condição essencial, de presas e predadores que continuamos fazendo parte da mesma cadeia alimentar que sempre amarrou uns aos outros todos os seres vivos e vem sustentando a renovação dos ciclos da vida.

Mas nós somos, também, o único animal que pode mudar o seu próprio destino…

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Para que possa frutificar, esse nosso propalado amor à natureza tem de ser integralmente consumado. Temos de nos reeducar para voltarmos a ter intimidade com aquilo que resta dessa natureza essencial. Temos de reviver o ritual da nossa relação orgânica com o resto da criação. Temos de reaprender com ela a aplicar mecanismos econômicos para induzir a distribuição de espaço e populações de forma sustentável.

Talvez isso nos de tempo para negociar com ela algum tipo de reconciliação, antes que ela nos imponha a sua própria solução, com a força e a indiferença daquilo que é eterno.

(…)

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No pouco que resta do mundo como Deus o fez, as coisas seguem sendo como nunca deixaram de ser. Na disputa por um lugar num espaço que sempre foi limitado, cada vitória tem de ser arrancada dos braços da morte, e requer o uso de aptidões conquistadas durante milênios de evolução.

Mais uma vez testadas, essas aptidões filtraram a nossa família de macucos, até que sobrassem apenas os mais preparados.

Agora, tudo recomeçará, cada um por si, como foi desde sempre, e como continuará sendo, se sua majestade o homem assim o permitir.

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§ 21 Respostas para A Mata Atlântica e os Ciclos da Vida

  • Mrio Ribeiro disse:

    Valeu, Ferno!Minha gratido,Mrio Ribeiro (Ucho)

    Date: Tue, 26 Mar 2013 22:42:49 +0000 To: uchoribeiro@hotmail.com

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  • Varlice disse:

    Obrigada pelo presente.
    O documentário está disponível para venda? Em caso afirmativo, como conseguiria um exemplar?
    Por acaso comecei a assisti-lo, já começado, no canal globosat. Amei tudo nele e lembro de ter pensado – enquanto o assistia – que aquele vídeo em português era muito mais envolvente e interessante do que o outro que desistira de ver na BBC.
    Só depois, nos créditos, é que li o seu nome.
    Então, meu elogio e admiração foi (e é) sincero.

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  • Ronaldo disse:

    Fernão, parabéns pela exposição e pela didática. Só mesmo um caçador para entender, amar e explicar a natureza com este sentimento. Obrigado.

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  • flm disse:

    eu é que agradeço, don ronaldo

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  • Adorei o primeiro, tem previsão de lançamento para o segundo documentário ?

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  • flm disse:

    por enquanto não, rodrigo…

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  • geso disse:

    sou amante da natureza e pude ver este documentário muito lindo e interessante. Por favor gostaria de saber como adiquirir esse video. para mim é muito importante.

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  • JAIR HENGLER BUENO disse:

    Gostaria de adquirir o video em, DVD é possivel?

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  • flm disse:

    lamento, senhores mas o video esta esgotado no mercado.
    mas vs poderão assisti-lo aqui mesmo no Vespeiro, neste link:
    https://vespeiro.com/?s=A+Mata+Atlântica+e+os+Ciclos+da+Vida+-+1

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  • Tiago Egydio Barreto disse:

    Olá Fernão, tudo bem?

    Atuo na area de sustentabilidade e sou muito fã deste seu trabalho produzido na Mata Atlântica. Vou ministrar umas aulas sobre o tema de conservação e quero mostrar seu video “A MataAtlântica e os Cilos de Vida” como parte de uma das aulas. Contudo, por se tartar de direitos autorais, quero te pedir a autoriação para passer este video no curso que vou ministrar. Caso você concorde eu te encaminharia um ofício solicitando a autorização para exebição do mesmo.
    Agradeço de qualquer forma e parabéns pelo trabalho que vem desenvolvendo.
    Alias, venho acompanhando outros posts seus e partilho de grande empatia pelo conteúdo e profundidade do mesmo.

    Obrigado

    Tiago

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    • fernaslm disse:

      obrigado, tiago.
      voce pode, sim, usar o filme em suas aulas.
      e, de minha parte, pode tambem dispensar a papelada.
      um abraço,

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      • Tiago Egydio Barreto disse:

        Oi Fernão tudo bem?

        Fernão, está chegando o momento de iniciar o curso que havia lhe falado no post anterior. O tema do curso é sustentabilidade, é um curso aberto ao público e fruto de uma parceria entre a UNESP e a Fundação Espaço Eco. Ele será ministrado a distância e para garantir que não haja instabilidade no momento que os cursistas forem acessá-lo, pensamos em hospedá-lo no servidor da Unesp.
        Como vc é o autor desta obra me sinto na responsabilidade em lhe perguntar se posso seguir com este procedimento?

        Obrigado desde já

        Tiago Egudio Barreto

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      • fernaslm disse:

        ola, tiago,

        como disse, pode sim usar o video e o texto em seu curso, desde que com os devidos creditos. se precisar de algo mais que eu possa fazer, é só pedir.

        http://www.vespeiro.com iPhone

        >

        Curtido por 1 pessoa

      • sr. fernão,vc tería outros videos como este onde você narra algo? ótima narrativa, e quem foi o responsavel pela trilha sonora? obg.

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      • Fernão disse:

        não tenho.
        essa foi a minha única incursão no mundo dos documentários

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      • sr. fernão,poderia me dizer o nome da trilha que abre e encerra o documentario? eu gostaria de baixa-la.obg.

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      • Fernão disse:

        a trilha musical é original, isto é, feita especialmente para o filme pelo talentosíssimo Alexandre Guerra.

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  • REINALDO ARAUJO disse:

    MEU DEUS DA MEDO DE FAZER PARTE DA RAÇA HUMANA OBRIGADO A TODOS QUE PARTICIPARAM DESSA MAGNIFICA OBRA PARABENS E QUE DEUS ILUMINE AS SUAS MENTES PARA CONTINUAREM A LUTAR PELA COESISTENCIA PASSIFICA ENTRE OS SERES VIVOS

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  • MARIA REGINA MAIA ALFAIA disse:

    Olá, Fernão.

    Sou professora do Ensino Fundamental e gostaria de passar seu filme para meus alunos de dez anos, com o devido crédito, claro.Achei o modo como você organizou seu roteiro propício ao que desejo transmitir aos meus alunos.
    Eu o acessei no Youtube, mas quando fui pesquisar a autoria, encontrei seu blog.
    .
    Verifiquei nos comentários anteriores sua generosidade em autorizar a reprodução, porém gostaria de saber se você responderia algumas perguntas dos alunos sobre seu trabalho?

    Na idade deles há questionamentos necessários para compreender o mundo e o funcionamento das coisas. O que originou essa produção? Como pesquisou para fazê-la? São algumas das perguntas que poderão surgir. Pode ser através de um texto ou mesmo áudio breve que reúna suas respostas, pois avalio que esteja muito ocupado para destinar um tempo maior.

    Muito agradecida,
    Regina Alfaia.

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